Arthur - Cidade Viva

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Depois de sairmos da casa do Doutor, Ferreiro disse que nos levaria para visitar a Taverna, nós o seguiamos um pouco distantes para conseguirmos conversar sem sermos ouvidos.
– Ô rapaziada, eu acho que independentemente do que tá rolando nessa cidade, a gente tem que roubar uns dez quilos desse cristal – brincou Thiago.
Liz ainda estava indignada com o que tinha acabado de acontecer, ela estalava os dedos no ouvido que Thiago havia perdido a audição.
– Consegue ouvir? – perguntou ela.
– Perfeitamente – disse Thiago.
– Aquilo foi incrível! – disse Beatrice. – Essa cidade é incrível.
– Não, não podemos nos deixar levar pelas coisas boas – disse Liz. – Ainda tem muita coisa estranha sobre esse lugar.
Conforme andávamos, eu via o quando a fauna e a flora de Santo Berço eram incomuns: pássaros com quatro asas, bicos longos e azuis, alguns eram tão pequenos que pareciam insetos. As árvores continuavam no mesmo padrão que havíamos começado a ver na floresta: galhos retorcidos, folhagem colorida e troncos em espiral.
– Gente, olha só esses pássaros, eles são bem... exóticos... – disse eu.
– Por Afrodite, como é que funciona a aerodinâmica daquele bicho ali? – Thiago apontou para o que parecia ser um jabuti voador. – Como é que ele voa com esse casco?
– Santo Berço sempre nos agracia com criaturas novas e surpreendentes todo dia – disse o Ferreiro sorrindo.
– Eu nunca vi aves como essas – Beatrice observava os animais com curiosidade.
– Porque você não deixa o urutau com o resto desses pássaros? Ele vai ser feliz aqui – sugeriu Dante.
Beatrice acariciou o pássaro que ainda estava em seu ombro.
– O Orpheu não vai ficar para trás – disse ela.
– Ótimo, agora ele tem nome – disse Dante.
Ri da situação.
– Agora já era Dan, o Orpheu faz parte da equipe – disse eu.
O loiro chegou mais perto de mim.
– Você não acha um pouco estranho o comportamento daquele pássaro? – perguntou ele. – Ele não cantou nenhuma vez até agora, ficou quietinho junto da Bea...
– Sim, é meio estranho mas não tem muito o que possamos fazer – disse eu. – Tem muita coisa acontecendo nesse momento, acho que o passarinho é o menor dos nossos problemas.
Dante tirou uma mecha da frente de seu rosto.
– Acho que você tem razão – disse ele. – Esse lugar é coberto de magia, a vegetação, os animais... eles sofreram algum tipo de mutação, acho que é o mesmo que acontece para seres humanos se tornarem daquele jeito.
– Por isso que o Ferreiro disse que isso vai acontecer conosco também com o tempo – disse eu. – Provavelmente você vai se tornando parte desse lugar quando mais tempo passa aqui.
Dante concordou.
– E mais uma coisa, não sei se você percebeu, mas os luzidios insistem bastante na ideia de que aqui é um lugar perfeito e que iremos querer ficar – disse ele. – Acho que eles estão em algum tipo de transe. Essa cidade parece ser viva de certa foma, como se ela fosse te consumindo aos poucos.
– Agora que vocês estão em Santo Berço, provavelmente vão passar bastante tempo na Taverna já que é lá que todo mundo vai para conversar, comer e beber – ouvi o Ferreiro dizer. – É um dos pontos principais da cidade.
– Gente – chamou César. – Eu acho que não deveríamos nem comer nem beber nada daqui.
– Mas a gente não vai passar a noite na cidade? – perguntou Beatrice. – Não temos para onde ir.
– A Bea-San tem razão – disse Joui. – Não vai adiantar nada sairmos daqui morrendo de fome e sede.
– Mas não sabemos se é seguro – disse Cesar.
– Nós temos que investigar a cidade – disse eu. – Assim que encontrarmos alguma informação, saímos sem pensar duas vezes, mas por enquanto, temos que passar confiança para eles, não vai adiantar nada se perceberem que estamos desconfiando de tudo.
Chegamos em frente de uma casa um maior do que as outras, entramos pela grande porta dupla de madeira.
A Taverna me lembrou aqueles bares de filmes medievais, apesar disso, o ambiente era bem agradável, cristais de fogo iluminavam o local dentro de candelabros. Atrás do balcão, tinha um homem baixinho e careca limpando algumas coisas.
Logo em frente, dois homens bem sujos e cheios de calos conversavam.
Todos nos deram as boas vindas.
– Bem vindos a Santo Berço! – disse um homem com capacete de mineração.
– Ferreiro! – disse um dos homens em frente ao balcão. – Eles são os semideuses?
– São eles mesmos – disse o Ferreiro.
– Sejam bem vindos a Santo Berço, eu sou o Minerador – ele se apresentou.
Nós nos apresentamos a ele. Em seguida, um senhor baixinho se aproximou.
– Bem vindos a Santo Berço – disse ele nos encarando.
– Obrigado – agradeci.
– E o que é isso aí? – ele apontou para nós.
– Isso o quê? – perguntou Joui.
– Que roupas são essas? – perguntou o senhor.
– Não vai me dizer que você é o estilista... – disse Thiago.
– Na verdade, eu sou o Tecelão – disse ele. – E vocês precisam trocar de roupa urgentemente agora que vocês estão aqui.
– Ah, não muito obrigado, estou bem assim – Cesar se apressou em dizer.
– É claro que não está! O que é isso? – ele apontou para as roupas do cabeludo.
– A blusa do Acampamento Meio-Sangue, não tem nada de errado com ela – disse Cesar.
– Essa combinação está completamente tosca. – disse o Tecelão.
Cesar estava com uma blusa de gola alta por baixo da camiseta e um molenton por cima de tudo.
– Mas tá frio – disse Cesar.
– Não tá não, nunca faz frio em Santo Berço – disse o Tecelão.
– Mas eu tenho medo de sentir frio, prefiro ficar com minhas roupas mesmo... – disse Cesar.
– Opa! Bem vindos a Santo Berço! – disse o moço de trás do balcão. – Vão querer alguma coisa? Hoje é dia de provação, temos que aproveitar.
– Você precisam de ajuda para levar as coisas até o bosque? – perguntou Joui.
– Relaxa, a gente só vai levar as últimas caixas – disse o Minerador.
O Tecelão se aproximou de Joui, pegou uma fita métrica de seu bolso e começou a tirar medidas do asiático.
Ele olhou para mim confuso.
Eu dei de ombros.
– Fica parado – disse o Tecelão.
– Ok... – Joui deixou o senhor continuar apesar de parecer desconfortável.
– Perfeito, já sei exatamente o que fazer – o Tecelão se virou para Thiago. – Sua vez.
– Tá bom... – Thiago o deixou tirar suas medidas.
– Tecelão, não é melhor fazer isso outra hora... – Taverneiro foi interrompido pelo senhor.
– Fica quieto, deixa eu fazer o meu trabalho enquanto você faz o seu, tá bom? – e se virou para nós novamente. – Próximo!
Joui me deu um empurrão.
– Vai lá, Arthur-San.
Me senti um pouco desconfortável quando o Tecelão apertou meus ombros e passou a mão pelo meu peitoral.
– Senhor?
– Já sei exatamente o que fazer aqui – disse ele. – Agora vira de costas.
– Joui... – chamei ele apreensivo em fazer aquilo.
– Tá tudo bem – ele abriu um sorriso gentil.
No final, até Cesar deixou o senhor tirar suas medidas.
– Você pode até fazer mas eu não vou usar – disse o cabeludo.
– Até parece que você vai resistir – disse o Tecelão enquando passava a fita métrica pela lateral do corpo dele.
– Bom, eu só precisava fazer umas notas mentais mesmo – disse o Tecelão.
– Nota mental para nós: nunca mais deixem senhores tirarem suas medidas – cochichou Dante.
– Você está bem? – perguntei.
– Senti meus limites sendo violados – disse Dante.
Eu acariciei os cabelos do loiro como vi Beatrice fazendo algumas vezes.
– Minerador, Taverneiro, Ferreiro, Ajudante – chamou o Tecelão. – Eu vou encontrar vocês lá no bosque.
– E vocês... – disse o senhor para nós. – acho que amanhã eu já vou ter algo preparado. Vão receber no hotel provavelmente, tchau.
O Tecelão foi embora da Taverna com uma cerveja na mão enquanto murmurava algo sobre medidas e tecidos.
– Me desculpem – disse o Ferreiro. – Toda vez que tem novos ignaros ele fica super empolgada por que vai ter uma nova obra de arte.
– Vocês vão querer alguma coisa na Taverna antes de ir para o bosque? – perguntou o Taverneiro.
– Eu! – disse Ajudante. – Manda aquele...
– Manteiga na manteiga, né Ajudante? – disse o Taverneiro sorridente.
– Isso! Manda aí! – respondeu o Ajudante.
– Quantas? – perguntou o Taverneiro.
– Oito, uma para cada um dos novos ignaros, já que eles nunca experimentaram – disse o Ajudante.
– Ok, ok – o Taverneiro pareceu empolgado. – O Garçonete!
Uma moça segurando uma bandeja se aproximou.
– Pois não? Bem vindos a Santo Berço! – disse ela.
– Fala para o Cozinheiro fazer oito manteigas na manteiga – disse o Taverneiro.
– Tá bom – a Garçonete passou por trás do balcão e entrou em uma portinha.
– Quanto é? Nós podemos pagar individualmente... – começou Joui.
– Não tem preço, tá achando que aqui a gente paga pelas coisas? – disse o Taverneiro rindo.
Nós nos sentamos na mesa mais próxima do balcão, não demorou muito até a Garçonete voltar.
Ficamos meio receosos no começo, mas estávamos com bastante fome, acabamos experimentando.
– Liz-Sempai, prova só um pouquinho, você vai adorar – disse Joui.
– Tá bom – ela pegou um pouco com a colher se dando por vencida.
– E ai? – perguntou Thiago.
– Essa foi a coisa mais gostosa que eu já comi em toda minha vida – disse ela. – Parabeniza o Cozinheiro depois por mim.
O sabor era muito peculiar mas de um jeito bom, era até difícil explicar a sensação, só sei dizer que definitivamente aquilo não podia ser apenas manteiga.
– Eu sabia que vocês iam gostar – disse o Ajudante muito animado.
Apesar de estarmos em um momento de descontração, não conseguia parar de pensar em como tudo parecia tão estranho ao mesmo tempo que, pelo jeito que os luzidios falavam, parecia que estava tudo bem.
– Seu Ferreiro – chamei ele. – Porque os animais e as plantas que nos vimos tem aquela aparência? Eles mudam quando entram em contato com a cidade?
– Santo Berço é especial de várias maneiras – disse o Ferreiro. – Vocês já devem ter percebido que muitas coisas não são as mesmas do resto mundo. A comida, a fauna, a flora e a noite também não é a mesma.
– Entendi – me virei para Joui e cochichei – Não entendi nada.
Ele riu.
– Eu também não.
– Quando estiverem prontos, nossa próxima parada é a fazenda – disse o Ferreiro.
– Ah, vamo então – disse Cesar.
– Já? Não vão comer mais nada? – disse o Ferreiro.
– Não, estamos satisfeitos, obrigada – disse Beatrice.
Ao sairmos da Taverna, consegui ver uma estátua de um homem logo em frente ao labirinto. Nos aproximamos ela.
– Ah, claro – disse o Ferreiro. – Essa é uma das estátuas dos Cinco Guardiões, tem outras quatro dessas ao redor do labirinto.
– O que? – perguntou Cesar.
– Eles são a única lenda fixa de Santo Berço – explicou o Ferreiro. – Por algum motivo, existem essas estátuas e a lenda diz que elas representam os cinco fundadores da cidade, eles foram os únicos que chegaram no centro do labirinto e esperam por aquele que consegueria se guiar e encontrá-los. É só uma história que contamos para as crianças.
– Então essas estátuas já estão aí desde antes do senhor? – perguntou Dante.
– Sim, bem antes de eu vir morar aqui – disse o Ferreiro.
Dante olhou para o local com a testa franzida.
– Está vendo alguma coisa? – perguntei para ele.
– Só a entrada – ele me puxou para mais perto e sussurrou. – Eu posso fazer um ritual para saber se tem algo mágico lá dentro, mas não é nada sutil, precisamos entrar no labirinto.
– Eu e o Dante podemos entrar lá? – perguntei para o Ferreiro.
– Claro – disse ele.
– Alguém mais quer ir? – perguntou Dante.
– Eu vou – disse Beatrice.
– Eu também quero ir – disse Joui.
– Se o Jojo vai, eu vou – disse Thiago.
– Não, muito obrigado – disse Cesar.
– Eu vou ficar aqui com o Cesinha – disse Liz.
Ao fazermos a primeira curva no labirinto, percebi que estávamos literalmente andando em círculos, o local era composto por curvas circulares. Passamos no mínimo uns vinte minutos andando sem rumo.
– Olha, uma coisa que meu pai sempre me disse: se você se perder em um labirinto siga a parede da direita que uma hora você vai achar ou a saída ou o centro – disse Thiago.
– Vamos seguir o conselho do pai do Thiago-Sensei, direita sempre – disse Joui.
– Gente, nós queríamos trazer vocês aqui porque o Dante disse que consegue enxergar coisas mágicas e precisava que ficassemos sozinhos para fazer o ritual – expliquei.
– Não podemos ficar aqui bobeando – disse Dante com seu livro em mãos. – Se eles estiverem escondendo alguma coisa, é melhor descobrimos o mais rápido possível.
Nós paramos um pouco, Dante fechou os olhos e segurou em seu colar, quando os abriu, um brilho amarelo emanava de suas orbes.
Ele apertou um pouco o livro.
– O que foi? – perguntou Beatrice.
– Vamo sair daqui – Dante começou a andar, o brilho amarelo de seus olhos se apagou.
– O que você aconteceu? – perguntei.
– Primeiramente, tudo nessa cidade é paranormal – disse ele. – Eu não consegui ver direito, mas no centro do labirinto não tem uma coisa muito agradável.
– Como assim? – perguntou Joui.
– Santo Berço realmente é uma cidade viva – disse Dante. – tem alguma coisa de certa forma controlando tudo, ou no mínimo está conectada a esse lugar. Podemos ir embora?
– Claro – disse eu. – Por onde, agora?
– Vamo dar meia volta e continuar pela direita que uma hora a gente acha a saída, se preocupa não, nerdinho – disse Thiago.
Seguimos o plano de Thiago, na primeira curva a direita, já achamos a saída.
– Ué? A gente tinha ido tão longe... – disse Beatrice.
– Eita porra, não tô gostando nem um pouco disso daqui... – disse Thiago.
– Dante-Kun, você está bem? – Joui o olhou preocupado.
– Eu... sabia que esse lugar tinha alguma coisa muito errada, mas não podemos sair de novo sem saber onde ir... o Porteiro parecia saber de alguma coisa a mais, talvez se conversarmos com ele, obtenhamos alguma resposta – disse Dante.
– O Ferreiro também, você viu o jeito que ele se portou com o Porteiro quando ele falou da Máscara do Desespero? – disse Joui. – Eles estão escondendo alguma coisa que possa nos ajudar.
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Espero que estejam gostando da au, até o próximo capítulo ❤️

O Segredo No AcampamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora