28 - Consegue ouvir? (Miguel)

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Na noite anterior:

Ester dormindo profundamente é certamente a coisa mais linda que já vi na vida. Não consigo acordá-la, vamos passar a noite aqui. Eu a carrego e coloco na cama do apartamento. O sono é tão pesado, que ela não desperta. Como alguém pode dormir assim depois de tomar um copo grande de café? Minha esposa devia estar exausta para apagar desse jeito.

Minha mãe dizia que quando alguém dorme profundamente perto de nós é porque confia plenamente, mas daí eu me lembro desse relógio. Eu não tenho nada a esconder e por isso não parei de usar, mas me incomoda saber que ela não confia em mim. Escutas e rastreadores. Ela está sempre desconfiando de tudo e de todos. Não ficaria surpreso se soubesse que ela monitora Sophia também, ou qualquer outro de sua família.

Passo por entre as estantes bagunçadas com os livros de minha mãe, de meu pai e os mais antigos, do meu bisavô. Infelizmente não cheguei a conhecê-lo. Era escritor e autor.

Quando li na carta de meu pai, Benjamim, que entre os meus pertences estava uma algema, algumas memórias voltaram de repente, não o suficiente para preencher lacunas, mas o bastante para me deixar intrigado. Por mais que eu tente, minhas memórias de criança não vêm com facilidade.

Um homem sorridente se aproxima e pergunta o que fiz no dia. Eu mostro um sorriso. A mulher reclama que o filho não se comportou bem na escola e o homem mostra as algemas e diz que vai prendê-lo.

— Pai, como é ser policial? — eu perguntei.

— É uma luta constante contra o mal e uma preocupação constante com o que me faz bem — responde o homem de uniforme tocando meu rosto.

As faces são como um borrão para mim, mas sei que aqueles eram meus pais. As duas pessoas de uniforme que mantinham um olhar preocupado, eram meus pais.

Abro uma gaveta e lá estão os meus pertences. A roupa com que cheguei ao orfanato, a pulseira, com a data do meu nascimento, e as algemas.

Pego a pulseira e as algemas e as coloco no bolso. É tudo que eu tenho da minha infância. Isso pode ser útil.

Eu me deito de frente para Ester e a observo dormir, a testa franzida entre as sobrancelhas. O que será que ela está sonhando dessa vez? Seguro sua mão. O franzido finalmente some. Aos poucos sinto minhas pálpebras pesadas e o rosto de minha linda esposa se torna menor. "Boa noite".

[***]

— Oppa, eu quero ir pra casa agora. — A garotinha chora em desespero.

— Não chore, logo vamos conseguir sair daqui. Meus pais são policiais. Você quer um doce?

O garotinho pega uma bala de caramelo e entrega à garotinha, que coloca o doce na boca depois de parar de chorar.

— Minha mãe é uma super-heroína — conta a garotinha, como se fosse um segredo.

— Que bom. Eles devem estar nos procurando, vão nos encontrar. Então, não chore. Eu irei te proteger.

Abro os olhos. Que tipo de sonho foi esse? Outra lembrança? Olho de relance o celular. Ainda são três da manhã. Fecho os olhos novamente, tentando sonhar com a continuação da história. Isso nunca funciona, não é mesmo? Mas o sono é maior do que a minha capacidade de manter os olhos abertos.

Ouço uma canção de ninar e em seguida minha mãe é atacada.

— Solta minha mãe — grito.

O homem com cara de malvado sorri.

— Olha só! Temos um garotinho aqui — afirma o homem rindo alto ao me encontrar.

A Garota da Máscara (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora