7/PT I- Herança (Ester)

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Três dias antes

- Minha querida, você não precisa vir aqui todos os dias. Eu não quero ser um fardo para você - diz minha vó assim que entro.

- A senhora não é um fardo. É minha melhor amiga! Eu vou continuar vindo, mesmo contra a sua vontade - retruco.

Ela sorri brevemente, consigo ver algumas ruguinhas aparecerem ao redor dos seus olhos. Ela parece tão jovem, minha mãe tinha o mesmo cabelo, o mesmo olhar e as mesmas ruguinhas.

- Já não foi suficiente o trabalhão que a sua mãe te deu enquanto lutava para sobreviver?

- Nada me faz mais feliz do que poder retribuir tudo o que vocês fizeram por mim. Eu cuidaria de vocês três pelo resto de minha vida, não fosse aquele maldito acidente.

Uma lágrima escorre de seus olhos. Ela fica em silêncio. Um silêncio que não me atrevo a quebrar.

As lembranças de minha mãe ainda são dolorosas. Ela foi a única mãe que conheci. Eu queria poder dizer que me pareço com ela. As pessoas diziam que eu me parecia com ela, isso me fazia muito feliz. Ela não era minha mãe biológica, mas mesmo assim ficava contente quando as pessoas achavam que eu era realmente sua filha.

Porém, o meu desejo ia além da aparência. Eu queria ter a força dela, a resistência emocional que ela possuía para lidar com todas as dificuldades sem perder a alegria. Seu último sorriso me vem à mente. E as últimas palavras que ela me disse enquanto eu acariciava seus cabelos. "Não deixe que ninguém tire de você o que tem de mais belo e precioso, o seu sorriso, a sua felicidade e sua honestidade. Quando tudo parecer perdido, faça uma limpeza de primavera. Retire o lixo e preencha o seu coração com algo bom, com bons sentimentos e ajude quem parece mais perdido do que você".

Será que eu sou capaz de seguir esse conselho? Tenho perdido o meu sorriso! Desde que ela se foi sinto que a felicidade foi embora junto.

- Pensando naquele dia novamente? - pergunta minha vó, embora ela já saiba a resposta.

- É injusto! Ela venceu um câncer depois de tanta luta. Por que ela tinha que ir embora depois de um acidente tão estúpido? Eu achei que teríamos mais tempo. Eu queria ter dito tantas coisas.

- Eu sei! Eu também queria ter dito muitas coisas a ela, mas quando é que uma mãe acha que a filha partirá antes dela? - pergunta. A tristeza se faz evidente na falta do brilho nos olhos.

Essa senhorinha costumava ter os olhos mais brilhantes que eu já vi. Eles já não reluzem como antes.

- O rapaz bonito que veio me visitar é seu amigo mesmo, ou há algo mais? - pergunta, mudando de assunto.

- Rapaz? Que rapaz?

- Não sabe? Ele disse que é seu amigo e que estava contigo no dia em que piorei e precisei fazer a cirurgia de emergência. Ele veio ver se eu estava bem e até trouxe flores. - Ela aponta um vaso e aperta os olhos como se estivesse tentando forçar a mente a se lembrar. - Miguel. Esse é o nome dele.

Respiro fundo. Sinto como se um fogo me consumisse de dentro para fora.

- Só um minuto, vovó - digo, levantando-me e indo até a recepção.

Pergunto sobre a minha dívida com o hospital e confirmo as minhas suspeitas, ele pagou tudo. Miguel continua passando dos limites e indo longe demais.

Volto para o quarto, um pouco consternada. Algo que eu nunca consegui controlar é o meu semblante quando estou brava.

- Há algo errado meu amor? - ela pergunta, preocupada.

A Garota da Máscara (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora