Capítulo 15° - Devo entregá-la com um laço atado no pescoço ou na nuca?

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Jormungand Ouroboros, oni



Talvez eu deva salvar esse saco de piolhos. Escreveu mais uma palavra. Também saí de casa muito cedo, tive meu pai morto e venho andando por aí. A luz incidia no piso atapetado meio metro ao lado da curta mesa, ela estava sentada numa poltrona de couro negro e uma brisa atravessava morna pela janela a direita. Não que a morte daquela porta tenha me afetado um milésimo do que a do pai afetou a pirralha. Não que tivesse um exército me perseguindo. Não que tivesse alguma criatura realmente capaz de me matar. Passou a próxima página, molhou o pincel no pote de tinta. ''Na estrada de Roma acordou em uma carruagem, disse a pequena vampira'' a oni rabiscou na folha. O quarto tinha apenas sete pés de raio e a vampira dormia na única cama, encostada na parede direita e às costas da mulher demoníaca. Tênues roncos escapavam a garota.

Mas o que eu ganho a ajudando mesmo? Continuou a mover o pincel. Ela não tem mais terras, dinheiro ou influência. Bocejou. Além de ser uma forma de atrair as investidas do meu alvo, tem pouco uso. Enrolou os dedos no cabo da taça à esquerda do caderno. Claro que ainda poderia vendê-la a Sangue Branco... tem algo que eu queira desses orelhudos que não possa simplesmente tomar? Bebeu, era amargo e descia deixando uma trilha de calor. Não exatamente. Baixou o recipiente sobre a superfície de madeira escura e polida. Mas é uma forma menos chata de conseguir apoio para desafiar a atual soberana da Bélica. Encarou o texto que descrevia o inicio da aventura da garota vampira. Assim que conseguir o de Semiramis após esse último trabalho de guia para Jason poderia ter duas metrópoles, teoricamente, ao meu lado e maiores chances de poder oficialmente desafiar a líder atual dos onis. Já tenho tentado conseguir isso a dois anos e conseguiria em poucos dias o segundo apoiador de peso do meu desafio.

Olhou pela janela aberta. Casas de telhado triangular pendiam do outro lado pintadas de branco e azul. Devo entregá-la com um laço atado no pescoço ou na nuca? Riu, bebeu e escreveu no caderno o trecho ''o mercador havia a salvo a vida e pagaria o preço devido por sua boa ação''. Eu gosto da pirralha. Por termos um histórico suficientemente próximo, por ela parecer um filhotinho assustado e fofo que dá vontade de apertar como se fosse um bichinho de pelúcia. A encarou por sobre o ombro esquerdo, a menina estava deitada de lado, com um travesseiro preso entre os braços e a dianteira do tronco. Um fio de baba a escorria dos lábios à queixo. Por ela ainda conseguir lutar quando a maioria das crianças estaria traumatizada demais até para andar. Por ter sobrevivido quando mais ninguém o fez. Por ser um demônio como eu. Baixou as pálpebras. O saco de piolhos é forte. Ergueu. É um tanto incômodo pensar que será decapitada sem mais nem menos.

E então? Devo salvá-la?

Batidas na porta soaram e as íris púrpuras foram lentamente a ela.

— Quem? - a oni.

— Local e hora da troca.

Obviamente o lugar terá uma armadilha. Não o tenho em baixa conta o bastante para supor que acreditaria na minha boa vontade em fazer uma troca da garota por um de seus zumbis.

— Entre, vamos conversar enquanto dividimos um copo de saquê, senhora morta viva - o demônio.

— Na área três, mercado cultural, a meia no...

E então a porta fora atravessada mandando lascas para todos os lados, a garganta da zumbi se viu agarrada por dedos alvos e os olhos de frente a um par púrpura.

— É um tanto rude tratar de negócios quando sequer entrou no cômodo, sim? Me faz achar que Ícaro está sem interesse nessa transação.

A forçou abaixo, os joelhos da morta viva tocaram o piso ruidosamente e o rosto tencionou.

A Queda das EspadasOnde histórias criam vida. Descubra agora