Capitulo 21

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- Bom dia. - falei, assim que cheguei à mesa do café onde meus pais se encontravam junto com Melanie e James. Eu sentia falta de alguém, mas não iria perguntar. Não mesmo.
- Bom dia. - todos responderam em coro.
- Vejo que acordou disposta. - meu pai disse, tomando um gole do seu café.
- Duas semanas presa em uma cama de hospital te deixam disposta e com fome. - falei, pegando um pão de queijo do prato de minha mãe.
- Então sente-se e coma. - minha mãe disse.
- Eu preciso perguntar uma coisa antes que eu me esqueça. - falei, apoiando-me no encosto da cadeira de minha mãe - Alguém sabe de onde essa blusa veio? - falei, apontando para a blusa dos The Beatles que eu vestia - Eu acordei e ela estava em cima da minha cama.
- Foi um presente. - meu pai disse.
- De quem?
- Da Rainha.
- E desde quando a Rainha sabe algo sobre minha vida?
- Desde que ela lhe conheceu naquele baile há dois anos, ela sabe que você tem essa pequena obsessão por essas bandas inglesas e antigas.
- Oh, diga a ela que eu agra... - escutei o barulho de crianças do lado de fora do castelo - Que eu agradeço. - continuei andando até a janela.
Era a única parte do castelo que podia ser aberta ao povo de Florença; se não me engano, as crianças vinha aqui para brincar quando seus domingos ficavam chatos. Era perfeito para elas, existiam laranjeiras, limoeiros, pinheiros e coqueiros por toda a extensão do enorme campo verde que ficava na parte de trás do castelo. Havia animais soltos pelos campos, mas com o olhar cuidadoso de seus treinadores e, por último, havia felicidade, aquilo que muitos eram privados dela. Felicidade era algo que o povo de Florença tinha para dar e espalhar pelos quatro ventos.
Existia uma fonte do lado esquerdo do campo onde as pessoas vinham para jogar uma moeda e pedir-lhe um desejo. E muitos diziam que seus pedidos eram atendidos. Havia também um lago artificial do lado direito que servia de habitat para peixes, cisnes e patos. Um labirinto onde os namorados se escondiam quando seus namoros eram proibidos ou queriam ficar sozinhos. E, por último, havia o bosque, que costumava ser um dos meus lugares favoritos do castelo e agora me dava um frio na espinha. Mas não era isso que chamava a minha atenção, isso era apenas detalhe perto do que meus olhos avistavam a poucos metros dali. E o que eles avistavam era um garoto de costas sem sua veste de cima, apenas de calça, brincando no meio em tantas crianças.
Ele parecia se divertir e brincava de um lado para o outro, correndo atrás dos pequeninos. Os músculos de suas costas se contraíam a cada criança que ele levantava, fazendo menção de jogá-la no lago. Ele sorria, pela primeira vez, e eu podia ver os seus dentes brancos brilharem com a luz do sol, mas seus olhos não demonstravam o mesmo que sua boca aparentava mostrar: alegria. Não, não, seus olhos mostravam a mesma tristeza que eu havia conhecido naquele hospital, a tristeza que me fazia sentir pontadas em meu coração.
Mas eu não consegui reparar isso tudo apenas observando-o da minha janela. Meus pés já haviam abandonado o controle de meu cérebro e andavam como se tivessem vida própria, levando-me em sua direção. Desci a escada, atravessando o enorme gramado recém aguado do castelo. Eu estava parada com um sorriso idiota no rosto, apenas observando-o. Parecia loucura, mas eu estava disposta a observá-lo pelo resto do meu dia, se pudesse. Eu apenas queria ficar ali, vendo-o de longe, tentando decifrá-lo de alguma maneira. Mas isso não seria possível, pois logo seus olhos encontraram os meus, fazendo as maçãs do meu rosto ficaram quentes. Ele, que estava agachado conversando com uma adorável mocinha com seus cachos dourados, se levantou e abriu um sorriso de orelha a orelha para mim, o que fez minhas bochechas queimarem ainda mais. E eu, uma garota que sempre sabia o que falar e fazer quando algum engraçadinho flertava comigo, estava simplesmente sem ação, sorrindo largamente para um garoto que, provavelmente, me odiava.
- Princesa. - uma das crianças, que estava com ele, correu em minha direção e agarrou minhas pernas.
- Oh, olá. - falei, abaixando-me, vendo seus lindos globos azulados me encararem.
- Você acredita na fonte do castelo, princesa?
- Por que a pergunta?
- Porque eu queria fazer um pedido. - ela abriu a mão, mostrando duas moedas na palma de sua mão - E eu queria saber se é verdade. Muitos dizem que se realizam.
- Então, você deveria acreditar neles.
- Mas eles podem estar mentido, princesa.
- Ou podem estar falando a verdade.
- Você já realizou algum pedido?
- Bem, eu nunca pedi nada. Eu não saberia o que pedir.
- Oh! - ela abaixou a cabeça - Acho que vou devolver as moedas para o meu irmão. Ele tem razão, isso é bobagem. - ela começou a se afastar de mim.
- Espere! - eu disse, levantando-me - Por que não vamos as duas agora?
- Verdade?
- Verdade. Mas eu não tenho nenhuma moeda.
- Eu tenho duas. - ela falou, correndo em minha direção, estendendo-me uma moeda.
- Então vamos juntas. - falei, pegando a moeda de sua mão e segurando na mesma para que fôssemos até a fonte juntas.
- Quem vai primeiro? Eu ou você? - ela perguntou, olhando para mim.
- Vamos as duas juntas. Vamos virar de costas. - nós duas nos viramos de costas para a fonte - Agora, fechamos os olhos, fazemos nossos pedidos e jogamos a moeda.
- Ok.
- No três. Um, dois, três. - falei, jogando a moeda e fazendo meu pedido. Eu quero ser feliz.
Abri os olhos, dando de cara com meu par de olhos favoritos. Vi o sorriso abrir entre seus lábios, e logo o meu acompanhar. Era impossível não sorrir quando olhava aqueles olhos tão de perto, eles pareciam mais perfeitos do que quando estavam longe. Então, eu desejei, desde aquele momento que não se afastassem nunca para longe de mim, e que a alegria e o brilho que eu via neles nunca se apagassem. Ele ficava muito melhor quando sorria com sinceridade, e não apenas para mostrar aos outros que estava bem.
Algo naquele garoto me chamava a atenção, e era essa estúpida necessidade que eu sentia dentro do peito de querer conhecê-lo melhor, de saber cada detalhe da sua vida, até aqueles que não achava importante. Era esse estúpido arrepio que eu sentia cada vez que ele estava perto e cada vez que eu lembrava que ele havia dormido em cima de minha mão. Oh, como eu sonhara com sua mão tocando a minha novamente, nem que fosse por um segundo, apenas para sentir algum pedaço do seu corpo perto do meu. Era estúpido, e eu me negava a sentir isso, mas algo dentro do meu peito dizia que eu fosse, deixasse que a muralha que rodeasse meu coração fosse destruída por aquele garoto - se é que eu já não o havia feito.
Abaixei minha cabeça, sentindo minhas bochechas queimarem, e percebi que sua camisa estava no local onde devia estar. Uma pena, devo ressaltar. Ele era esculpido como um daqueles deuses de mármores, perfeitamente firme e ardo. Eu desejara ardentemente que ele me pegasse em seus braços e me apertasse forte, como se nunca quisesse que eu partisse. Eu queria escutar sua voz sussurrar mais uma vez meu nome e que seus lábios tocassem o meu, até o ar de meu peito não existir mais.
Oh, Deus, o que está acontecendo comigo?
- O que você pediu, princesa? - Cassie puxou minha mão, fazendo com que eu olhasse para ela.
- O que eu não ganhei em meu aniversário de dez anos.
- O que foi?
- Um ursinho de pelúcia. Eu pedi o urso e, em vez disso, meu pai me deu uma festa.
- O irmão dela está procurando-a. - ele disse, fazendo com que eu levantasse a cabeça.
- Oh, me desculpe. - falei, direcionando-me para o garoto ao seu lado.
- Vamos logo, Cassie, mamãe está te esperando. - ele estendeu a mão para a garotinha ao meu lado - Ela disse que você tem que provar o vestido de seu aniversário.
- Hoje é seu aniversário, Cassie? - perguntei, olhando para ela.
- É sim. - ela disse, murchando um sorriso.
- Então, por que está tão triste? - perguntei, abaixando-me à sua altura.
- Meus pais não têm dinheiro suficiente para pagar uma festa, então me deram apenas um vestido. - ela abaixou a cabeça - Mas eu entendo que eles guardam dinheiro para meu irmão que está estudando fora.
- Muito bravo para uma garotinha de... Quantos anos está fazendo?
- Dez anos.
- Eu tive uma linda festa nos meus dez anos. - eu disse a ela, que sorriu fraquinho. Eu sabia o quer deveria fazer - Venha. - levantei-me, pegando em sua mão.
- Onde nós vamos?
- Você verá. - eu disse, carregando-a pelo gramando e indo em direção às escadas. Entrei pela porta de trás do castelo, andando pelo corredor que dava até a sala onde meu pai, Lucy e minha mãe estavam - Eu quero uma festa de aniversário.
- O quê? - os três falaram, levantando-se.
- Eu quero uma festa de aniversário.
- Mas seu aniversário é na próxima semana. - minha mãe disse.
- Não. Eu quero uma festa de aniversário igual àquela que tive quando tinha dez anos.
- Você não acha que está velha para isso? - Lucy disse cruzando os braços - Sempre soube que você era infantil, mas não a esse ponto.
- Eu não pedi sua opinião.
- Eu não preciso da sua permissão para falar.
- Parem as duas. - meu pai disse antes que eu e Lucy começássemos a brigar. E, quando começávamos, era quase impossível pararmos - Você quer que adiantemos sua festa?
- Não. Eu não quero que vocês façam uma festa para mim, quero que façam uma festa de aniversário para Cassie. - apontei para a menina que segurava minha mão - Hoje é o aniversário dela, e ela não poderá ter uma festa porque seus pais estão enviando seu dinheiro para o irmão que está estudando fora.
- Mas não podemos fazer uma festa em apenas algumas horas.
- Já vi o pessoal desse castelo fazer milagres em menos tempo. Por favor, papai, por favor.
- Está bem, faremos a festa de Cassie. Marta! - meu pai gritou pela nossa governanta.
- Sim, senhor? - ela apareceu ao nosso lado.
- Lembra aquela festa de dez anos que fizemos para Caroline? - ela assentiu - Quero que faça uma parecida com aquela para hoje.
- Hoje? Nós precisamos de muita ajuda para fazer uma festa como aquela.
- Botaremos todos do castelo para trabalhar. - falei, virando-me para ela - Chamaremos pessoas da cidade para ajudar também, se assim quiserem. Garanto que ninguém negará nada ao rei.
- Então, vamos começar agora. - Marta falou, andando até a cozinha - Gaspier, Monna e Lucio, temos uma festa para organizar.
- Você não pode fazer uma festa para toda criança que você sentir pena. Todos vão se aproveitar da sua bondade.
- Então, que o façam. Temos um gramado lindo, podemos dar festas todos os fins de semanas, se quisermos. - falei, cerrando os olhos para ela - Cassie. - falei, abaixando-me à sua altura - Vá para sua casa, avise sua família e espalhe a notícia pela cidade. Você terá o aniversário melhor que o meu.
- Obrigada, princesa. - ela me abraçou - Vamos, Keith, temos que avisar a todos. - ela correu em direção ao irmão, pegando-o pela mão e arrastando-o até a porta de saída.
- O que vocês estão fazendo parados? - perguntei para os quatros que me olhavam abismados - Pensaram que iam escapar? Podem ir arranjar algo para fazer e não pense que senhor Rei que não fará nada, você terá que trabalhar também. - dei as costas para ele, indo em direção a cozinha - Marta, em que eu posso ajudar?
Todos estavam ajudando na festa. Estávamos fazendo o máximo para que tudo estivesse pronto para a noite. Marta e eu ficávamos parecíamos duas baratas tontas ao redor do castelo dando ordens, ela ficava na cozinha arrumando os comes e bebes, e eu ficava lá fora para que tudo saísse igual ao meu aniversário de dez anos.
Papai e mamãe estavam arrumando onde cada brinquedo ficaria e, às vezes, acabavam brigando, arrancando gargalhadas de quem estava em volta. Eles faziam um belo casal, e eu sabia que eles ainda eram apaixonados um pelo outro, mas eram muito orgulhosos para admitir isso.
Lucy não deu as caras. Apenas ficou em seu quarto trancada para que ninguém a perturbasse. Lucy havia mudado, eu sentia isso toda vez que eu estava perto dela e sentia uma energia ruim; um arrepio na espinha e uma dor na minha cicatriz na barriga. Era estranho, e eu estava começando a me perguntar: o que aconteceu comigo? Como eu havia perdido a memória? Por que ninguém me falava a verdade? Eram perguntas que não havia respostas e eu estava disposta a descobri-las.
James e Melanie faziam tudo juntos, mesmo que Marta gritasse com os dois para que se separassem para que o trabalho fosse mais rápido, os dois não se separavam, ficavam para cima e para baixo beijando-se, abraçando-se e dizendo coisas bobas um para o outro. Eu tinha inveja dos dois, uma inveja boa porque eu queria ter um amor desse jeito para mim.
Olhei para o lado e meu coração disparou dentro do peito. Branden me encarava, me encarava com aqueles olhos tristes outra vez. Eu queria ter ido em sua direção e o abraçado forte, pedindo que ele nunca mais ficasse triste outra vez. Queria. Eu não podia simplesmente abraçá-lo do nada. Seria loucura. Mas, se eu o fizesse, o que ele faria? Qual seria sua reação? Ele retribuiria? Isso me perturbaria pelo resto da minha vida, pois eu não teria a menor coragem de fazer algo assim.
- Caroline? - Marta interrompeu meus pensamentos - Ele é muito bonito mesmo.
- O quê? - virei meu rosto para ela - O que é bonito mesmo? Ah, você está falando do gramado. É lindo mesmo.
- Você sabe do que estou falando. - abaixei a cabeça - Por que você não vai falar com ele?
- Nós nunca conversamos, seria falta de respeito falar com ele. Eu nem, ao menos, sei muita coisa sobre mim.
- Mas você se lembrou do seu aniversário de dez anos.
- Eu lembro de pequenos detalhes, mas nada relacionado ao que passou nos últimos meses. Por que eu fui para Londres, minha escola, o que eu fiz, o que eu vi, meus amigos, o que aconteceu comigo. Eu quase não me lembro de nada.
- Você irá lembrar, basta ter paciência. - ela passou a mão por meus cabelos - Ai! Eu não acredito!
- O quê?
- Não penduraram as luzes. - ela apontou para as lâmpadas que estavam em uma escada - Cadê o Lorenzo para fazer isso? Lorenzo!
- Calma, Marta! Deixa que eu vou.
- É muito perigoso.
- Não. Eu vou. - falei, correndo até a escada que estava encostada na parede do castelo perto da janela de meu quarto. Subi as escadas, segurando-me nas suas pernas, e parei no último degrau. Desamarrei o fio em que estavam todas as lâmpadas e inclinei-me para a bucha, que estava pregada na parede para amarrar o fio nela, mas meu braço não alcançava. Inclinei-me mais um pouco, ficando apoiada em apenas um pé. Movimento estúpido. O peso que eu coloquei apenas para um lado do corpo fez com que eu me desequilibrasse e caísse de onde eu estava.
Eu já estava sentindo o impacto do chão em minhas costas e a provável fratura que eu teria. Mas não foi isso que aconteceu. Em vez de uma superfície dura e gélida, meu corpo caiu sobre dois braços fortes e quentes. Agarrei-me em quem havia me salvado, esperando meu coração bater de uma forma mais calma, mas tudo tendeu a piorar quando abri meus olhos e dei de cara com o par de olhos que eu havia visto em minha mente a cada segundo.
- Você está bem? - sua voz calma fez com que meu corpo, que estava tremendo, se acalmasse ao poucos - Mesmo sem memórias, continua se metendo em encrencas.
- Se você me salvar todas as vezes, farei questão de me meter em mais uma dessas. - eu disse.
Eu podia sentir o cheiro de seu perfume entrar por minhas narinas por conta da proximidade do seu rosto ao meu. Era um cheiro gostoso e diferente da maioria dos garotos que eu havia conhecido que gostavam de tomar banho de perfume. Era um cheiro do perfume misturado com loção pós-barba, dando um ar mais adulto para ele.
Seus braços eram como eu imaginava, fortes e duros como rocha e, dentro de mim, um desejo de senti-los por volta de minha cintura, em um abraço apertado, era enorme. Oh, Deus, o que eu estou pensando?
- Meu Deus, minha filha, você está bem? - meu pai saiu pela porta, chamando minha atenção.
- Estou sim.
- O que você pensa que estava fazendo?
- Ela estava tentando colocar as luzes e caiu. - Branden me colocou em pé no chão, e eu desejei arduamente que eu tivesse desmaiado só para passar mais tempo em seus braços.
- A senhorita está louca?
- Não era grande coisa. Eu posso colocá-las. E, na verdade, eu vou colocá-las. - falei, voltando meu corpo para a escada novamente, quando a mão de Branden se fechou em meu braço.
- Você não vai. Deixa que eu coloco, você precisa se arrumar.
- Mas...
- Marta, você não acha que a senhorita Linford precisa se arrumar? Está ficando tarde. - ele falou, olhando para a Marta.
- Ai, meu Deus, você está parecendo uma mendiga. - Marta olhou para mim, assustada - Vamos logo, eu preciso que você fique linda. - Marta me puxou pela mão em direção ao castelo outra vez.
Marta passou mais de três horas comigo. Além de governanta, Marta também era uma mulher de múltiplos talentos como: maquiagem, cabelo, unhas e em como deixar sua pele linda e macia. Era uma tradição passada de família em família ao longo dos anos, e Marta fazia questão que fizesse isso em mim. Ela disse sempre fazia isso antes de uma festa e, dessa vez, não seria diferente.
Enquanto Marta cuidava de mim, eu pude tirar um cochilo, já que minha noite havia sido muito perturbadora depois de uma certo menino dizendo a mais linda frase que alguém já havia me dito: Mas eu nunca vou te esquecer, minha pequena. Aquelas palavras me atormentaram a noite toda e quase me tomaram uma noite inteira de sono. E, quando consegui dormir, sonhei com aqueles olhos e com aquela frase sendo sussurrada em meu ouvido e, principalmente, com aqueles lábios tocando os meus.
Oh, Deus, o que estava acontecendo comigo? Eu estava perdendo o controle do meu próprio corpo, estava agindo como uma colegial que agia por impulso de acordo como seu coração mandava. Isso era estúpido, e eu havia prometido nunca deixar meu coração vencer. Eu não podia simplesmente estar caída de amores por alguém que eu mal conheço, um total estranho para mim. Era contra as regras. Era contra as regras da minha vida.
Marta escolheu o meu vestido. Segundo ela, se eu escolhesse alguma coisa, seria uma daquelas blusas de bandas loucas que apenas os britânicos usavam. E ela estava com toda a razão. Se eu pudesse, usaria meu jeans surrado, meu All Star velho e uma blusa dos Guns N' Roses. Perfeito. Seria a roupa perfeita, e eu tinha certeza que eu já havia usado em algum lugar, um lugar com muitas pessoas onde eu me sentia Carrie, a Estranha.
Déjà vu.
Era o que estava se passando agora. Oh, Deus, eu estava começando a me lembrar. Mas saber onde eu usei essa roupa e quem eu conheci não importaria nem um pouco; isso era o menos importante, e nem chegava aos pés do que eu queria saber. Meu desejo maior tinha nome e sobrenome e me perseguia com aqueles olhos penetrantes para todo o lugar que eu fosse. Não importava se estavam longe ou perto, sobre meu campo de visão ou não, eles estavam lá. E, quando eles estavam me encarando como mais cedo, meu coração disparava dentro do peito batendo a quase mil por hora. Oh, Deus, isso era normal? Porque, se não fosse, eu poderia ser levada para um hospício por estar obcecada por alguém com que eu havia trocado poucas palavras.
- Você está linda. - Marta falou, terminando de arrumar meu cabelo.
- Você acha? - falei, levantando-me da cadeira em frente à penteadeira.
- Você é a princesa mais linda que eu já vi. - ela disse, segurando em minhas mãos.
- Obrigada.
- Aposto que Branden irá gostar.
- Você acha? - perguntei, olhando para ela e vendo um sorriso sapeca em seus lábios - Oh, não! Quero dizer, eu não me importo se ele vai gostar ou não.
- Você não precisa esconder de mim. Eu sei que você está encantada com ele.
- Eu...
- Filha? - minha mãe bateu na porta, colocando a cabeça para dentro - Você está pronta?
- Acho que sim. - falei, virando-me para a porta, onde ela agora se encontrava.
- Oh, meu Deus, você está linda. - ela falou, sorrindo e andando em minha direção - Uma verdadeira princesa. Um vestido digno de uma princesa.
- Obrigada, mãe. Eu havia me esquecido como era ser uma princesa. - falei, sarcástica.
- Você não deveria brincar com isso, Caroline.
- E o que eu deveria fazer? Chorar? Mas é claro que não. Você e papai me ensinaram a seguir em frente, e eu estou fazendo isso.
- Eu me orgulho tanto de ter você como filha. - ela me abraçou.
- Oh, que cena comovente. - Lucy estava encostada no batente da porta - Nós vamos ou não? Estão todos esperando.
- Você poderia ser só mais um pouco sentimental, Lucy? Sentimento não mata. - falei. Lucy usava um vestido preto de alças finais, completamente apertado em seu corpo, que ia até a coxa. Suas pernas estavam cobertas por uma meia-calça pera, e os pés, calçados com uma ankle boot preta. Ela estava bonita. Seus olhos verdes estavam cobertos por uma maquiagem preta, destacando-os.
- Mas machuca. - ela cruzou os braços, desencostando-se do batente - Vamos logo com isso?
- Estamos indo, senhorita apressadinha. - falei, pegando mamãe pela mão e passando por Lucy, que, por sua vez, passou por nós, descendo as escadas apressadamente. Mamãe a olhou com o olhar triste, ela com toda a certeza desejava que Lucy voltasse a ser a mesma garota que antes, a garota alegre, brincalhona e com cabelos dourados iguais ao dela. Lucy havia mudado. Mudado muito. Eu quase não a reconheci quando a vi. Ela não é minha irmã, simplesmente não é.
Mamãe e eu descemos as escadas juntas e fomos em direção à parte de trás do castelo. Tudo havia ficado lindo. As crianças se divertiam nos escorregadores, a piscina de bolinhas e os vários pulas-pulas estavam espalhados pelo enorme gramado, e os adultos estavam nas mesas conversando uns com os outros. As luzes, que estavam penduradas, foram espalhadas por todo o jardim, sendo colocadas dos muros às árvores que existiam no gramado. Oh, Deus, onde eu havia visto luzes tão bonitas como essas?
- Vocês estão lindas. - meu pai falou, andando em nossa direção e abraçando a mim e Lucy - Minhas lindas meninas.
- Obrigada, papai. - falei, sorrindo.
- Você também está muito bonita, Emily. - ele falou, dirigindo-se à minha mãe, que usava um vestido creme tomara-que-caia.
- Obrigada, Jonathan. - ela falou, encarando-o - Você também. - o silêncio se instalou entre os dois, que apenas se encaravam - Eu vou falar com os convidados, eu sei que Caroline provavelmente não o fará. - ela desviou dele, andando em direção aos convidados.
- Princesa, princesa! - Cassie gritou alegremente, pulando em meus braços - Essa é a melhor festa de aniversário que eu já tive. Muito obrigada.
- Por nada, Cassie. Você merece.
- Vem. Eu vou te apresentar a todos os meus amigos.
Cassie me arrastou pela festa inteira, apresentando-me a todas as crianças presentes. Estavam todos nervosos, provavelmente, imaginando que eu era algum tipo de ditadora que não gostava de crianças, mas logo mudaram de opinião quando eu respondi todas as suas perguntas sobre o castelo e ser um membro da realeza. Crianças eram pequenos serem impossíveis de se mentir para eles, principalmente quando estavam ao seu redor, escutando atentamente o que você dizia sobre qualquer coisa que elas perguntassem.
Ah, ser criança. A fase da vida onde tudo é mais fácil, sem preocupações, sem inseguranças, sem corações partidos, sem amores platônicos e sem sofrimento. Oh, como eu queria ter ficado criança.
- Princesa, posso perguntar uma coisa? - uma garotinha perguntou.
- Mas é claro, meu amor.
- Você tem namorado?
Abaixei minha cabeça, sentindo minhas bochechas corarem violentamente, e um sorriso bobo formar-se em meus lábios. Levantei minha cabeça, olhando para frente, e lá estava ele, a apenas alguns metros de mim, brincando com um garotinho em uma barraca de tiro ao alvo. Ele estava concentrado em seu alvo, segurando sua arma na mão até o disparo acertar em cheio o alvo e ele, junto com o garotinho, explodirem de alegria. Ele estava perfeito com sua calça de lavagem escura, seu tênis e sua camisa preta por baixo de uma jaqueta da mesma cor. Eu podia ficar olhando para ele o resto da noite, mas logo seus olhos encontraram o meu e o sorriso em seu rosto me fez abrir o um sorriso bobo entre meus lábios. O homem da barraquinha entregou-lhe um urso de pelúcia, e ele, então, levantou o urso de pelúcia em minha direção.
- Acho que já sei a resposta. - abaixei minha cabeça, envergonhada.
Depois do meu pequeno testemunho sobre como ser um membro da realeza, minha mãe me arrastou para o lado onde os adultos ficavam, apresentando-me para todos que estavam sentados em sua mesa. Eu desejei ardentemente ter ficado com meus pequeninos, em vez de falar com pessoas que estavam ali apenas para comer e beber de graça e depois falarem mal da festa. Era óbvio que haveria aqueles estavam aqui com o objetivo de se divertir, mas também existiam aqueles que só viam para criticar.
Respirar. Eu preciso respirar.
Afastei-me de minha mãe, indo para a parte ao lado do castelo. Lá tinha um pequeno banco de mármore e era o único lugar em que tudo estava silencioso. Deitei-me no banco, sentindo o cansaço da noite bater. Passava da meia-noite, e eu ainda estava acordada.
- Se está cansada, deveria ir para o seu quarto. - levantei-me do banco com rapidez, assim que a voz terminou de falar. Olhei para frente, vendo Branden. Ele estava a alguns passos de mim e segurava um urso de pelúcia na mão.
- Eu não posso. Cassie precisa de mim e minha mãe também. E ainda nem cantamos os parabéns.
- Sempre colocando os outros em primeiro lugar. - ele andou em minha direção, e eu senti meu coração palpitar - Pegue. - ele estendeu o urso para mim - É para você.
- Obrigada. - falei, pegando o urso de suas mãos, abraçando-o. Ele continha o seu cheiro - Por que está fazendo isso?
- Você disse que queria o urso em seu aniversário de dez anos. Bem, esse não é o seu aniversário, mas você conseguiu o urso.
- O que nós éramos? - soltei em voz alta o que deveria ter sido apenas em pensamento - Digo, para você estar aqui, eu devo significar alguma coisa para você, certo? Ou você só está aqui porque alguém pediu?
- Você significa muito para mim. - ele abaixou a cabeça.
- Nós éramos próximos?
- Sim.
- Quão próximos?
- Muito próximos.
Ele deu um passo largo em minha direção, ficando em minha frente. Nossos rostos estavam próximos, a ponto que eu podia sentir sua respiração em meu rosto. Seus olhos estavam diferentes, estavam cheio de vida pela primeira vez. Senti seu rosto aproximar-se do meu, e seus lábios roçarem nos meus. Ele estava a ponto de me beijar, e eu sabia disso. Uma moça direita nunca deixaria um desconhecido chegar assim tão perto, muito menos deixar seus lábios se roçarem nos dela, mas ele não era um desconhecido para mim. Dentro do meu coração, eu sabia que ele era algo mais do que um simples amigo ou amigo do amigo. Ele era aquele que fazia meu corpo arder, ansiando pelo seu toque e meus lábios ficarem secos querendo que eles fossem preenchidos pelos seus.
- Nós vamos cantar os parabéns.
E tudo que eu ansiava não havia acontecido e tudo por causa de uma estúpida pessoa. Branden se afastou de mim, virando-se para a pessoa que havia nos atrapalhado.
- Nós já vamos, Lucy. - ele respondeu ríspido.
- Estão querendo vocês dois lá agora.
- Vamos, Caroline. - Branden me pegou pela mão, andando em direção à festa outra vez. Senti um choque percorrer todo o meu corpo enquanto sua mão segurava forte a minha.
- Princesa. - Cassie nos parou - Quero que você fique ao meu lado na hora dos parabéns. Vamos. - Cassie segurou minha mão, e eu olhei para Branden.
- Pode ir, amanhã nós conversamos.
E, antes que eu pudesse falar algo, seus lábios se encontraram com os meus em um selinho rápido. Arregalei meus olhos, olhando para ele, que apenas sorriu.
Com certeza, ele significava muito para mim. Até mais que meu coração pudesse suportar.

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