Joui - Cão Infernal

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Fizemos a curva a direita para sairmos do labirinto, conseguia ver Liz acenando para nós.
– E aí, porra – disse Cesar ao chegarmos. – Demoraram duas horas.
– Você é um exagerado – disse eu. – Não foi tanto tempo assim.
– Mas e o que tem lá dentro além de planta? – perguntou Liz.
– Névoa – disse Thiago. – E mais planta.
– O que vocês ficaram fazendo lá para demorarem tanto? – perguntou Liz.
– Andando, tentando achar o centro – mentiu Beatrice. – Só foi querermos voltar que deu cinco segundos e encontramos a saída.
Eu odiava ter que mentir para eles mas, com o Ajudante e o Ferreiro por perto, não tínhamos outra escolha a não ser deixar para conversar sobre isso mais tarde.
– Agora vocês conhecem o Labirinto Infinito – disse o Ferreiro. – Isso acontece com todos, ninguém sabe como chegar no centro, mas a partir do momento que quer sair, você simplismente vira as costas e sai.
Ao Ferreiro terminar a frase, a Névoa de dentro do labirinto começou a se expandir por toda a cidade como um vento.
– O que é isso? – perguntou Dante.
– Algum do vocês usou fogo lá dentro? – gritou Ferreiro.
– Não! Porque faríamos isso? – disse Beatrice.
– A noite chegou cedo demais, não era para isso acontecer agora – explicou o Ferreiro.
– Temos que ir para a fazenda, agora – Ferreiro começou a subir na estrada.
– Eu tenho que voltar para ferraria terminar de arrumar as coisas – disse o Ajudante correndo na direção oposta a nossa.
– Isso, vai ajudar as pessoas! – disse o Ferreiro.
Subimos rapidamente em direção a fazenda, os trabalhadores estavam desesperados tentando empurrar os animais de volta para o celeiro.
– Senhor Ferreiro, tem alguma coisa que possamos fazer para ajudar? – perguntei.
– Sim – disse ele. – Ajudem a colocar os animais para dentro, rápido.
Assim fizemos, entramos do local as pressas, consegui colocar algumas galinhas para dentro. A distância, ouvi um sino soando do alto da Torre do Porteiro, e então, vi a silhueta de um cachorro enorme no meio da Névoa.
Quando ele chegou mais perto, pude ver claramente que tipo de criatura era.
– Um cão infernal! – disse eu.
Ele veio correndo em minha direção, provavelmente ele teria me matado se Ferreiro não tivesse esmagado sua cabeça, o transformando em pó instantaneamente.
– Obrigado, senhor Ferreiro... – agradeci.
– Ainda não acabou – ele apontou para mais duas silhuetas de cachorros vindo em nossa direção.
Os animais pareciam ignorar a existência dos fazendeiros, eles vinham reto para cima de nós.
Destampei minha katana e me preparei para lutar. Os moradores de Santo Berço gritavam e corriam para suas casas.
– Gente, vocês tão querendo mesmo sair na mão com um bicho desses? – ouvi Cesar gritar. – Vamo sair daqui!
Eu teria o respondido se um dos cães não tivesse me atacado primeiro.
Consegui o golpear com a parte chata da minha espada, ele ficou um pouco atordoado, mas sabia que isso não duraria muito tempo.
– Pessoal! – gritou Thiago. – Tem mais alguma coisa vindo, e não parece estar muito feliz, não! Vamo meter o pé!
Olhei na direção em que ele estava, algo parecia se misturar a Névoa, como se fosse feito da mesma coisa que ela.
Quando percebi, ao meu lado, Ferreiro havia esmagado a cabeça do segundo cão infernal que estava me atacando.
– Se vamos fugir, tem que ser rápido – Arthur disparou uma flecha no terceiro cão.
Ele conseguiu atrasá-lo um pouco com aquilo, mas se não fizessemos algo logo,  poderia facilmente nos alcançar.
Fiquei ao lado de Arthur, tínhamos que nos livrar do último monstro se quizessemos ter alguma chance de fuga.
O cão foi direto até Liz e Dante que estavam mais próximos.
Eles conseguiram desviar, Liz aproveitou para fincar uma de suas foices no monstro. Ele uivou de dor.
Senti o que parecia ser braços me segurando por trás, mas quando o puxei para frente, se desfez em fumaça e continuou me segurando com braço livre.
Enquanto isso, o cão infernal conseguiu atropelar o Ferreiro. Ainda bem que ele era bem forte, se fosse qualquer outro de nós, com toda certeza teria morrido na hora.
Arthur deu um soco em seja lá o quê estivesse me segurando, fazendo com que eu me libertasse.
Quando me virei, vi o que parecia uma silhueta bem fraca na Névoa, como se a própria fumaça tivesse criado vida. Consegui cortá-lo no meio, ele se desfez, voltando ao seu estado original.
Cesar se materializou em frente ao cão infernal e acertou seu olho com a funda. Ele pareceu ter ficado irritado mas, ao invés de partir para cima de Cesar, ele se virou para Beatrice.
Orpheu (como Bea chamou o seu urutau) finalmente saiu do ombro da garota e deu um rasante no monstro, fazendo com que ele errasse a mordida.
Corri para ajudá-los, mas senti algo de especto fantasmagórica atravessar meu corpo, era o mesmo fantasma de Névoa que havia me atacado anteriormente. Ele foi direto para Thiago a minha frente.
– Thiago-Sensei! – Tentei desferir um golpe no monstro com minha katana, mas passou reto como se só fosse mais Névoa.
Prontamente, o fantasma atravessou sua mão em meu braço e se solidificou. Pense em um cirurgião fazendo uma incisão em um paciente sem anestésico, acho que é o mais próximo que eu consigo descrever a sensação de como foi aquilo.
Enquanto isso, o cão infernal resolveu dar uma patada em Liz que ainda tinha sua foice enfiada nele. Ela pulou para trás, mas as garras no monstro a cortaram um pouco.
– Liz, cuidado! – Arthur atirou uma flecha na coxa do animal.
Senti a dor em meu braço se esvaindo minimamente, a forma fantasmagórica havia se dissipado, larguei a espada e pressionei minha mão contra a ferida, tinha muito sangue escorrendo.
– Você tá bem? – Cesar perguntou.
– Sim, obrigado – estiquei meu braço não atingido até o chão e peguei minha espada de volta.
Ouvi mais um uivou. Liz havia chutado a perna no cão, ele já estava começando a demonstrar sinais de fraqueza.
Ferreiro acertou um soco em seu focinho. Como ele não quebrou a cara naquele bicho é uma pergunta que eu não faço ideia da resposta.
Ele tentou morder Dante que estava agachado procurando algum feitiço em seu livro, mas Thiago se jogou em cima do loiro antes que o pior acontecesse.
Ferreiro conseguiu agarrar o monstro e o arrastar um pouco, se afastando de nós.
Arthur aproveitou para atacá-lo novamente, sua flecha ficou presa no pescoço no animal.
Vi Liz correndo para cima do monstro e então, atirar uma das foices com força, ela cravou bem no meio da testa do cão, que se desfez em pó. Ela sorriu vitoriosa e pegou sua arma de volta.
Thiago foi em direção a ela e a abraçou.
– Eu tô bem, só foi um arranhão, já estou acostumada com esse tipo de coisa, você sabe muito bem disso – disse Liz.
– Que bem o quê, aquilo era a porra de um cão infernal – Thiago a apertou no abraço. – Fiquei com medo de te perder.
Liz segurou o rosto do moreno e o beijou.
– Você nunca vai me perder.
– Joui! – Dante veio correndo em minha direção. – O que aconteceu com seu braço?
Depois que a adrenalina passou, senti aquela região latejando.
– Algum tipo de fantasma fez isso com ele... – disse Cesar.
– Deuses... ok, se acalma – Dante parceria ter dito aquilo mais para ele mesmo do que para mim. – Eu vou dar um jeito.
O loiro tirou sua mochila das costas, pegou um potinho e abriu seu livro.
Ele abriu o pote e despejou um pouco do conteúdo em sua mão, depois segurou meu braço delicadamente e soprou o que pareciam ser cinzas.
Senti um puxão, as cinzas cicatrizaram a ferida em um formato espiral.
– Vai ficar a cicatriz, mas pelo menos, não está mais naquele estado – disse Dante.
– Caralho, isso foi impressionante – Cesar passou a mão pela marca em espiral em minha pele. – É como se aquilo tivesse acontecido a meses.
– Você pegou bem o espírito da coisa – disse Dante guardando novamente seus pertences. – É um ritual de Envelhecimento Localizado.
– Obrigado – agradeci.
– Eu preciso mesmo te ensinar esse ritual o quanto antes... – disse o loiro.
Uma senhora alta saiu de dentro da fazenda e disse:
– O que aconteceu? A noite chegou do nada! – ela nos olhou – Ah, bem vindos a Santo Berço.
– Eu também estou tentando entender – disse o Ferreiro. – Ninguém usou fogo para ter vindo tão de repente...
– Gente, será que podemos ter essa discussão dentro de alguma casa? – disse Beatrice, Orpheu tinha voltado para seu ombro.
A senhora olhou para os lados.
– Ela tá certo – disse a senhora. – A gente vai ter que conversar outra hora, depois que a noite passar.
E voltou correndo em direção a sua casa.
– Eu preciso levar vocês para o hotel – disse o Ferreiro. – Não tem como ficar aqui por agora.
– Concordo – disse Arthur.
– Me sigam – o Ferreiro começou a andar a passos largos pelo caminho que viemos. – E cuidado, a cidade claramente não gostou de vocês. É normal a cidade não gostar de ignaros, mas isso nunca tinha acontecido desse jeito.
– Os irmãos precisam de armas para se defenderem – disse o Ferreiro. – Posso arranjar umas para vocês. Vamos para a Ferraria primeiro.
Enquanto andávamos, vi vários vultos de pessoas correndo, alguns terminavam de fechar suas casas, todos vinham da região do bosque e se espalhavam para suas moradias.
Ao chegarmos na casa do Ferreiro, entramos rapidamente.
Parei bruscamente ao olhar para o chão, nos deparamos com o corpo do Ajudante estirado e um símbolo em espiral desenhado em sangue ao seu lado. Ele estava completamente imóvel, caído de costas para nós, sua pele tinha tomado um tom pálido tão nítido que conseguia perceber mesmo sendo acinzentado.
Liz e Dante correram até ele. Liz checou seu pulso.
– Não sinto nada... – ela se afastou um pouco do corpo. – Sinto muito Ferreiro.
Dante virou o corpo de frente, sua garganta havia sido cortada, uma poça de sangue seco ficou manchado no piso de madeira.
– Ele morreu na hora... – disse Dante. – não tem nada que possamos fazer.
Ferreiro parecia desacreditado, ele olhava fixamente para seu aprendiz com um olhar sério.
– Esse tipo de crime costuma acontecer com frequência? – perguntou Liz.
– Isso nunca tinha acontecido antes... – Ferreiro deu alguns passos para frente lentamente. – Isso não faz sentido... quem faria uma coisa dessas?
Ele começou a andar de um lado para outro na ferraria.
Liz continuou em cima do corpo, o investigando. Ajudante morreu de olhos abertos, ele tinha uma expressão assustada no rosto.
Liz tirou de dentro de um kit de primeiro socorros em sua mochila um par de luvas azuladas, ela levantou o lábio superior dele, consegui ver da distância em que estava o sangue em seus dentes.
– Pessoal, tem um pouco daqueles cristais verdes na boca dele... – Liz parou repentinamente. – Espera aí.
Ela o arrastou um pouco mais para frente, assim se revelando uma mensagem também escrita em sangue "manancial".
– Gente, olha só... – disse Liz se virando para o símbolo. – Isso foi feito com muita precisão.
Di immortales... – disse Thiago.
– Espirais de novo... – disse eu.
– O quê? – perguntou Dante.
– O símbolo forma uma espécie de espiral – disse eu. – Nós já vimos tantas vezes coisas espiraladas aqui em Santo Berço...
– Espirais geralmente tem haver com morte – disse Dante. – É o símbolo de elemento de morte.
– Elemento de morte... – Beatrice repetiu a fala do irmão. – Isso é familiar para você, Cesar?
O cabeludo encarou o símbolo por um tempo.
– Não, nunca tinha visto, nem ouvido falar dessas coisas antes.
– Esse símbolo é de um ritual, mas não faço ideia do que ele faz... – disse Dante. – melhor não o tocarmos, não tem como saber se ainda está ativo e coisa boa com certeza isso não é.
O loiro chegou um pouco mais perto com cuidado.
– Todo ritual é constituído de símbolos, a combinação deles é o que faz um feitiço desses funcionar – explicou ele. – Magia por rituais é o único tipo que qualquer pessoa conseguiria fazer com um pouco de treino, tecnicamente, é o meio mais fácil.
– Como você sabe de tudo isso? – perguntou Arthur.
– A biblioteca da Nostradamos tem muitos livros de magia, eu passava a maior parte do meu tempo livre lá.
– Manancial... – mumurou Liz. – Será algum tipo de codinome do assassino?
Ela começou a andar pela cena do crime, não pareceu encontrar mais nada.
– O balcão – disse o Ferreiro. – Uma das facas sumiu.
– Como ela era? – perguntou Liz.
– Uma faça de combate média – disse o Ferreiro e se virou para Dante e Beatrice. – Vocês precisam de armas, ainda mais agora com um assassino a solta.
– Ok... – disse Dante.
– Que tipo de arma vocês querem? – perguntou o Ferreiro com um olhar vazio, a dor da perda devia estar consumindo sua mente.
Beatrice tentou esconder sua empolgação ao ouvir a pergunta.
– Você tem algo que eu não precise chegar perto para utilizar?
– Eu tenho arcos, fundas, bestas, balestras...
– Balestras? – quase vi um brilho nos olhos de Beatrice. – Pode ser uma dessas?
– Claro – ele escolheu uma com espirais entalhadas em laranja.
– Muito obrigada – ela agradeceu.
– E você feiticeiro? – perguntou Ferreiro.
– Ahn... eu? – Dante não parecia nem um pouco animado. – Você tem... uma adaga?
– Tenho várias. – ele puxou uma caixa e a colocou emcima do balcão.
Dante escolheu uma bem prateada e detalhada em azul e agradeceu o Ferreiro.
– Acho que eu sou melhor com magia do que com armas, mas pelo menos não precisarei esperar tanto para agir – ele comentou comigo. – Além do mais, pode ser útil para alguns rituais.
– Que tipo de ritual precisaria de uma adaga? – perguntei.
– Os que precisam de sangue – ele disse como se não fosse nada. –, ou os que precisam marcar o símbolo de alguma forma no alvo...
Arqueei minhas sobrancelhas.
– Uma vibe mais masoquista e afins – brinquei. –, não achava que você gostava desse tipo de coisa.
Dante riu.
– Que isso, Joui – disse Liz. – Você tá passando tempo demais com o Thiago e o Cesar, eles estão te influenciando.
– Relaxa, eu não uso esse tipo de coisa a não ser que for muito necessário – disse Dante. – Eu não gosto de ter que machucar ninguém, esses rituais costumam ser um pouco brutais, nunca usei precisei usá-los na verdade...
– Vamos ir para o hotel – disse o Ferreiro olhando para o corpo do Ajudante. – Agora é um péssimo momento, a gente não vai ter como lidar com isso agora, amanhã, quando a noite acabar, enterraremos ele.
Nós saímos da ferraria devagar. Ferreiro ficou por último e fechou a porta.
– É melhor irmos rápido, a noite vai piorar – disse ele. – Se vocês virem algum monstro, só continuem correndo, nesse ponto não dá mais para lutar.
Nós corremos em direção ao hotel. De dentro do labirinto, começaram a sair muitos monstros além do cão infernal. O que eu mais consegui ver foram aqueles fantasmas. Três deles alcançaram eu e a Liz, nos cercando, duas delas tentaram segurar Liz, mas ela conseguiu desviar a tempo, eu já não tive a mesma sorte, um deles me agarrou.
Tentei me soltar, mas não adiantou de nada, Liz voltou correndo para me ajudar, ela tentou tirar um dos "braços" da criatura de mim, mas não conseguiu mexer nem um cemitério.
– Gente, ajuda aqui! – gritou Liz.
Cesar correu e agarrou o outro braço do monstro, mas também não conseguiu. Thiago se juntou a nos e finalmente conseguimos me libertar, a criatura se dessipou.
– Corre, rapaziada! – gritou Thiago.
Quando mais avançamos, conseguia ver mais monstros saindo de dentro do labirinto e nos perseguindo.
Fomos em direção a um casarão de dois andares. Ao entrarmos, nos deparamos com um grande salão com um enorme tapete que cobria um balcão a nossa direita, no lado esquerdo, tinha uma mesinha e algumas poltronas ao redor dela, na parede haviam quatro quadros.
Atrás do balcão, um homem estava sentado.
– Ferreiro? Boa noite – o homem de pele cinza, cabelo comprido e duas faixas pretas subindo dos olhos para cima e uma curvando em seu rosto parecia entediado. – Bem vindos a Santo Berço, são os semideuses, certo?
– Sim, obrigado – disse eu.
– Hoteleiro, a noite veio mais agressiva hoje, Santo Berço não gostou nada da presença deles – disse o Ferreiro. – Precisam de um lugar para ficar, não está seguro lá fora.
– Ah, deixa comigo, Ferreiro – disse o Hoteleiro com um sorriso ladino. – Até parece que não me conhece, toda vez é isso, tá tudo certo.
Hoteleiro estava tranquilo e descontraído.
– Aconteceu alguma coisa? Você tá com a cara um pouco estranha – perguntou ele.
– Só... toma conta deles – disse o Ferreiro. – Boa noite.
Ele se virou, com o semblante sério, passou por nós e foi embora.
Olhei para Cesar, ele estava com as mãos nos joelhos, ofegante pela corrida.
Não segurei meu riso.
– Se você se alongasse e se exercitasse, não estaria quase morrendo de falta de ar – disse eu sorrindo.
– Não me venha agora com esses seus sermões – disse Cesar recuperando o fôlego.
– Opa! Bem vindos a Santo Berço, eu sou o Hoteleiro – se apresentou. – Eu cuido do hotel.
– E aí seu Hoteleiro – disse Arthur.
– Oi, senhor Hoteleiro, boa noite – disse Dante.
Cheguei mais perto dos quadros na parede: um deles é um homem com a cara fechada, usando uma blusa vermelha; o segundo tinha a pele cinza bem escura, era um pouco gordinho, tinha o cabelo raspado dos lados e um simpática sorriso no rosto; o terceiro quadro era de um homem com as sobrancelhas bem grossas e um semblante fechado, ele era careca, tinha uma cicatriz na cabeça e usava uma roupa bem preta; o último era do próprio Hoteleiro um pouco mais novo. Eram todas pinturas muito bem feitas.
– São pinturas muito bonitas, senhor Hoteleiro – elogiei.
– Obrigado – o luzídio agradeceu. – São os quadros de todos os hoteleiros que já cuidaram do hotel, aquele do meu lado é meu pai.
– O hotel é novo? – perguntou Liz.
– Novo, novo não é  – disse o Hoteleiro. – Deve ter uns duzentos anos.
Tinha algo de estranho com aqueles quadros...
– Liz-Sempai – chamei. – O Hoteleiro está em perigo.
– Porquê? – perguntou ela.
– Ele é o quarto hoteleiro! – disse eu.
– Joui – disse Liz rindo. – Tá tudo bem.
Ela fez um carinho nas minhas costas e foi em direção ao balcão.
– É claro que não está bem! – eu a segui.
– Vamo lá! – disse o Hoteleiro. – Nome? – ele apontou para Liz com uma caneta.
– Liz.
– Ok, eu tenho que ver os quartos... – disse o Hoteleiro. – Eu esqueci que vocês iam vim, tá tudo desorganizado.
– Não se preocupe, a gente não se importa com a bagunça – disse Beatrice, Orpheu mosdiscou o cabelo dela.
– Claro que eu me preocupo, é meu trabalho – disse o Hoteleiro. – Sete quartos, certo?
– Isso – confirmou Beatrice.
– Tá – ele endireitou a postura e passou a mão pelo cabelo. – Bem vindos ao hotel de Santo Berço! Vocês vão adorar a cidade, sempre serão acolhidos aqui, quando estiver de noite, ou no caso agora, eu recomendo que não saiam.
Ele parecia dizer uma fala pronta, mas apesar disso, estava ansioso.
– Esse hotel é um pouco diferente de outros que vocês já devem ter se hospedado, aqui nós temos algumas regras, já que certas coisas podem acontecer durante a noite, mas vocês vão se acostumar.
– Eu sabia – cochichei para Liz. – É culpa do quatro.
Ela me deu uma leve cotovelada.
– Primeiro de tudo – continuou o Hoteleiro. –, eu não recomendo ninguém ficar no mesmo quarto.
– Porquê? – perguntou Beatrice.
– Os quartos de duas camas estão todos muito sujos... – explicou o Hoteleiro envergonhado.
– Ah, mas não tem... – Beatrice foi interrompida pelo Hoteleiro.
– Vocês não tão entendendo, eles estão muito sujos, estão indisponíveis – ele pegou um amontoado de chaves. – Se quiserem me acompanhar, tenho que fazer um tour pelo hotel para explicar algumas regras, venham comigo!
– Joui... – Liz me chamou.
– Eu falei, ele é o quarto hoteleiro, tem alguma coisa errada aqui – murmurei.
– Eu concordo com você agora – disse ela.
– Liz-Sempai, eu vou na frente, me dá coberta – disse determinado em proteger a equipe.
Passamos por um corredor com portas númeradas começando do 100.
– Esses são os quartos que vocês vão ficar.
O quarto 101, que tinha uma fresta, se abriu mais um pouco, o Hoteleiro rapidamente fechou a porta, a batendo com tudo.
– Continuando, vocês vão ficar em quartos muito confortáveis que eu cuido com todo carinho – disse o Hoteleiro. – Aqui temos algumas regras importantíssimas: primeiro de tudo, se vocês ouvirem durante a noite uma música, é melhor não ir atrás dela, não vai ser tão legal assim e não vale a dor de cabeça que ela vai trazer para vocês depois.
– Quê? – disse Liz.
O Hoteleiro checou uma das portas do final do corredor, ele colocou a chave a destravando e travando novamente logo em seguida.
– Se por acaso durante a noite me ouvirem passando aspirador de pó pelos corredores, ignore e volte a dormir, Santo Berço não tem aspirador de pó e não vai ser eu lá também.
– Seria o quê exatamente, senhor Hoteleiro? – perguntei desconfiado.
Ele ignorou minha pergunta e parou em outra porta, bateu três vezes nela,  parou para escutar e continuou a nos guiar.
– Um coisa muito importante a lembrar é que em Santa Berço ninguém sonha, só um detalhe que as vezes as pessoas estranham – ele dizia enquanto subia um lance de escadas até o segundo andar.
– Como vocês podem ver, o hotel é sempre muito bonito e muito limpo.
As paredes de madeira eram iluminadas por luminárias com cristais vermelhos, os corredores eram bem longos. Hoteleiro nos fez apressar o passo ao passarmos por duas portas em específico, ele abriu a porta do canto superior direito revelando um quarto normal de hotel e olhou dentro.
– Ok – ele fechou novamente a porta. – E se durante a noite vocês ouvirem uma criancinha na porta batendo e perguntando se você é a mamãe dela... vocês não são a mamãe dela, não abre a porta.
Chegando na varanda, o Hoteleiro abriu a porta de vidro, a vista de cima me permita enxergar Santo Berço inteiro coberto pela Névoa.
– E aqui... – ele esticou os braços. – Seria Santo Berço se não fosse noite, mas durante o dia, garanto que é uma vista muito bonita da cidade.
– Bem vindos – o Hoteleiro nós entregou um a um as chaves para os quartos. –, fiquem a vontade e eu vejo vocês de manhã, se tudo der certo.
Hoteleiro voltou para o primeiro andar.
– Obrigado – verifiquei o número do meu quarto: 102. – Quem tá com o 104?
– Eu – disse Thiago.
– Thiago-Sensei, pede para trocar de quarto.
– De novo isso de quatro, Joui? Não tem problema não, meu querido.
– Tem problema, sim  – insisti. – Vai aparecer tudo que ele falou só na porta do seu quarto, tenho certeza.
Ele colocou a mão em meu ombro.
– Joui, descansa, estamos muito cansados, é melhor irmos dormir por hoje – ele falou tentando me acalmar. – Qualquer coisa, a gente está em quartos próximos, se der problema nós nos encontramos.
– Qualquer coisa, ele da um grito – propôs Arthur.
– Eu tô com mal pressentimento – disse eu. – Ele é o quarto hoteleiro...
– Ele deu um quarto pra gente... – disse Beatrice.
– É verdade Bea-San! – disse eu. – Eu vou dormir no saguão, é mais seguro.
– Aí, pronto, pra que foi falar... – Cesar segurou meu rosto em sua mãos. – Joui, na Nostradamos eu, você, Arthur e a Agatha formavamos um quarteto. Alguma coisa deu errado, por acaso?
– Sim, estamos aqui por causa disso – disse eu.
– Eu desisto – ele largou meu rosto.
– Relaxa, amigo, se alguma coisa acontecer, a gente grita – disse Arthur.
– Viu, Jojo? Vai ficar tudo bem, vamo ir dormir – Thiago passou por mim, indo em direção as escadas.
– Eu não gosto da ideia de ficarmos todos separados, mas acho que já causamos problemas demais por hoje – disse Liz. – Boa noite, pessoal.
Ela desceu junto do namorado.
– Você vai mesmo dormir com esse bicho no seu quarto? – ouvi Dante conversando com a irmã.
– Ei, o Orpheu é um ser vivo com sentimentos e necessidades, não vou abandoná-lo – disse Beatrice.
– Tá bom, toma cuidado – Dante acariciou os cabelos da mais nova. – Boa noite, irmãzinha.
Sorri vendo a cena e segui em direção as escadas.
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Boa tarde, pessoal, bom almoço pro cês. Acho que vou postar mais uns dois capítulos hoje 🥰

O Segredo No AcampamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora