Cesar - Chama do Olimpo

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Como tudo na minha vida nunca pode ser simples, explicar o que aconteceu também não seria tão fácil assim.
Uma garota mais ou menos da minha idade, uma tal de Elizabeth, parecia uma metralhadora de perguntas, não deixou ninguém falar por pelo menos uns cinco minutos. Joui e Arthur pareciam tão desconfortáveis com a situação quando eu, tenho certeza que ela só parou porque o garoto com a cicatriz na bochecha.
– Liz, deixa eles falarem. Você vai poder fazer seu interrogatório depois.
– Obrigado  – sr. Veríssimo agradece. – Foi um dia conturbado, eles corriam perigo, tivemos que sair às pressas da escola.
– Foi tudo minha culpa – disse Agatha. – Eu que invoquei a Degolificada...
– Você o quê?! – a menina de cabelos vermelhos como fogo exclamou.
– Caralho, moleque, como é que tu fez uma coisa dessas? – um garoto moreno perguntou, ele tinha inúmeras cicatrizes do que parecia ser queimadura pelo corpo.
– Me chama de moleque de novo pra ver se eu não te arrebento – Agatha o fuzilou com o olhar.
– Eita, calma lá, garoto...
– Calma o cacete, não sou um garoto! Sou eu, Agatha.
Os adolescentes a olharam incrédulos, pareciam ser saber como reagir a descoberta. Um silêncio extremamente desconfortável recaiu sobre o ambiente.
– Volkomenn, o que você fez? – Elizabeth parecia furiosa.
– Eu só estava tentando me defender!
– Invocando um monstro? – disse Elizabeth. – Você tem noção do que é uma Degolificada?
– Você não entenderia mesmo se eu contasse! – Agatha franziu as sobrancelhas. – Você só ouve o que quer escutar, faz de tudo para que eu pareça uma vilã na primeira oportunidade!
Elizabeth se aproximou dela com um olhar cortante.
– Eu sei muito bem o tipo de pessoa que você é, tipo que usa e engana as pessoas.
Eu já não estava indo muito com a cara dela antes, falar mal da Agatha foi motivação o suficiente para me fazer querer arrebentar a cara daquela garota.
–  Quem você acha que é para falar desse jeito com a minha amiga? – me intrometi na conversa. – Você não conhece ela!
A morena se virou para mim.
– Você é quem não a conhece de verdade, cabeludo. Ela não é sua amiga, só está usando você, vai ser descartado assim que não for mais útil.
– Já chega, vocês três! – sr. Veríssimo deu um basta. – Agatha, volte a Casa Grande amanhã, iremos falar sobre isso depois. Está dispensada.
– Mas ela...
– Amanhã conversamos – ele insistiu.
Agatha se virou e saiu correndo até a saída.
– Ela vai ficar bem? – Arthur perguntou.
– Claro que vai, ela só precisa de um tempo – disse o sr. Veríssimo e se virou para falar com Elizabeth. – Liz, eu entendo que você não se dá bem com a Agatha, mas tente ser menos dura com ela.
Elizabeth apenas baixou a cabeça e cruzou os braços.
– Ei – o garoto com a cicatriz na bochecha me chamou. – Desculpa pela minha namorada, ela e a Agatha tiveram um passado complicado, mas juro que a Liz não é desse jeito.
– De boa.
Ele sorriu e estendeu o braço
– Eu sou o Thiago.
– Cesar – me apresentei e apertei sua mão. Agora o vendo mais de perto, aquele garoto não me era estranho, tinha a impressão de já o conhecer de algum lugar. – E aqueles são o Arthur e o Joui.
– Oi – Arthur acenou para eles.
– Muito prazer – Joui sorriu timidamente.
– Já que estamos nos apresentando, eu sou o Tristan e essa é a Mia – disse o garoto das queimaduras.
– Bem-vindos ao Acampamento Meio-Sangue – Mia nos cumprimentou, meio sem graça por toda a situação.
– Agora que estão todos apresentados, vocês também estão dispensados – disse o sr. Veríssimo. – Já passou muito do horário de dormir, é melhor voltarem logo para os chalés antes que alguma harpia os veja.
Eles pareceram decepcionados, mas seguiram a ordem.
– E vocês, meninos, venham comigo. Vou instalá-los na enfermaria por essa noite.
Eu sabia que não conseguiria dormir. Estava em um lugar completamente desconhecido, não fazia ideia do porque estar ali e nem quando poderia voltar para casa, mas eu tinha a impressão de que não voltaria tão cedo.
Pelo menos Arthur e Joui estavam comigo. Arthur estava na maca a minha direita, Joui estava a minha esquerda, ambos dormiam tranquilamente.
Por mais que eu me esforçasse, não conseguia pegar no sono, a sensação de perigo nunca passava. Aquele bicho ainda estava por aí, o que garantia que não entraria no acampamento?
O que garantia que estávamos realmente seguros?
Tentei usar meu celular, mas estávamos no meio do nada, óbvio que não teria sinal.
Senti uma onda de pânico subindo pelo meu corpo. Nós havíamos sido levados para o meio do nada por nosso professor de história e nossa amiga que simplesmente trocou de corpo com uma pessoa que odiávamos e o corpo verdadeiro dela estava atrás de nós.
Minhas mãos tremiam, meu coração descompassou, de repente havia se tornado difícil respirar.
– Cesar-Kun? – ouvi a voz sonolenta de Joui. – Está tudo bem?
– Jou… Tá acontecendo de novo... – minha voz saiu trêmula, nem sei como consegui falar.
Ouvi um rangido e passos em minha direção.
O asiático se sentou na minha frente com as pernas cruzadas, ele segurou minhas mãos.
– Lembra dos exercícios de respiração que eu te ensinei?
Respondi que sim.
– Vamos fazer?
Assenti novamente, sem nenhuma força para falar.
Todas as vezes que isso acontecia, Joui e Arthur estavam lá, pareciam ser os únicos que conseguiam me ajudar nessas horas. Meu padrasto até tentava, mas só acabava piorando a situação, olhar para ele só me fazia lembrar do que me despertou essas crises.
Depois de um tempo consegui me acalmar o suficiente para olhar Joui nos olhos, ele sorriu, desviei o olhar sentindo meu rosto quente.
– Desculpa...
Ele apertou um pouco minhas mãos.
– Pelo o quê?
– Por causar problemas para você e o Arthur – disse eu. – Sempre que isso acontece, vocês parar tudo que estavam fazendo para me ajudar...
Joui tirou as palavras de minha boca ao me envolver em seus braços, me puxando para um abraço.
– Não sei de onde você tirou isso. A gente cuida um do outro, sempre foi assim, fazemos isso porque você é importante para nós e eu tenho certeza que faria o mesmo pela gente.
Não consegui esconder meu sorriso . Retribui o abraço.
– Vocês também são muito importantes para mim…
Acordei com Agatha entrando na enfermaria, ela parecia estar melhor do que na noite passada. Agora usava jeans pretos, tênis vermelhos de cano alto, uma camiseta laranja escrito Acampamento Meio-Sangue, por cima, usava um colete preto e um colar com quatro contas.
– Bom dia, Agatha – Arthur a cumprimentou.
– Bom dia – ela ainda parecia meio abalada.
– Então... – tentei puxar assunto. – Monstros existem de verdade…
Ela mudou o peso de uma perna para outra, parecia inquieta.
– Pois é... Você se acostuma com o tempo. Este acampamento é um refúgio, o único lugar seguro para pessoas como nós, os monstros conseguem sentir o cheiro do nosso sangue, por isso coisas estranhas acontecem o tempo todo.
Ah, que ótimo, não é só a Degolificada que está atrás de nós. Pensei
– Mas não se preocupem, eles não podem nos alcançar aqui, existe uma barreira no acampamento, monstros e mortais não podem entrar aqui – Agatha explicou.
Então eu fiquei morrendo de medo e ainda por cima acordei Joui por absolutamente nada?!
– Mortais? – perguntou Arthur.
Agatha arregalou os olhos.
– É... O Acampamento Meio-Sangue serve para nos preparar para o mundo, aqui nós treinamos para conseguirmos sobreviver sozinhos do lado de fora – ela desviou do assunto.
– Bom, vamos indo, os véio estão nos esperando – ela indicou a porta com a cabeça. – Me preparei a noite toda para a bronca.
– Quem? – perguntei, mas Agatha me ignorou completamente.
Saímos da enfermeira com Agatha nos guiando e demos a volta até o lado oposto da casa. Deveríamos estar na costa Norte de Long Island, porque daquele lado da casa o vale seguia até a água, que cintilava a cerca de um quilômetro de distância. Entre a casa e lá, eu simplesmente não consegui processar tudo o que estava vendo. A paisagem era pontilhada de construções que lembravam a arquitetura grega antiga – um pavilhão a céu aberto, um anfiteatro, uma arena circular – , só que pareciam novos em folha, as colunas de mármore branco reluzindo ao sol. Em uma quadra de areia próxima, uma dúzia de crianças e sátiros (sim, garotos com metade do corpo de um bode) em idade escolar jogavam voleibol. Canoas deslizavam por um pequeno lago. Crianças de camiseta laranja como a de Agatha corriam umas atrás das outras em volta de um agrupamento de chalés no meio do bosque. Algumas praticavam arco e flecha em alvos. Outras montavam cavalos em uma trilha arborizada e, a não ser que eu estivesse ficando doido, alguns deles tinham asas.
Na extremidade da varanda, dois homens estavam sentados frente a frente em uma mesa de carteado. Elizabeth e Thiago estavam em pé ao lado deles.
O homem de frente para mim era pequeno e gordo. Tinha nariz vermelho, grandes olhos chorosos e cabelo cacheado tão preto que era quase roxo. Usava uma camisa havaiana com estampa de tigre.
– Aquele é o sr. D – Agatha murmurou. – E você já conheceram a Elizabeth e o Thiago, e claro o Veríssimo.
Ele apontou para o homem que estava de costas para nós.
– Sr. Veríssimo! – Arthur exclamou.
O professor se virou sorrindo para nós.
– Ah, oi crianças – disse ele. – Sentem-se, por favor.
Ele me ofereceu a cadeira ao lado do sr. D, que olhou para mim com olhos injetados e soltou um grande suspiro.
– Ah, suponho que devo dizer isso. Bem-vindos ao Acampamento Meio Sangue. Pronto, Agora, não esperem que eu esteja contente em vê-los.
– Obrigado, senhor – Joui o agradeceu.
– Elizabeth, Thiago? – sr. Veríssimo chamou o casal. – Vocês poderiam mostrar a eles o acampamento?
– Claro – Elizabeth respondeu.
Ela provavelmente tinha nossa idade e com certeza tinha a aparência bem mais atlética que a minha. Tinha a pele branca e uma única pinta no queixo, cabelo preto na altura dos ombros, seus olhos castanhos eram bem intimidadores, como se ela estivesse analisando qual era o melhor jeito de me derrubar em uma luta.
Ela trocava o olhar entre mim, Joui e Arthur.
– Bom dia, Elizabeth-San, Thiago-Kun – Joui os cumprimentou.
– Gostei desse menino – afirmou Thiago rindo. – Espero que ele seja do chalé 10.
– Chalé 10? – perguntei, confuso.
– Nenhum deles ainda foi reclamado? – perguntou Elizabeth.
– Não, não que eu saiba – Agatha respondeu. – Mas tenho meus palpites.
– Eles têm mais de treze anos – Elizabeth notou. – Já deveriam ter sido reclamados.
– Relaxa, minha querida, não deve demorar muito para isso – disse Thiago descontraído. – Pode ter dado um delay no Olimpo e esqueceram deles, não deve ser nada demais.
– Um delay, Thiago? – Elizabeth arqueou as sobrancelhas.
– Alguém pode me explicar o que quer dizer ser reclamado? – perguntei.
De repente, Elizabeth deu um passo para trás, Thiago sorriu de canto. Por um momento, achei que tinha feito algo de errado, mas depois notei que o rosto de todos estavam banhados em uma estranha luz amarela, como se uma luz artificial estivesse emanando fortemente atrás de mim. Me virei e quase perdi o fôlego.
Pairando no alto da cabeça de Arthur havia uma resplandecente imagem holográfica: uma lira.
– Isso que é ser reclamado – disse Thiago como se fosse a coisa mais natural do mundo.
– O que foi que eu fiz? – Arthur virou-se de costas, depois olhou para o alto e soltou um grito. – O que é isso? – Ele se abaixava, mas o símbolo acompanhava o movimento, subindo e descendo com se quisesse escrever algo com os raios de sol em sua cabeça.
– Meu Deus – Joui exclamou. – Esse é um dos símbolos de Apolo, não é?
Todos os olhares se voltaram para ele.
– Joui – Elizabeth o encarou seriamente. – Como você sabe disso?
– Aprendemos em uma das aulas do sr. Veríssimo sobre mitologia...
– Apolo? – perguntei. – Do que você está falando? O que isso tem haver com… essa coisa?
– Vamos ter que reinstalar ele – sr. Veríssimo disse. – Chalé 7.
– Porque não posso ficar no mesmo chalé que eles? – perguntou Arthur – Eu não sou um Apolo!
Thiago e Agatha trocaram olhares e riram.
– Alguém pode explicar o que está acontecendo? – disse eu.
– Claro, nós os trouxemos aqui para isso – sr. Veríssimo disse calmamente. – Antes de tudo, estou contente em vê-los com vida. Fazia tempo que eu não fazia atendimento domiciliar para campistas em potencial.
– Atendimento domiciliar? – Arthur perguntou.
– O ano que passei na Escola Nostradamos de Ensino Médio foi para instruí-los. Temos sátiros de prontidão na maioria das escolas, mas essa era uma das poucas exceções. Agatha havia sido mandada para lá por sua mãe e me alertou assim que os conheceu. Ela sentiu que vocês eram especiais, então decidi ir para lá. Convenci o outro professor de história a… Ah, tirar uma licença.
– Você foi para a Nostradamus só para nós ensinar? – perguntei incrédulo.
– Honestamente, de início eu não tinha muita certeza a respeito de vocês, de estarem prontos para o Acampamento Meio-Sangue. Tinham muito o que aprender ainda, mas chegaram aqui vivos, e esse sempre é o primeiro teste.
– Com licença, sr. Veríssimo – Joui o interrompeu. – O que é esse lugar? O que estamos fazendo aqui? Porque o senhor iria à Escola Nostradamus só para nós ensinar?
O sr. D bufou.
– Fiz a mesma pergunta.
Sr. Veríssimo sorriu para Joui de modo compreensivo, como costumava fazer nas aulas, como para me dizer que qualquer que fosse a nota, nós éramos os alunos mais importantes. Ele sempre esperava que nós três tivéssemos a resposta certa.
– Meninos – disse ele – Suas mães não contaram nada?
– Minha mãe… – desviei o olhar para baixo. – Não, ela não falou nada.
Eu nem tentei procurar em minha mente alguma informação que minha mãe poderia ter dito, era doloroso demais lembrar de qualquer coisa relacionada a ela.
– Típico – disse o sr. D - É assim que eles normalmente acabam mortos.
– Nossa, mas eles não sabem de nada mesmo? – perguntou Elizabeth – Acho que nem o filme de orientação vai adiantar.
– Que filme de orientação? – Arthur perguntou.
– Você está certíssima, Liz – sr. Veríssimo concluiu. – Joui, você ainda está com a caneta que eu te dei?
– Ah, sim, me desculpe, esqueci de te devolver – ele tirou a caneta do bolso.
– É presente, pode ficar com ela – disse o sr. Veríssimo. – Creio que será de grande utilidade, você se saiu muito bem a usando naquele dia.
– Obrigado – agradeceu Joui meio confuso e guardou novamente a caneta.
– E aí, quais são suas apostas para os outros dois? – perguntou Agatha.
– Joui é do Chalé 10, tenho certeza – disse Thiago, convencido.
– Eu aposto que o Cesar é do Chalé de Nêmesis – disse Elizabeth.
– É a cara do Cesar – concordou Agatha.
– Do que vocês estão falando? – perguntei já impaciente.
– Não se preocupe, tudo será explicado – disse o sr. Veríssimo.
– Como estava dizendo antes, o que vocês não poderiam saber é que as grandes forças em ação de nossas vidas, as forças chamadas de deuses gregos, estão muito vivos.
Olhei para os outros em volta da mesa. Esperei que alguém risse e dissesse o quanto aquilo era absurdo.
– Que descolado! – Joui exclamou.
– Isso explica muita coisa… – Arthur concluiu pensativo.
– Gente? – disse incrédulo. - Não podem estar falando sério, vocês realmente acreditaram nisso?
Eles disseram que sim.
– Ah, é... Cesar, né? – Thiago colocou a mão em meu ombro. – Você está se sentindo bem?
– Tô ótimo – disse eu em um tom sarcástico. – Vocês estão dizendo que existe algo como Deus e todo mundo está achando normal, nunca me senti melhor.
– Bem, vamos lá – disse o sr. Veríssimo. – Deus, com D maiúsculo. Isso é outro assunto, não vamos lidar com o metafísico.
– Metafísico? Mas você estava falando sobre...
– Ah, deuses no plural, grandes seres que controlam as forças da natureza e os empreendimentos humanos: os deuses imortais do Olimpo. Essa é uma questão menor.
– Menor? – disse eu.
– Sim, muito. Os deuses que discutimos na aula de latim.
– Zeus – disse eu. – Apolo, Afrodite... Dizer esses deuses?
Uma trovoada distante percorreu.
– Rapazinho – disse o sr. D – Se eu fosse você, seria mais negligente quanto a ficar soltando esses nomes por aí.
– Mas essas histórias são... mitos, para explicar os relâmpagos, as estações e tudo o mais – disse eu. – Era no que as pessoas acreditavam antes de surgir as ciência.
– Ciência! – sr. D zombou. – Então me diga, Cesar Oliveira Cohen – me encolhi quando ele disse meu nome completo. – O que as pessoas pensarão da sua "ciência" daqui a milhares de anos, hum? Irão chamá-la de baboseiras primitivas, é isso que vão pensar. Ah, eu adoro os mortais... Eles não têm a menor noção de perspectiva, acham que já chegaram tãããão longe. E chegaram, Veríssimo? Olhe para esse menino e me diga.
Eu já não estava gostando muito do sr. D, mas havia algo no modo como ele me chamou de mortal, como se ele não fosse, foi o bastante para me dar um nó na garganta.
– Cesar, você pode escolher acreditar ou não, mas o fato é que imortal significa imortal – disse o sr. Veríssimo. – Pode imaginar isso por um momento, não morrer nunca? Existir, assim como você, por toda a eternidade?
Eu estava prestes a responder, sem nem pensar, que parecia muito bom, mas o tom de voz de sr. Veríssimo me fez hesitar.
– Você quer dizer, quer as pessoas acreditem ou não – disse eu.
– Exatamente – Veríssimo concordo. – Se você fosse um deus, gostaria de ser chamado de mito? E se eu contasse a você, Cesar Cohen, que um dia as pessoas vão chamar você de mito, criado apenas para explicar abandono parental?
Ele estava tentando me deixar bravo por alguma razão, mas eu não ia permitir isso.
– Eu não ia gostar disso, mas não acredito em deuses.
– Oh, é melhor mesmo – murmurou o sr. D – Antes que um deles o incinere.
– Por favor, senhor, ele acabou de chegar – disse Thiago. – Ainda está em choque.
– Ruim mesmo é estar confinado a esse trabalho deprimente com meninos que nem mesmo têm fé! – resmungou sr. D.
Ele acenou e uma taça apareceu sobre a mesa, como se a luz do sol tivesse momentaneamente se encurvando e transformando o ar em vinho. A taça se encheu de vinho tinto.
Meu queixo caiu, Joui e Arthur não pareciam estar tão diferentes de mim. Elizabeth, Agatha e  Thiago mal ergueram os olhos.
– Sr. D, as suas restrições – Veríssimo o advertiu.
O sr. D olhou para o vinho e fingiu surpresa.
– Hora, vejam. – ele olhou para o céu e gritou: – Velhos hábitos, desculpe!
E então acenou outra vez e a taça de vinho se transformou em uma lata de coca diet. Ele suspirou, infeliz e abriu a lata.
Sr. Veríssimo piscou para mim, o encarei em busca de alguma explicação.
– O sr. D irritou o pai dele tempos atrás, se sentiu atraído por uma ninfa dos bosques que tinha sido declarada inacessível.
– Uma ninfa dos bosques – repetiu Joui, parecia estar concentrado em tudo que Sr. Veríssimo falava.
– Sim – sr. D confessou. – O pai adora me castigar, na primeira vez, Proibição. Horrível! Dez anos absolutamente terríveis! Na segunda vez, ele me mandou para cá, Colina Meio-Sangue, acampamento de verão para pessoas como vocês. "Seja uma influência melhor", ele me disse. "Trabalhe com os jovens em vez de arrasar com eles." Ah! Que injustiça.
– E... O seu pai é… – Arthur gaguejou.
– Di immortales, Veríssimo, pensei que você tinha ensinado o básico para esses meninos – disse sr. D. – Meu pai é Zeus, é claro.
Repassei os nomes que começam com D da mitologia grega. As coisas começaram a se encaixar. Vinho, a pele de trigre…
– Você é Dioniso – disse eu. – O deus do vinho.
O sr. D revirou os olhos.
– Como os jovens dizem hoje em dia, Elizabeth? "fala sério"?
– Sim, sr. D.
– Então, fala sério. Achou o quê? Que eu fosse Afrodite?
– Você é um deus.
– Sim, moleque.
– Um deus. Você.
Ele se virou para olhar para mim diretamente para mim, vi uma espécie de fogo arroxeado nos seus olhos, um indício de que aquele homem reclamão só estava me mostrando uma minúscula parte da sua verdadeira natureza. Tive visões de vinhas estrangulando descrentes até a morte, guerreiros bêbados insanos com o entusiasmo da batalha, marinheiros gritando enquanto suas mãos se transformavam em nadadeiras, os rostos alongando em focinho de golfinho. Eu sabia que se o pressionasse  sr. D iria me mostrar coisas piores até me levar a loucura.
– Gostaria de me testar, moleque? – disse em voz baixa.
– Não. Não, senhor.
O fogo diminuiu um pouco. Ele ficou de pé.
– Estou cansado – disse o sr. D – Acho que vou tirar uma soneca antes da cantoria desta noite. Mas primeiramente, Agatha, precisamos conversar sobre seu desempenho desastroso na missão.
O rosto de Agatha cobriu-se de gotículas de suor.
Sr. D se afastou para dentro da casa, com Agatha o seguindo arrasada.
– A Agatha vai ficar bem? – Arthur perguntou.
Veríssimo assentiu, embora parecesse um pouco perturbado.
– O velho Dioniso não está realmente bravo. Ele apenas detesta seu trabalho. Ele foi confinado a Terra e não aguenta mais esperar mais um século antes de ser autorizado a voltar para o Olimpo.
– O Monte Olimpo – disse Joui – Vocês estão dizendo que ele realmente existe?
– Bem, tem o Monte Olimpo na Grécia e tem o lar dos deuses, o ponto de convergência dos seus poderes, que de fato costumava se chamar Monte Olimpo – Veríssimo contou. – Ainda é chamado de Monte Olimpo, por respeito às tradições, mas o palácio muda de lugar, assim como os deuses.
– Você quer dizer que os deuses gregos estão aqui? – perguntou Arthur. – Tipo... Nos Estados Unidos?
– Sim, os deuses mudam com o coração do Ocidente.
– Quê? – perguntei.
– O que vocês chamam de "civilização ocidental". Você acha que é apenas um conceito abstrato? Não, é uma força viva. Uma consciência coletiva que. Os deuses são parte dela. Você pode até dizer que eles são sua fonte ou, pelo menos, que estão ligados tão fortemente a ela que possivelmente não vão deixar de existir, a não ser que toda a civilização ocidental seja destruída. A chama começou na Grécia, depois se mudou para Roma, e assim fizeram os deuses. Com nomes diferentes talvez: Júpiter em vez de Zeus, Vênus em vez de Afrodite, e assim vai; mas são as mesmas forças, os mesmos deuses. Onde eu quero chegar é: aqui é o Olimpo. E nós estamos aqui.
Aquilo tudo foi demais para mim, especialmente o fato de que eu parecia estar incluído no nós de Veríssimo, como se fossemos do mesmo clube.
– Quem é você, sr. Veríssimo? Quem... quem somos nós?
Ele sorriu.
– Quem é você? Bem, essa é a pergunta que todos queremos ver respondida, não é? Mas acho que vocês todos saberão até o jantar, Arthur já tem a resposta. Joui e Cesar, logo vocês irão receber um sinal também – disse Veríssimo. –  Agora, vão com Liz e Thiago conhecer os outros campistas.
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Sim, eu pulei o Joui, só percebi depois que já tinha escrito.
Desculpe se ficou chato as partes do Veríssimo e do sr. D explicando como funciona o universo, eu precisava introduzir essa parte para quem nunca leu Percy Jackson.
Quem vocês acham que são os pais olimpianos do Joui e do Cesar? E o que vocês acharam do Arthur ser filho de Apolo?

O Segredo No AcampamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora