Capítulo 36

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Acordei quase pulando da cama, assustada, porque sabia que tinha dormido além da conta. Quando olhei para o relógio em cima do criado, confirmei minha certeza. Levantei-me da cama e fui em direção à porta. Não ligava se as solas dos meus pés estavam quase congelando devido ao piso gelado, eu só queria chegar no andar de baixo e dar uma bronca em quem não havia me chamado. Quando coloquei os pés no último degrau da escada e estava virando em direção à cozinha, uma bandeja apareceu em minha frente. Voltei dois degraus da escada e pude olhar a pessoa que segurava a bandeja nos olhos. Quando eu o fiz, os vi brilharem.
- Bom dia! - ele disse, sorrindo. Seu sorriso me fez levar algum tempo para responder.
- Bom dia. - respondi, sentindo minhas bochechas queimarem - Na verdade, boa tarde. Já passam das duas.
- Pois é, Kyle e eu concordamos que você merecia dormir mais um pouco, principalmente porque ele disse que as camas do acampamento eram péssimas e desconfortáveis.
- Kyle é um marica exagerado. - falei, fazendo-o sorrir. Olhei para a bandeja que ele segurava e vi um café da manhã mais do que reforçado - Para quem é isso? - apontei para a bandeja.
- É para você.
- Mas isso é um café da manhã. Você não acha que deveria estar levando um almoço ou algo assim?
- Não. Estou levando o café que deveríamos ter tomado há três meses, antes de você ser levada. - ele abaixou a cabeça - Mas eu vou entender se que você não quiser tomar, além do mais...
- Então vamos comer logo antes que eu desmaie de tanta fome. - falei, descendo o resto da escada e indo em direção à sala.
Sentei-me no sofá, encostando as costas no braço do mesmo e colocando meus pés em cima das almofadas. Eu o vi colocar a bandeja lentamente em cima da mesa de centro e sentar-se, fazendo com que eu o olhasse de perfil. Eu não tinha reparado, mas ele usava nada mais que uma regata, o que o deixava extremamente sexy, e fazia com que um arrepio passasse por todo o meu corpo.
Ele olhou para o lado, o que fez com seu olhar encontrasse o meu.
- Por que nós não podemos ser assim? - perguntei, vendo-o pegar uma torrada na bandeja e me entregar.
- Assim como? - ele perguntou, pegando outra torrada e a levando à boca.
- Assim. - apontei para nós dois - Um casal normal.
- Bem, deve ser pelo falo de que eu sou descendente de uma bruxa e você, uma princesa amaldiçoada. - ele olhou para mim - Desculpe.
- Não, não. Tudo bem.
- Olha, - ele chegou um pouco mais perto e levantou minhas pernas, fazendo com que as mesmas ficassem em seu colo - nós somos um casal normal. O que muda é que, em vez de brigas, temos que lutar por nossas vidas e seu pai carrasco foi trocado por dois lobos cinzas. - ele sorriu e olhou para mim - Eu não trocaria nada, nem um detalhe do que vivemos, por uma chance de ser um casal "normal". Eu gosto do que nós temos. É isso que torna nossa história especial. - estendi a mão e passei por seu rosto. Ele segurou a mesma e beijou a palma - Só uma pergunta: a gente não tem que correr daqueles lobos outra vez, certo?
- Não. Quando eu... - dei uma pausa e suspirei - matei Lucy, a maldição se quebrou. - ele ficou em silêncio - Desculpe, eu me esqueci que isso te incomoda.
- Eu já me acostumei. Na verdade, foi tudo isso que eu fiz desde que você foi embora; me acostumar com toda essa história e entender seus motivos. - ele beijou minha mão outra vez - Obviamente, não foi fácil, mas eu tive ajuda.
- Então você não se incomoda se eu falar.
- Não. - ele chegou mais perto - Na verdade, eu esperava que você me contasse tudo.
- Tudo?
- Sim. Tudo, desde o começo.
- É uma longa história.
- Bem, eu tenho todo o tempo do mundo. E você? - sorri em resposta.
Então eu comecei, logo do começo, desde o dia em que Lucy e eu ficamos sabendo da maldição até o dia em que fui mandada para cá. Contei tudo em detalhes, sem esconder nada. Eu sentia que um peso em meus ombros estava sendo levemente tirado. Eu nunca tinha contado essa história para ninguém. Os outros, principalmente os que trabalhavam no castelo, contavam as histórias que seus avós tinham contado. Ninguém da minha família nunca realmente parou e contou o porquê de suas filhas terem que voltar mais cedo de todas as festas e, muito menos, o porquê da segurança ser reforçada depois da meia-noite, mas os rumores da maldição faziam com que eles fizessem seu trabalho com precisão.
Quando chegamos à parte de Londres, Branden começou a contar uma parte de sua história, até que finalmente chegamos no dia em que James decidiu jogar bola no meio do pátio da escola. Ele disse que a culpa não foi totalmente de James; na verdade, foi dele, que se deixou distrair quando me viu entrar pelos portões da escola. Ele disse que nunca tinha visto alguém como eu, alguém que exalava tanta vontade de viver, mas aparentava nunca ter vivido. Como um pássaro dentro de uma gaiola pronto para voar.
- Isso explica muito da história e como você chegou tão rápido para me ajudar. - falei, fazendo-o rir.
Continuei a história, contando toda a nossa trajetória. E, então, ele continuou a preencher as lacunas que faltavam. Ele explicou o lado dele da história, principalmente o motivo para ele e Lucy terem ido juntos ao meu aniversário e o motivo para ele ter me deixado depois que eu matei Lucy.
- Lucy havia me dito, antes de morrer, que você ainda não sabia quem era. Que você era como um pássaro preso em uma gaiola e que, quando fosse solto, voaria o mais longe que pudesse antes de voltar para casa. - ele disse, fazendo carinho em minhas pernas - Ela disse que você precisava passar por isso sozinha e que, em nenhum momento, eu deveria interferir. No momento, eu não entendi bem o que ela quis dizer, mas, quando Melanie me falou que você estava diferente e que estava andando com o auxiliar de técnico, só eu sei o quanto eu quis socá-lo até que ele fosse embora de Londres.
- Você não estava no direito de socá-lo.
- E por que não?
- Você estava com Ashley. Ela era sua namorada.
- Ashley nunca foi minha namorada.
- Então o que vocês faziam juntos pelo colégio?
- Ela veio pedir desculpas por tudo que tinha feito. Ela até ia pedir desculpas para você, mas ela te viu com o Ian, então decidiu infernizar sua vida um pouquinho mais.
Encostei a cabeça no sofá.
- Muito maduro da parte dela.
- Ela estava disposta a fazer de tudo para te machucar.
- Pensei que ela estava querendo mudar.
- Ela queria, mas você desperta o pior dela. - ele sorriu - Então qual é?
- Qual é o quê?
- Sua história com Ian. Digo, vocês não se conheceram na escola porque, no primeiro dia dele, vocês já estavam de mimo.
- Como você sabe disso? No primeiro dia, ele nem trabalhou, só acompanhou o treino.
- Eu estou no time, Caroline. E eu não sou cego. Quando eu olhei para o lado e vi Ian de papo com você, eu juro que quis chutar a bola na cara dele.
- Isso é ciúme, Grandville? - perguntei, vendo-o virar o rosto.
- Não é ciúme, porém zelo do que é meu.
- Oh, mas é claro. - falei, sarcástica.
- Então me conte.
- Acho melhor não, Branden.
- Conta logo, Caroline. Quero saber de tudo, quero ter um motivo para bater nesse indivíduo.
- Tudo bem.
Então eu comecei a contar minha história com Ian, desde o dia em nos conhecemos naquele bar até o dia em que eu fui parar na cadeia por causa dele. Branden escutava tudo com uma expressão séria e fazia caretas ao longo da história. Ele até se levantou e ameaçou ir atrás de Ian por ter tentado avançar o sinal comigo. Mas logo ele se acalmou quando eu comecei a falar do dia em que ele me salvou na delegacia e, principalmente, quando ele apareceu na minha casa naquela moto, parecendo um daqueles garotos maus dos filmes que fazem qualquer mocinha perder o fôlego.
- Aquela moto é do pai do James. Era a única coisa que ainda funcionava na casa dele. - ele sorriu - Quando Mel me ligou dizendo que você tinha se metido em confusão, eu não pensei duas vezes. Fui com a roupa que estava no corpo, liguei aquela lata velha e, provavelmente, levei duas multas avançando alguns sinais só para te salvar.
E, na próxima parte da história, eu senti todo o meu corpo arrepiar e minhas bochechas queimarem. Branden olhou para mim e viu que eu estava com vergonha.
- A gente podia repetir aquela noite. - ele se aproximou, fazendo com que eu ficasse deitada no sofá.
- E a parte em que você foge e ajuda meu pai a me trancar naquele acampamento também? - falei, vendo-o ficar sério.
- Não foi assim que as coisas aconteceram. - ele disse, sentando-se à minha frente - Eu não queria ter te deixado aqui sozinha. Na verdade, eu nunca mais queria te deixar depois daquela noite, mas coisas aconteceram. Quando eu voltei, você já não estava mais aqui. - ele olhou para mim - Eu falei para o seu pai sobre o que estava acontecendo com você desde que chegou aqui, mas ele disse que não poderia fazer nada. Você tinha acabado de perder sua irmã e precisava de espaço para processar essa informação. Eu passei dias conversando com ele e com Lorenzo porque temia que alguma coisa de ruim acontecesse com você, até que, um dia, Lorenzo pediu que eu parasse de me preocupar tanto contigo e começasse a viver minha vida porque, obviamente, você estava vivendo a sua.
- Então você ficou me vigiando todo o tempo? - perguntei, abraçando minhas pernas.
- Todo o tempo, não. Na maioria das vezes, eu perguntava a Melanie, que, assustadoramente, sabia de tudo que acontecia com você. E, no dia em que eu me descuidei, você foi parar na cadeia. Eu fiquei tão furioso que jurei ficar perto de você, mesmo que você não quisesse, e ia fazer questão de chutar Ian para bem longe de você. Eu não esperava que as coisas tomassem o rumo que tomaram naquela noite. Eu estava irritado com você por ter se deixado levar por um patife daquele, mas o que eu posso fazer? Parece que, cada vez eu digo para o meu cérebro que quero te esquecer, meu coração me lembra de que eu não posso.
- Então por que você partiu?
- Minha mãe teve alta no hospital e estava indo para casa. Ela me ligou de manhã cedo perguntando onde eu estava e o motivo para eu não ter ido buscá-la. Acredite, te deixar naquela manhã foi a coisa mais difícil que eu já fiz na minha vida. Quando eu saí da sua casa, eu liguei para Melanie pedindo para que ela fosse na sua casa para contar o porquê do meu desaparecimento, mas, quandoMelanie chegou lá, você já tinha ido. Seu pai estava contando para onde você iria e por quanto tempo ficaria fora. Foi nessa hora que eu cheguei e ele me contou tudo. Foi preciso que James me acalmasse, senão eu, provavelmente, entraria numa briga com seu pai. Caroline, eu vim quase toda semana saber notícias suas. Depois do primeiro mês, Mel deixou que eu ficasse aqui. - levou um pouco de tempo, mas eu consegui processar tudo. Minha cabeça parecia explodir com tanta informação - Você não vai falar nada? Não vai me bater ou chutar?
- Obrigada. - respondi.
- Obrigada?
- Sim. Eu precisava disso, de tudo isso. De Ian, das festas, do acampamento. Porque só aí eu saberia quem eu realmente sou e veja só... Eu sei. - falei, sentando-me em seu colo, passando os braços sobre seus ombros - Obviamente, eu fiquei com raiva e muita vontade socá-lo até que sangrasse pelo nariz, porém, nesses três meses, eu vivi tanta coisa e aprendi tanta coisa que eu sei que tudo que todos fizeram foi para o meu próprio bem. Então, obrigada, Branden Grandville, por nunca desistir de mim, mesmo quando não existia nenhuma esperança de que nós ficaríamos juntos outra vez.
- Foi um prazer, Caroline Linford. - ele me deu um selinho - E quanto à esperança de ficarmos juntos, ela nunca se apagou. Pelo contrário, só aumentou.
- Bom saber que sua autoconfiança continua cem por cento. - ele sorriu.
- Eu senti sua falta. - ele começou a beijar meu pescoço - Você não sabe o quanto. - ele desceu os beijos por meu ombro.
- Branden, o que você está fazendo?
- Matando a saudade. - ele parou e olhou para mim - Na verdade, eu acho que não estou fazendo isso certo. - ele se levantou comigo em seu colo.
- Branden! O que você está fazendo?
- Nós vamos matar a saudade, mas do jeito certo. - ele começou a subir as escadas.
- Você só pode estar ficando louco.
- Louco, eu já sou. E, para falar a verdade, sou desde o dia em que te conheci. E se ser louco é errado, princesa, eu nunca mais quero estar certo.

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