O dia amanheceu diferente, eu senti algo diferente, algo ruim. Senti um medo muito forte me atraindo. Azriel estava ao meu lado, agarrado ao meu corpo, em segurança. Com muito custo eu tirei seus braços e asas de cima de mim, sentindo as sombras se agarrem ao meu corpo, me implorando para ficar, me afastei, fui ao banheiro, vesti uma roupa e segui para o quarto de Kyla, mas estava vazio.
Senti na língua o gosto do meu próprio medo. Desembainhei Justiça ao mesmo tempo em que buscava por sua mente, sem ousar invadi-la. Ela estava no estúdio. Me apressei até lá, correndo pelas escadas, sentindo aquele cheiro ficar mais forte a cada passo, meu coração quase saía pela boca.
Kyla estava no chão, agarrada as próprias pernas, balançando e murmurando algo que eu não conseguia entender.
-Kyla? - Me aproximo com cuidado, ajoelhando em sua frente e afastando a adaga. - Kyla... - Eu tentei tocá-la, mas ela se esquivou. - Pequena, sou eu. - Calmamente, toquei seus fios castanhos. - Está tudo bem, meu amor, sou eu.
Ela se retraiu mais uma vez antes de se inclinar contra minha mão, eu aproveitei para passar os braços ao redor dela e aninha-la contra mim.
-Está tudo bem. - Eu sussurrava. - Você está a salva.
A garotinha não soltava as pernas, me perguntei a quanto tempo ela estava ali e por que eu não tinha vindo antes. Olhei ao redor e fiquei em choque. Tinha muita tinta espalhada pelo chão, algumas marcavam as paredes e até mesmo a porta, telas estavam jogadas e um cavalete virado. Eu notei que o pijama de Kyla também estava manchado, assim como suas mãos, pés e cabelos.
-Medo... Começo... - Ouvi quando ela murmurou.
-Não precisa ter medo, pequena, está tudo bem. - Acaricio seus cabelos.
-Começo... - Murmura de novo.
Ouço barulhos de passos desengonçados pelo corredor e então um Azriel despenteado e desarrumado, com a Reveladora da Verdade na mão, está parado na porta. Suas sombras quase correndo na minha direção.
-Achei... - Seus olhos estão arregalados e cheios de medo. - Achei que você... - Ele para de falar assim que vê Kyla em meu colo.
Azriel quase não dormiu. Passou a noite acordando aos berros, dizendo ter pesadelos, mas ele não me contava sobre o que eram os pesadelos. Eu o aninhava em meu colo e acariciava seus cabelos, ele apertava meu corpo contra o dele, fechando suas asas ao nosso redor. Agora ele estava imóvel, tentando entender a cena.
Az eu não sei o que está acontecendo.
Sussurro para ele, eu já estava ficando desesperada.
Meu parceiro pisca uma vez, voltando a sua pose imponente de sempre e eu tenho certeza que ele ouviu o desespero em minha voz. Lentamente, caminha até nós duas, se ajoelhando em nossa frente.
-Criaturinha? - Sussurra.
Kyla não responde. Ele nos envolve em suas asas, desajeitadamente tentando abraçar a nós duas. A garotinha soluça uma vez e eu sei que começou a chorar.
-Faça parar... - Sua voz sai embargada. - Por favor... Faça parar.
Seu choro parte o meu coração. Azriel nos aperta mais forte, deixando um beijo no topo de sua cabeça.
-Eu não quero... - Ela continua. - Não quero... Medo... Começo...
-Nós estamos aqui, - Azriel sussurra. - nada vai te acontecer.
-Por favor... - Ela levanta a cabeça e olha em meus olhos. - Faça parar...
Mais uma vez eu sinto meu coração espremer. Seu rostinho tão delicado está manchado por tinta e lágrimas, os olhos avermelhado, o beicinho tremendo. Acaricio sua bochecha, secando uma lágrima. Olho para Azriel rapidamente, para que entenda o que vou fazer.
-Isso vai passar, meu anjinho, vou fazer parar. - Beijo sua testa, deixando meus lábios ali quando sussurro: - Agora durma.
Eu aninho o corpo mole e inconsciente de Kyla em meu colo, meu parceiro não nos solta.
-Há quanto tempo ela está aqui? - Pergunta.
-Eu não sei. - Respondo. - Provavelmente a bastante tempo. - Indo a sala e pela primeira vez ele repara.
-Foi ela quem fez isso?
-Acho que sim.
Passo meu indicador por sua bochecha, usando minha magia para limpar a tinta presente, faço o mesmo com seus cabelos, mãos, pés e pijamas. Quando termino, Az está me encarando.
-Quero que eu a leve? - Pergunta.
Assinto. Ele estende os braços e pega Kyla com cuidado, passando-a para um braço e estendendo o outro para me ajudar, recolhe as asas antes de nos levantar.
-Quando ela vai acordar?
-Quando estiver descansada.
Ele assente e vai até a porta, lançando um olhar hesitante para mim antes de sair. Faço uma nota mental de lhe perguntar sobre aquilo.
Eu me abaixo para pegar Justiça, mas algo chama minha atenção. A tela mais próxima tem um monstro, diferente daquele de antes, esse tem olhos de cobra. Me aproximo para observar mais de perto. O monstro está com algo na boca, mas está borrado pela marca da mãozinha de Kyla. Deixo esse de lado e passo para o próximo. Há uma figura loura com muito sangue em volta, está morta. Minhas mãos estão tremendo quando eu viro mais uma. Uma mulher de cabelos castanhos está de costas, uma espada a atravessa. Na outra uma mulher de cabelos brancos como a lua está jogada ao chão, seu dragão por cima de seu corpo. A mais distante mostra um monstro com asas, ele tem os olhos fechados, mas em suas garras há um coração. Os pelos da minha nuca se eriçam. Uma montanha com uma construção destorcida, formas monstruosas saem desse lugar. E tem a última, que estava no cavalete virado. Sou eu, as mãos estendidas para uma versão menor do portal, muito sangue espalhado pelo meu corpo, os olhos negros, os joelhos cedendo.
Eu entendi porque aquele quadro estava virado. Eu fecharia o portal, mas aquilo me mataria. Assim como Aelin havia dito. Estendo a palma da mão e permito que meu poder envolva o quadro, destruindo-o. Eles não precisavam saber disso. Azriel não precisava.
Estava quase saindo do quarto quando a mancha na parede atrai minha atenção. Não era uma mancha, era uma pintura. Um castelo, diferente de qualquer Corte e até mesmo do Reino Humano. Era o castelo de outro mundo, eu percebi.
"Começo", Kyla tinha murmurado diversas vezes. Eu ando até o local em que ela estava sentada, não há nada além das marcas de seus pés e mãos. E então eu olho para frente e encontro outra pintura. O portal, mas dessa vez, seis pessoas estão entrando nele, entrando no mesmo mundo em que nossos convidados vieram. "Começo". Era ali que tudo começaria, que tudo já tinha começado. Eu travo. Não são seis pessoas comuns, todas as seis têm coroas.
Eu saio do estúdio ao mesmo tempo em que entro na mente de todos eles, não me importando em quebrar seus escudos.
Nós temos que ir! As seis rainhas humanas atravessaram o portal.
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A Corte de Mundos e Alianças (Vol.2)
FanfictionApós os eventos anteriores, Lucille se permitiu acreditar que poderia finalmente aproveitar seus dias de paz com seus amigos e seu parceiro, agora marido, Azriel. Ela estava errada. Algo havia acontecido naquela batalha nas florestas da Corte Outona...