Arthur - O filho de Hécate

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Depois de Hécate ter desaparecido em meio a Névoa, começamos a procurar a estante em que o livro de Agatha se encaixava. Eu e os meninos não nos lembravamos exatamente onde ela estava, mas eu sabia que era uma das estantes encostadas na parede do fundo. Não demorou muito até notarmos uma fileira com um espaço vazio entre os livros.
Cesar encaixou o livro de magia de Agatha da estante. Ouvi o mesmo "click" de quando havíamos fechado o bunker.
– Funcionou? – perguntou Thiago.
– Nos ajudem a empurrar a estante para o lado – disse eu.
Sem muito esforço, abrimos a passagem secreta. Mais névoa jorrou de dentro da entrada.
– Não estou gostando nada disso... – afirmou Liz.
O lance de escadas seguia para baixo, na completa escuridão.
– A passagem é estreita – observou Liz. – Teremos que passar um de cada vez. Estaremos bem vulneráveis.
– Deixa que eu vou na frente, minha querida – disse Thiago.
– Irei logo atrás de você – disse Liz.
– Eu vou no meio – disse eu.
– Eu fico por último – disse Cesar. – Alguém precisa vigiar nossas costas.
– Ok – disse Joui. –, eu vou atrás do Arthur, então.
Ao descermos, conseguia ouvir nossos passos nas escadas de madeira. Era o único som presente. Nossas lanternas eram as únicas fontes de luz do local. Desenbocamos em um longo corredor, a grande porta de metal no final da sala me chamou atenção. Existiam mais dois caminhos em lados opostos.
– Acho melhor deixarmos aquela porta por último – disse Liz.
Nós concordamos.
Seguindo um pouco mais adiante, paramos entre a bifurcação, agora conseguia ver mais duas portas em cada um dos dois caminhos.
– Por onde começamos? – perguntou Cesar.
– Direita – disse Joui. –, sempre comece pela direita.
Joe e suas superstições. Pensei.
Paramos em frente a uma das portas.
– Querem que eu abra, de novo? – perguntou Cesar. – Acho mais seguro.
Dissemos que sim.
– Ou... – disse Thiago. – eu podia meter o chutão na porta e sair correndo...
– Thi, já conversamos sobre isso, nada de chutar sem saber se é seguro – disse Liz.
– Tá bom... – disse Thiago.
Me encostei na parede contrária a porta e mirei em direção a ela. Liz e Thiago ficaram no lado esquerdo de Cesar. Joui ficou ao lado do cabeludo.
Me arrependi amargamente de estar em um ângulo que dava para ver a sala inteira. Um enorme símbolo estava desenhado na parede em vermelho escuro, e aquilo não parecia ser tinta. Presa por correntes, uma menina se debatia, ela estava completamente ensanguentada, cheia de cortes na pele cadavérica. O pior, foi que a reconheci, aquela era a Lina, uma menina da nossa sala.
Fiquei espantado demais para me mover.
– O que aconteceu com ela? – Joui entrou na sala.
– Não! Não chega perto! – Liz o o segurou antes que se aproximasse mais. – Ela não é mais humana, agora é um zumbi de sangue.
– Isso é bem pior do que eu imaginava... – disse Thiago. – seja lá quem estava nesse bunker, usou um ritual de assombração forçada, ela claramente está sofrendo. Nem depois de morta pode descansar.
– Quem é que faria uma coisa dessas? – perguntou Cesar.
– Não sei – disse Liz.
– O que podemos fazer? – perguntei. – Você disse que ela está sofrendo.
– Vamos libertá-la de toda essa dor – Liz pegou uma de suas foices. – Eu não olharia se fosse vocês, não vai ser uma cena legal.
Joui tapou os olhos; Cesar saiu da sala; Thiago ficou ao lado de Liz; eu me virei e encarei a parede, não aguentaria ver aquilo. Ouvi a voz estridente do que um dia já fora Lina soltar um grito final. Vi o mesmo pó que a benevolente havia se transformado ao morrer, cair no chão.
– Agora ela poderá encontrar o caminho para o Mundo Inferior – disse Liz.
– Ela não merecia isso – disse eu.
Liz analisava o cadáver.
– Ela foi torturada – concluiu Liz. – Talvez a pessoa que fez isso usou o sangue e o medo da garota para enfraquecer a membrana.
– O que é membrana? – perguntou Cesar.
– Os monstros nunca morrem de verdade, depois que os matamos, eles vão parar no Tártaro, a membrana garante que eles não sairão do Mundo Inferior tão facilmente. É uma força criada por seu pai, um tecido entre o mundo mortal e espiritual. Há brechas que fazem a membrana enfraquecer.
Me lembrei do que Agatha dissera sobre a Degolificada, foi por isso, então, que ela falou sobre o Tártaro. Mas... alguns coisa ainda não batia naquela história: porque Agatha estava ensanguentada quando nos encontrou se a Degolificada foi invocada? Ela entrou aqui antes... ela havia visto aquilo? Se viu, porque não contou para Veríssimo...
– Arthur? – chamou Joui. – Você está bem?
Contei no que estava pensando. Não queria desconfiar da minha melhor amiga, mas não podia negar que ela ainda estava omitindo informações.
– Deuses... – disse Thiago.
– Eu realmente não quero que isso seja verdade... – disse eu.
– Vamos continuar, ainda não temos informações suficiente para chegar a conclusões concretas – disse Liz.
Cesar respirou fundo.
– Ela tem razão.
Joui fechou a porta ao sair. O agradeci mentalmente, provavelmente iria perder a cabeça se visse aquilo de novo.
Consegui ouvir murmúrios vindo da segunda porta.
– Gente, estão escutando isso? – perguntei.
– Sim – disseram Liz, Cesar e Joui.
– Não – disse Thiago. – Eu sou surto de um ouvido.
– Bom, eu vou abrir a porta, se preparem – disse Liz.
Nós nos posicionamos.
A porta rangia conforme Liz a empurrava, quando a abrira completamente, um ser humanoide esquelético (provavelmente, já fora humano antes) tinha tatuagens espalhadas pelo corpo todo, ele segurou Liz pelos ombros e a encarou fixamente.
– Sai daqui! – Liz o chutou.
Ele cambaleou para trás e murmurou algo. A criatura foi se arrastando de volta para perto de Liz. A morena foi se afastando.
– Ele não parece que vai fazer algo de ruim – comentei.
– Verdade – disse Joui.
– Fazendo mal ou não, alguém segura ele aqui, eu não quero aquela coisa perto de mim – disse Liz.
Cheguei perto dele. Ele automáticamente se virou para mim, segurou em meu rosto e continuou murmurando.
– Viu? Ele não faz nada – disse eu. – O que faremos com ele?
– Vamos olhar a sala e, depois que terminarmos lá dentro, o trancamos de volta – propôs Joui.
– Mas e se eles tentar fazer alguma coisa? – perguntou Liz. – Não sabemos como é o comportamento desse monstro.
– Eu nunca vi nada parecido... – disse Thiago.
Cesar se aproximou, segurou no ombro da criatura e o virou para si. Ele fez a mesma coisa que estava fazendo comigo, sem nunca parar de murmurar.
– Não é uma ameaça – disse Cesar.
– Quê? – perguntou Liz.
– Ele não é uma ameaça... está sofrendo, implorando por ajuda, implorando para que o olhemos, ele só quer existir novamente – disse Cesar.
– Como sabe disso? – perguntou Joui.
– Eu só... consegui sentir isso, a alma dele ainda está presa a Terra, é como uma prisão dentro de seu próprio corpo... – disse Cesar.
– Que horror... – disse eu.
– Mais um torturado vítima desse lugar. – disse Liz.
– É melhor acabarmos com o sofrimento dele – disse Thiago com sua espada na mão. – Posso?
– Vai em frente, o sofrimento dele é terrível demais, será melhor assim – disse Cesar.
Fechei os olhos quando a espada de Thiago atravessou o corpo da criatura. Ela gritou, seus olhos e sua boca começaram a brilhar, logo depois, se transformou em pó.
Dentro da sala, tinham escritas em grego e latim pelas paredes e pelo chão,  eram as mesmas das tatuagens do monstro. Elas contavam histórias de terror. Lá só havia uma cadeira e, jogado no chão, uma máquina de tatuagem.
– Com toda a certeza a mesma pessoa que transformou Lina naquilo foi quem vez isso também – concluí.
– Sim... – conconrdou Liz. – para o próximo corredor?
Todos concordaram.
Saímos depressa, o que tinhamos acabado de presenciar foi chocante para todos nós. Caminhamos em silêncio até uma das portas. Não escutei nada vindo de lá de dentro, a abri  sem grandes preocupações.
Parecia com aquele canto na sua casa que você só guarda tralha, mas nesse caso, a tralha pertencia aos cenografistas de Jogos Mortais: eram armários cheios de instrumentos de tortura. Algumas coisas estavam com sangue já seco, indicando que já haviam sido utilizados a um tempo.  Fechamos a porta rapidamente e decidimos que não voltaríamos ali.
Passamos para a próxima porta.
– Posso abrir? – perguntei Joui.
Dissemos que sim.
Aquela seria uma sala de aula normal, se não fosse pelo homem deitado na carteira. Ao nos aproximarmos, percebi que o homem não era ninguém menos que Álvaro Augusto, o diretor. Liz verificou o pulso dele.
– Está morto – disse Liz.
Levei minha mão a até a boca. O que havia ocorrido naquele local?
Olhando ao redor, percebi que, ao lado da cadeira, estavam jogados uma arma e um papel.
Eu peguei o papel do chá e li o que estava escrito em voz alta.
– " Começou. O filho da magia tem consciência de quem é, os marcados logo chegaram. Kian sabe."
– Filho da magia? Quer dizer o Dante? É por isso que Hécate nós pediu para protegê-lo – disse Liz.
– Só pode ser – disse Thiago.
– Quem é Kian? – perguntei.
– Não faço ideia – disse Liz.
– Que tal a gente sair daqui? – disse Joui. – Já vimos tudo o que tinhamos para ver aqui.
Ninguém protestou.
Finalmente, haviamos chegado na última porta. Paramos um pouco a frente da bifurcação.
– Precisamos nos planejar – disse Liz. – Hécate vai nos ajudar, mas isso não garante nossa sobrevivência.
–  A Degolificada tentará nos manter longe – disse Thiago enquanto abria sua mochila e nos entregava esqueiros. –, vamos precisar de uma distração para conseguirmos chegar perto do corpo.
Thiago e Liz nos explicaram o plano.
– Prontos? – perguntou Liz.
– Sim. – eu e Joui dissemos juntos
– Não muito, mas fazer o quê – Cesar apagou sua lanterna.
Liz parou em frente a porta dupla junto de Thiago, os dois a empurraram devagar.
Ela estava no centro da sala, flutuando, de costas para nós,  não pareceu notar nossa presença, ela continuava caminhando em direções aleatórias, fazendo barulhos estranhos enquando se contorcia.
Cesar foi o primeiro a entrar no local escuro, apesar de eu não poder vê-lo, sabia que o garoto estava indo em direção ao verdadeiro corpo de Agatha.
Entrei mirando na criatura. Hécate cumpriu com o combinado, ela não nos enxergava, mas ainda poderia nos perceber através de seus outros sentidos a qualquer momento, por isso, nos mantivemos em silêncio.
Caso as coisas dessem errado, a deixa seria minha, não podia falhar.
Consegui ver o rosto de Cesar sendo iluminado com a luz da pequena chama do esqueiro. De repente, o monstro urrou e partiu para cima de Cesar.
–  Ei! Aqui! – disse eu e atirei a flecha.
Passou direto pelo corpo da criatura, ela estava mais interessada em fazer Cesar em pedacinhos do que devorar um arqueiro.
Engoli em seco. 
– Plano B! – disse Liz. – Foge! Cesar, sai daí!
– Não precisa pedir duas vezes – Cesar largou o esqueiro e saiu correndo.
A Degolificada foi atrás dele.
Cesar deu a volta pela sala ao invés de sair dela.
– O que você tá fazendo? – perguntei.
– Ela vai seguir vocês se eu sair – disse Cesar. – Vão na frente, eu alcanço vocês.
– De jeito nenhum – disse Joui. –, eu não vou deixar você para trás.
O cabeludo estava conseguindo se virar bem, sumindo e reaparecendo, a destraindo para que pudéssemos correr, o que pareceu ter deixado o monstro irritado, pois soltou outro grito.
Joui tirou da mochila o esqueiro que Thiago dera e a sacola em que Nathaniel havia entregado os sacos de dormir.
– O que vai fazer? – perguntei.
– Eu tive uma ideia. Só espero que dê certo – o asiático entrou na sala com o esqueiro na mão e o ascendeu.
– É disso que você está com medo?
A Degolificada se virou para Joui.
– Ótimo, então pode ficar com você.
Ele encostou a chama na sacola que começou a pegar fogo e a jogou para trás.
A criatura seguiu o fogo, ignorando completamente meus amigos e soltando um grito com um tom de desespero.
Joui segurou na mão de Cesar e o fez correr. Ele não resistiu.
Com essa deixa, me virei e segui para fora do bunker. Liz e Thiago estavam um pouco mais a frente de mim.
– Ela vai querer nos perseguir depois que resolver o problema do fogo – avisou Liz. –, apertem o passo.
– Vamos para fora da escola – disse eu. –, ela não vai nos seguir, está ocupada demais protegendo o corpo.
Todos concordaram.
Ao sairmos do bunker, Thiago pegou o livro da Agatha para fechar a porta.
Ouvi um grito ecoar de dentro da estante.
– Gente, a coisa ruim tá vindo e ela tá puta da vida, fechar isso aí e deixar aberto é a mesma coisa para um ser que é intangível – disse Cesar.
– Vocês três estão se virando melhor do que eu esperava – disse Liz.
– Amor, elogia depois e continua correndo – Thiago guardou o livro na mochila e voltamos a correr.
Ao sairmos da biblioteca, olhei para trás e vi uma Degolificada furiosa saindo do bunker.
– Quando foi que ela ficou tão rápida? – disse Thiago.
– Acho que a irritamos um pouco mais do que o recomendo – disse eu.
Corremos pelos corredores, a criatura estava na nossa cola.
Cada vez que eu olhava para trás, ela parecia mais perto de nós alcançar. Seguimos por uma bifurcação que nos levaria até o corredor principal, ao virar a esquina, olhei para trás novamente. A Degolificada estava com os cabelos eriçados em minha direção, com toda certeza que ela teria me alcançado se a janela mais próxima a nós não tivesse arrebentado. Os cacos de vidro se espalharam pelo chão, vi o que pareciam serem raízes se enroscando no cabelo do monstro e a puxando para trás.
– Por aqui! Rápido! – ouvi alguém dizer.
Olhei para o lado oposto da bifurcação. Um garoto alto e loiro segurava uma porta. Eu tinha certeza que ele não estava ali antes.
Olhei para o resto grupo mais a frente.
Liz disse:
– Como saberemos que podemos confiar em você?
– Acho que vocês não tem muitas opções – disse o loiro. – Ela pode se soltar a qualquer momento.
O garoto estava certo. Eu fui o primeiro a entrar, logo, o grupo me seguiu.
Depois de Thiago ter atravessado a porta, o loiro a fechara com certa força.
– Não se preocupem, ela não pode entrar aqui – disse ele.
– Como pode ter certeza? – perguntou Cesar.
– Magia de proteção – o garoto apontou para um canto do chão. Um símbolo estava desenhado com giz branco de lousa. –, enquanto estivermos aqui, ela não pode nos encontrar.
O loiro se aproximou de mim.
– Você está bem? Está ferido? – ele perguntou gentilmente.
– Estou bem. Obrigado por ter nos ajudado.
Ele sorriu docemente.
– Pessoas como nós tem que se ajudar – disse ele –, já é difícil o suficiente ter que fugir dessas... coisas o tempo todo.
Agora que o susto havia passado. Reparei no quando o garoto a minha frente era bonito. Seus cabelos loiros iam até um pouco acima da cintura, seus olhos azuis eram tão... intensos e mistérios, o fato de usar óculos parecia ser um charme a mais, sua pele branca contrastava com o leve rubor de suas bochechas.
Ele olhava para mim como se tentasse me analisar, mas não da mesma forma que Liz fazia. O garoto parecia me observar atentamente, como se quisesse tentar me entender, me estudar.  Seu olhar se encontrou com o meu. Ele parecia ser uma pessoa tão integrante... 
Desviei o olhar. Como eu poderia pensar essas coisas de uma pessoa que acabei de conhecer?
– Pessoas como nós... – disse Liz. – Você é o filho de Hécate!
Ele pareceu confuso.
– Hécate... a deusa grega da magia? – perguntou ele.
– Ah, eu achei que você soubesse. – disse Liz.
– Do que você está falando? – perguntou ele.
– E lá vamos nós... – Liz lhe contou sobre o mundo mágiço.
– Minha mãe é uma deusa? – ele parecia chocado.
– Sim – eu tentei acalmá-lo. –, ela nos pediu pessoalmente para achar você e te levar para o acampamento em segurança.
Ele me olhou e abriu um lindo sorriso.
– Minha mãe... está viva... – disse ele. – eu sempre achei que fosse órfão.
Senti um aperto no coração com a sua última fala.
– Seu nome é Dante, não é? – perguntei.
Ele assentiu.
– Como você se chama? – perguntou Dante.
Não sei porque, mas sorri ao ouvir a pergunta.
– Eu sou o Arthur.
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Finalmente, o Dante apareceu! Arthur é emocionadíssimo, acabou de conhecer o menino e já está cadelando ele.

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