Apatita: substantivo feminino, fosfato de cálcio que se encontra em muitas rochas eruptivas, em estado cristalino ou terroso. Apatita Azul é um cristal que fortalece a consciência.
Outono de 2015, 10 de maio, 23 horas e 26 minutos.
E se tudo que conhecemos desabasse sobre nosso ser? Desabasse de uma maneira atordoante e irritadiça, inesperadamente, sem avisos. O descobrimento de uma traição dói, o nosso âmago anseia por respostas que demoram muitas vezes a chegar, nosso coração escapa por nossos dedos e simplesmente some. Machuca, despedaça, tortura.
Cada pessoa tem um ponto fraco, o de Maria Marta é José Alfredo. Logo ela notou às consequências amargas de amá-lo, seu Império estava ameaçado e em seu olhar egoísta era inviável dividir seu lugar de direito com outra mulher, só há lugar para uma Imperatriz.
Qual a chave para o sucesso de uma mulher? A grandeza de seu amor, aquele amor que a mantém viva, aquele amor que preenche, que ilumina e o seu ódio desmedido, aquele ódio que a faz mover céus e mares, o ódio que a faz melhor.
Recuar é uma palavra temida, chocante, recuar seria como um sinônimo de fraqueza ou fracasso, entretanto, pode ser a única alternativa para reconquistar o que foi perdido. Recuar é uma escolha, voltar uma obrigatoriedade.
Maria Marta, insatisfeita, decide voltar para sua casa, para os seus filhos e para aquela que ainda tem a audácia de chamar de “sua empresa”. Muito mais rica do que há seis meses, quando foi friamente obrigada a recuar. Afinal, quem fez José foi Maria, mas Maria sempre se fez e refez sozinha, é isso que a torna grandiosa.
Ponto de vista de Maria Marta:
Após meses fora, finalmente voltei para a minha casa, para o lugar que foi minha paz e meu martírio, o lugar que doei longos anos da minha vida. Mal posso esperar para me deparar com o olhar incrédulo do homem que foi minha maior felicidade e minha ruína. Nosso casamento foi a linha tênue entre o amor e o ódio, o odeio com uma facilidade absurda, entretanto, o amo com mais facilidade ainda. Acredito que seja assim com ele também.
Respiro fundo, ajeito meus cabelos, percebo que minha roupa está impecável, meu perfume me mantém confiante, as joias que uso são como troféus, perfeita, perfeita em cada detalhe. É assim que tenho que ser, é assim que sempre fui e é assim que serei sempre ... Impecável.
Entro na casa, minhas chaves ainda são capazes de destravar a fechadura, bom sinal, ainda esperavam meu retorno. Observo cada detalhe do lugar, ainda está exatamente como deixei. Fui feliz, não posso negar, porém, é dolorido estar aqui.
- Madame, em qual dos aposentos coloco seus pertences? – Silviano questiona com toda a calma do mundo mesmo me achando uma estúpida por retornar.
- No quarto ao lado do quarto de José Alfredo. – Respondo com um sorriso sarcástico. Ao lado dele, onde ele pode me escutar, onde eu posso irritá-lo com facilidade, aonde vamos trombar vez ou outra.
A movimentação chamou a atenção daqueles que mais senti saudade: Pedro, Clara e Lucas.
Os burburinhos no andar de cima começaram, desceram às escadas confusos, me fitaram com dúvida, com dor. Eles queriam respostas, tenho certeza.
- Mãe?! O que tá fazendo aqui? Só pode ser piada! – Clara me olhou com indignação.
- Boa noite pra você também, Maria Clara. – Respondi um tanto seca.
- Eu procurei a senhora em todos os cantos, pensei que estivesse morta! – Pedro tinha um semblante confuso. – Tem noção da preocupação que nos causou?
- Não era para me encontrarem, eu não queria ser encontrada! – Argumentei. – Estava cuidando das minhas riquezas e precisava fazer isso sozinha! – Eles me fuzilaram com o olhar, engoli seco. – Por que o espanto? Julgaram que eu seria humilhada como uma qualquer? Como uma... Ninfeta? – Cruzei os braços, sorri de canto. – Senti saudades, crianças.
Enquanto Clara e Pedro queriam explicações, Lucas apenas me encarou. Seu olhar encontrou o meu, não disse uma palavra sequer, foi angustiante. Suspirou, pegou sua jaqueta no sofá da sala e saiu derrubando tudo que via pela frente como um completo insolente. Mantive a calma, não era hora de repreender meus filhos.
- Onde está meu marido? – Questionei. – Está morto? Bebendo por aí? Talvez se esponjando com a vadia de estimação dele! – O sarcasmo os irritou, foi inevitável.
- Você some e simplesmente volta como se tudo estivesse normal? – Pedro me encarava com mágoa, receio e quem sabe até um certo ódio. – Isso é maluquice, tá insana, completamente insana!
Eu quis rebater, mas não faria isso, eles estavam confusos e brigas fariam tudo piorar. Mantive o pouco de paciência que ainda me restava e formulei uma resposta.
- Irei para o meu quarto, preciso descansar para a festa da Império. – Peguei minha bolsa. – Ainda sei cada detalhe do que acontece aqui dentro e não devo satisfações a nenhum de vocês. Fiquem com a dúvida! – Me olhavam bravos, não os dei chance de resposta. – Boa noite, vejo vocês amanhã.
Subo às escadas e adentro o cômodo, olho em volta, posso finalmente respirar aliviada se é que isso é possível. Já era de se esperar que José Alfredo não estivesse em casa. Queria vê-lo, sinto saudades desse homem. Insanidade, eu sei, entretanto, viver sem ele é insuportável, é pior que lidar com seu jeito bruto.
Para me distrair, começo a arrumar minhas malas. As vozes de meus filhos ecoam pelo corredor, um dia eles me entenderão, quem sabe ganho o perdão ou um resquício de afeto daqueles que tanto amo, eu daria minha vida por eles. Organizo às joias, meus tesouros, minhas válvulas de escape. Se estou feliz, compro um diamante, se estou triste, uma safira, quando quero chamar atenção recorro às esmeraldas e quando quero ser uma rainha... Minhas doces e nobres apatitas.
Meus pensamentos são bruscamente interrompidos por batidas estridentes na porta, é ele.
- O que você pensa que está fazendo aqui, Maria Marta?! – Ele me bombardeou assim que abri á porta. – Invadir propriedade alheia é crime! – Vociferou. – Saia daqui, AGORA!
- Ah! O que é uma invasão de domicílio perto de um... Contrabandista. – Sussurro a última parte o irritando ainda mais. – Senti sua falta também, comendador. De mais a mais, essa casa é mais minha do que sua.
- Hell, Marta! Some com meus diamantes e pensa que vou te receber com flores? – Posso jurar que ele pularia no meu pescoço se tivesse coragem.
- Como vou roubar algo que é meu? Tanto meu, quanto seu! – Sorri. – Sua sorte é que só fiquei com os diamantes, minha vontade mesmo era de acabar com você, lhe mataria sem pensar duas vezes, porém, já é castigo o suficiente me perder. – Ele respirou fundo, só existe uma pessoa com o ego maior que o dele, eu! E isso o irrita!
- Marta, perdeu o juízo? Some sem deixar rastros, leva meus diamantes e volta com a maior cara de pau. – A confusão dele me divertia.
- Ai, Zé! Não lhe devo satisfações, inclusive não me arrependo, foi maravilhoso ficar longe por uns meses. – Mantenho meu sorriso firme.
- Não me arrependo de ter te traído, só assim pra conhecer a megera que tu é! - Zé responde enfurecido, adoro ver o ódio em seus olhos. Ele quer me atingir, vai ter que melhorar.
- Já acabou o show? Continua com o mesmo inglês medíocre de sempre. – Respondo com desdém. - Saia do meu quarto, amanhã teremos um dia cheio. Mande lembranças a Ísis, diga a ela que a imperatriz está de volta. - Digo confiante.
- Imperatriz só se for no seu mundo, na Império você não põe os pés mais! - Zé realmente julga que a Império é a minha única riqueza. Uma imperatriz de um Império só? Não!
- Prazer, Maria Marta Medeiros de Mendonça e Albuquerque, Imperatriz das Apatitas. - Digo e vejo seu semblante mudar, o ódio e o sarcasmo sumiram, o espanto brilhou em seus olhos, o sorriso morreu. Foi nesse instante que José Alfredo percebeu que o mundo das joias pertence a mim, sua esposa. - Eu tenho meu próprio império, comendador.
Ele não verbalizou, nem sequer piscou. Entre o amor e o ódio, acredito que despertei o melhor: a gana.
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Olhos de Apatita - Malfred [EM REVISÃO]
FanfictionTraição: substantivo feminino, ação de trair alguém, perda completa da lealdade que resulta de uma ação traiçoeira. O que é capaz de destruir uma relação? José Alfredo e Maria Marta foram cúmplices durante anos, e juntos formaram um impé...