- Ei, Caroline! - escutei uma voz ecoar pelo corredor, fazendo com que eu levantasse a cabeça. Olhei para trás e vi Melanie correr entre as pessoas até chegar a mim. A aula tinha acabado de terminar, e eu já estava fazendo meu caminho até a saída - Quase que eu não te pego, menina. - ela começava a recuperar o fôlego - Onde você esteve nessa última semana?
- Mas é claro que você não me vê, fica todo o tempo com seu namoradinho James. - falei, fazendo voz de criança.
- Você desaparece na hora do intervalo.
- E você me procura? - perguntei, olhando para ela.
- Mas é claro que procuro, você é minha melhor amiga. Eu sinto falta da minha melhor amiga. Conversar só com o James não é a mesma coisa. - ela abaixou a cabeça - Às vezes eu quero ir à sua casa, conversar com você, mas você quase nunca está. Você não está por perto nesses últimos dias.
- Desculpe por desaparecer, Melanie. Eu estive meio ocupada aproveitando o que a vida tem de melhor. - falei, passando um braço pelo ombro dela.
Ian tinha me levado por toda a Londres todas as noites pela última semana em cima da sua Harley. Ele até tinha arriscado deixar que eu pilotasse sua moto porque, segundo ele, a adrenalina está no sangue e cabe a você se vai usá-la ou não. Eu tinha provado dessa adrenalina e tinha gostado.
Ian estava fazendo com que, aos poucos, as rochas de anos presa dentro de um castelo com uma vida conservadora, desmoronassem a cada ato não pensado que eu fazia. E eu admito que pensar demais, às vezes, te impede de fazer coisas que você desejava a vida toda.
Eu havia pensado demais a minha vida toda e, muitas das vezes, eu havia pensado na felicidade dos outros em vez da minha. Como em todas as vezes que eu me privava de ir a uma das festas dos guardas dos palácios, pois no outro dia eu iria ficar falada por estar bebendo e conversando com homens mais velhos do que eu e muito mais fortes. Jovens, por todo o globo, faziam esses tipos de coisas, coisas proibidas, mal vistas pela a sociedade, imaturas, imprudentes e que só levariam a todos eles a desgraça total, mas que, ao mesmo tempo, eram coisas divertidas que causavam arrepios na espinha.
Ian havia me ensinado que não havia nada de errado em correr riscos. Que, na vida, se nós não corrêssemos riscos não estaríamos vivendo, apenas olhando os outros se divertirem enquanto nossa vida passava em frente aos nossos olhos. Eu estava vendo minha vida passar em frente aos meus olhos enquanto estava em Florença vivendo uma vida que eu, obviamente, fui obrigada a aceitar. Ser princesa nunca foi meu plano principal, eu queria ser uma adolescente normal e passar por todas as experiências que fossem necessárias, mas quando você nasce na realeza, a pressão sobre você aumenta.
Florença era uma prisão para mim, mas Londres, minha doce Londres, era o lugar onde uma nova Caroline, aquela que eu sempre quis ser, estava nascendo.
- O que a vida tem de melhor? - ela perguntou, confusa - Você vai todos os dias ao cinema assistir filmes dos anos 80?
- Não, Melanie. - falei, rindo - Festas, bares, bebidas, música alta, andar pela cidade à noite. - ela arregalou os olhos - Você nunca fez isso? - olhei para ela - Você já foi à Perdition Street? Se não foi, não sabe o que está perdendo.
- O quê? - ela me olhou com os olhos mais arregalados, se isso era possível - Você perdeu o juízo? Perdition Street é o lugar mais perigoso de toda a cidade. As pessoas dali são as mais odiadas por toda a Londres.
- Lá não é tão mau quanto parece, - olhei para ela - a maioria das coisas que acontecem por lá são rumores. - virei-me para ela - A Rainha odeia aquele lugar porque deixa a cidade "perfeita" - fiz aspas com os dedos - dela parecer normal, como todas as outras.
- Ontem eu vi no jornal que um cara levou um tiro só porque o outro tinha pegado a mesa dele.
- Não, ele não fez isso por causa de uma mesa.
- Oh, não? E fez por causa do quê, então?
- Eu conheço o cara que atirou. Jason só estava cobrando o que o cara não pagou. Não vejo porque fazer um escândalo sobre isso, ele não estava fazendo nada de errado.
- Nada de errado? - ela perguntou, incrédula - Você está escutando a si mesma? É uma vida, Caroline, você não pode sair por aí tirando a vida das pessoas só porque está "cobrando" - ela fez aspas com as mãos - alguma coisa.
- Se essa pessoa está destinada, eu não vejo nada de errado.
- E você sabe muito bem disso. - ela zombou.
E, pela primeira vez, desde que eu tinha voltado a Londres, eu senti uma pequena pontada de culpa tomar conta de mim ao apertar levemente meu coração. Melanie estava certa, não era certo sair por aí tirando a vida das pessoas por puro capricho. Uma vida é dada para ser tirada na hora certa; quando a vontade divina permitisse, não quando um "traficante" achasse que era o certo.
Por um momento, tudo que eu passei em Florença, semanas atrás, estava passando por entre minha mente como um filme. Aniversário. Beijo. Maldição. Lucy. Branden. Adaga. Eu. Tudo isso estava passando na frente de meus olhos, fazendo com que eu me lembrasse do que eu tinha feito. Eu tinha matado minha irmã, Lucy, aquela a qual eu me dividia um quarto até completarmos idade suficiente para ter nossos próprios quartos, aquela que mesmo assim, ia todas as noites ia dormir comigo. Aquela que ficou comigo quando eu estava com medo da chuva e contou piadas para mim até que eu dormisse.
Lucy, a minha irmã, estava morta. E não, não tinha sido uma morte qualquer, eu a tinha matado.
Abaixei a cabeça, engolindo o seco.
- Eu não quis. - Melanie começou.
- Você está certa. - interrompi-a, levantando a cabeça e olhando para ela - Uma vida não pode ser tirada apenas porque parecia o certo. Eu deveria saber disso melhor do que ninguém. Eu matei minha irmã porque uma maldição idiota mandou.
- Nem sempre o que parece o certo é o que devemos fazer. - ela passou o braço por meus ombros, puxando-me para perto - O que aconteceu não é sua culpa, você tinha que fazer aquilo com Lucy.
- Era eu ou ela. Eu não me arrependo do que eu fiz. Eu apenas não sei o que eu estou sentindo a respeito.
- Caroline.
- Não vamos falar sobre isso, por favor. - olhei com os olhos cheios de súplica - Eu quero esquecer tudo que aconteceu no passado.
- Até o...
- Olha, - interrompi-a, apontando para frente - o James. Vamos até lá? - ela olhou para frente.
James, que estava conversando com alguém que eu não podia ver o rosto, se desencostou do armário e abriu o maior sorriso para ela. O garoto, que estava de costas para a gente, virou seu rosto, o que fez com que o sorriso em meu rosto desaparecesse. Era Branden que estava com James e, muito diferente das outras vezes que eu o olhava, eu não sentia nenhuma palpitação ou embrulhos no estômago. Pela primeira vez, eu tinha olhado nos olhos de Branden Grandville e não tinha sentindo nada.
Talvez eu estivesse certa. Talvez tenha sido tudo obra da maldição, pensei ao parar em frente a eles.
- Minha gatinha. - James falou, abraçando Melanie. Isso fez que eu fosse para o lado e ficasse, consequentemente, ao lado de Branden - Vejo que você conseguiu encontrar a sua melhor amiga perdida.
- Bom ver você também, James. - falei, cruzando os braços.
- Onde você se meteu durante essa última semana? Eu não te vejo desde a última vez que saímos juntos.
- É, eu ando meio ocupada. Eu estava conhecendo Londres com...
- Amor. - minha fala foi interrompida por Ashley, que me deu um empurrão e fez com que eu fosse para frente e James me segurasse. Meu sangue borbulhou dentro de minhas veias e, quando eu estava em pé outra vez, virei-me para ela cerrando meus punhos.
- Qual é a porra do seu problema, garota? Você não olha para onde anda não? - perguntei, fuzilando-a. Eu sentia minhas mãos coçarem para descer punhos naquele rosto.
- Caroline! - Melanie me repreendeu.
- Não, não. Custava essa vadia retardada pedir licença? - olhei para ela, apontando para Ashley - Eu sei que ela é desprovida de cérebro, mas custava ter a porra de educação?
- Você olha como você fala comigo, garota. - Ashley falou, soltando-se de Branden.
- Quando você aprender a olhar pra onde você anda, talvez eu até pense no assunto. - falei, sarcástica.
- Eu posso acabar com você em um minuto.
- Oh, por favor, tente. - aproximei-me dela - Eu quero realmente ver você tentar e também quero que faça o seu melhor, porque eu não entro em um jogo para perder.
Comecei a andar em sua direção, fazendo com que ela fosse para trás, até sentir um braço em minha cintura me puxar. Isso fez com que eu me afastasse de Ashley.
- Hora de ir, gatinha. - escutei a voz de Ian pronunciar enquanto me arrastava pelo corredor.
- Você já perdeu, Gillbard, do mesmo jeito que a sua irmã perdeu! - escutei-a gritar. Parei de andar e olhei para ela - Branden Grandville é meu!
Minhas mãos começaram a coçar freneticamente enquanto eu sentia todo o meu sangue borbulhar por entre minhas veias. Olhei para Ian, que apenas sorriu sussurrando: Faça o seu melhor.
Sorri. Ele estava pensando no mesmo que eu.
Girei meus calcanhares em direção a Ashley outra vez e andei em sua direção em passos largos. Parei em frente a ela e, antes que ela pudesse soltar uma risada sarcástica, minha mão voou com tudo em direção a cara dela, o que fez com que ela caísse no chão. Naquele tapa estavam guardados meses de angústia que aquela garota havia feito com que eu passasse e, de certo modo, anos que Lucy teve que aguentar tendo uma amiga tão falsa.
- Nunca mais fale da minha família outra, sua vadia. - falei antes de voltar a andar pelo corredor. Ian me aguardava com um braço estendido e segurava o riso enquanto olhava para Ashley, que chorava. Segurei no braço de Ian e deixei que ele me acompanhasse até a saída do colégio.
- Isso foi a melhor coisa que eu já vi você fazer. - Ian falou enquanto andávamos até sua moto - Eu não sabia que você tinha tanta força, gatinha. - ele me entregou o capacete.
- Aquele tapa estava guardado há muito tempo. - respondi ao colocar o capacete. Abracei Ian pela cintura e encostei minha cabeça em suas costas, vendo Branden sair pelos portões do colégio.
Ele parou assim que me viu em cima da garupa da moto de Ian, e eu pude ver seus punhos cerrados. Logo depois, ele chutou a lata de lixo que estava ao seu lado. Seus lábios se moveram e, antes que eu pudesse ver o que vinha depois do ''Por favor, eu...'', Ian deu a partida, deixando uma dúvida surgir em minha cabeça: O que viria depois do ''Por favor, eu...''?
Ian me deixou em casa depois de almoçarmos em uma lanchonete no centro da cidade. Já estava escurecendo e isso significava que tínhamos que ir para casa, pois ele tinha que ajudar o técnico antes que o jogo começasse, e eu tinha que me arrumar para ir ao jogo.
Era inevitável que, toda vez que eu chegasse em casa, não sentisse um vazio ao lembrar que não escutaria a voz de minha mãe gritando para pelos quatro ventos: onde eu estava; com quem eu estava e o que estava fazendo. Senhora Scarlet faz falta nessas horas, pensei ao me jogar no sofá. Ele tinha sido meu bom companheiro na última semana, principalmente depois que eu chegava de uma festa com Ian e estava muito cansada para subir e dormir em meu quarto.
Encostei minha cabeça no sofá e fechei os olhos. Muita coisa havia mudado desde que eu cheguei a Londres, não apenas a cidade havia ficado mais bonita e interessante, mas o colégio havia se tornado um lugar até mais divertido. Eu estava mudando também e eu podia sentir isso correr entre minhas veias todas as vezes que eu entrava no colégio e o primeiro sorriso que eu procurava era de um certo ajudante de técnico em vez de um garoto de colegial que havia quebrado meu coração.
Ian, em apenas uma semana que nos conhecemos, fez minha vida valer a pela. Ele fez com que eu passasse por uma mudança que não estava em meus planos e que eu nunca imaginaria que eu passaria em toda a minha vida. Sonhar? Todos os jovens sonham com sua liberdade, mas tê-la? Oh, tê-la era uma coisa muita mais difícil de se fazer. Eu estava tendo a liberdade que todo jovem sonhava em ter, mas, no fundo, algo me dizia que ainda faltava mais alguma coisa, algo que nem todo o álcool e festas do mundo poderiam preencher.
- Caroline.
Meus pensamentos foram interrompidos por alguém chamando meu nome. Virei meu rosto para o lado e vi Melanie parada no meio da sala.
- Oi, Melanie. - falei, ajeitando-me no sofá - O que você faz aqui?
- Eu pensei que poderíamos ir ao jogo juntas, mas se você já tem alguém...
- Não, não. - interrompi-a - Tudo bem, eu posso ir com você. - ela abaixou a cabeça.
- Caroline! Melanie! - falamos as duas ao mesmo tempo.
- Você fala primeiro. - falei, olhando para ela.
- O que foi aquilo que aconteceu com a Ashley? Digo, por que você bateu nela?
- Eu já estava com vontade de fazer aquilo por um bom tempo. - respondi, abaixando a cabeça - Eu sei que ela está certa, Melanie, e sei também que não deveria ter batido nela, mas algo dentro de mim fez com que eu batesse nela. Apenas cresceu dentro de mim uma vontade enorme de dar uma lição nela.
- Acredite, - ela se sentou ao meu lado - você não é a única. - rimos as duas - Eu fiquei preocupada.
- Por quê?
- Você é uma princesa, Caroline. Que tipo de princesa dá um soco em uma garota?
- O tipo de princesa que precisa saber se defender.
- E que tipo de princesa festeja todo dia com o auxiliar do técnico?
- Não são todos os dias e o Ian... - parei de falar - Como você sabe?
- James me falou hoje, - ela começou - depois que você foi embora na garupa da moto do Ian. Alguém não ficou muito feliz com isso.
- O James não precisa me proteger, - levantei-me e fui em direção à escada - eu não sou a namorada dele.
- Eu não falei do James. - virei-me para ela - Branden ficou furioso quando viu você na garupa de Ian. Ele disse que Ian não era o tipo de cara com que você deveria andar.
- E com quem eu deveria andar? Com ele e a namorada dele sem cérebro? - recomecei a subir as escadas - A mesma que ele disse nunca ia conseguir ficar com ele naquele dia do refeitório?
- Você ainda lembra?
- Mas é claro que eu lembro, Melanie. - respondi ao entrar em meu quarto - Ele me chamou para ir ao parque naquele dia. - continuei, tirando meus sapatos - Ele me beijou na roda-gigante e disse coisas lindas que eu nunca imaginaria que alguém pudesse dizer a uma pessoa. - tirei minha blusa - E, no dia seguinte, ele descobriu a verdade, toda a verdade sobre mim, e não foi embora. Muito pelo contrário, ele ficou e disse que não me deixaria ir. - tirei minhas calças e virei-me para ela - Pode ter sido mentira, uma paixão passageira ou coisa assim do tipo, mas eu acreditei em cada palavra que saiu da boca dele desde que eu o conheci. Eu o amava, Melanie e, por um momento, eu achei que ele me amava também.
- E quem disse que ele ainda não te ama?
- Se ele me amasse, ele não estaria com a Ashley nesse momento.
- Não é porque vocês não estão juntos não quer dizer que não é amor.
- E quem te disse que eu ainda amo Branden Grandville? - ela arregalou os olhos.
- Mas vocês dois...
- Foi passageiro, Melanie. Pode até ter sido obra da maldição.
- Você tem certeza?
- A única certeza que eu tenho é que eu não tenho mais sentimentos por Branden Grandville. Branden Grandville morreu pra mim. - falei, respirando fundo - É melhor eu ir tomar banho se não vamos chegar atrasadas ao jogo.
- E o Ian não ia gostar nada disso. - ela zombou.
- Você está zombando de mim?
- Talvez sim, talvez não. Quem sabe? - ela se sentou na cama e agarrou um travesseiro - Ian, meu amor. Oh, Ian. - ela abraçava o travesseiro, fazendo caras e bocas.
- O que você está fazendo?
- Estou imitando você e o Ian. - ela jogou o travesseiro em mim, e eu o peguei - Falando em Ian, o que está rolando entre vocês?
- Nada, Melanie. Somos só amigos que saem juntos.
- Vocês já se beijaram?
- Não, mas é claro que não. Nós somos amigos, eu já disse.
- Ele que te leva nas festas?
- Ele tem muitos amigos por Londres, muitos amigos que gostam de festa. - encostei-me à porta do banheiro - Ele não é tão mau como as pessoas dizem que ele é.
- Espero que você esteja certa. - ela me olhou, preocupada - Agora vai tomar banho, senão seu amado Ian vai vir te buscar na sua moto encantada.
- Idiota! - joguei o travesseiro nela.
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Flawless Curse
Mystery / ThrillerMudar de cidade nunca é uma tarefa fácil. Mudar de país então, era a última coisa que ela desejava, porém, com tudo que tinha acontecido, alguém tinha que cuidar da sua mãe e, obviamente, sua filha estava no topo da lista. Tudo parecia uma tarefa f...