Joui - Adeus, Velha Agatha

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Não foi nem preciso procurar por Dante, ele mesmo veio até nós, e nos salvou. Não imaginava que alguém que já tivesse conhecimento de seus poderes não saberia a verdade por trás disso, ainda mais alguém tão poderoso. No momento, estávamos presos em uma sala de aula, o único lugar em que a Degolificada não poderia nos achar.
– Jou – chamou Cesar. –, obrigado por ter me ajudado, se não fosse por você, eu provavelmente eu estaria morto.
– Ei, eu já te disse, nós somos melhores amigos, cuidamos um do outro – disse eu.
Cesar sorriu e suas bochechas tomaram uma coloração avermelhada. Percebi que isso vinha acontecendo com mais frequência quando ele estava perto de mim, não entendia o porque daquilo.
Me virei para falar com Dante e Arthur. Não podíamos nos dar o luxo de ficar lá dentro por tanto tempo, tínhamos um monstro para aprisionar de volta ao Tártaro.
– Então, você quer ser músico? – ouvi Dante perguntar.
– Sim! – Arthur o respondeu animado, se pudesse, ele falaria o dia todo sobre sua paixão por música. – Eu toco guitarra.
– Gostaria de ouvir você tocando um dia – disse Dante.
– Quando estivermos no acampamento, eu toco pra você.
Thiago riu da última frase de Arthur.
Sinceramente, me impressionei com a calma dos dois considerando que a Degolificada ainda estava a solta por aí.
Dante desviou o olhar para as janelas da sala.
– Está tudo bem? – perguntei.
Ele piscou e olhou para mim.
– Sim, é só que... estou preocupado... – disse ele. – é... Joui, né? Seu nome.
– Sim – respondi.
De repente, ouvi uma batida vindo de uma das janelas. Virei na direção do som e me surpreendi ao ver uma garota acenando para nós.
Dante correu para abrir a janela e ajudar a menina a pulá-la.
A garota fechou a janela novamente.
– Onde você estava? – perguntou Dante. – Fiquei preocupado.
– Despistei aquela coisa, a tirei de perto daqui – disse a garota. – Estão todos bem?
– Aham... quem é você? – perguntou Liz desconfiada.
– Essa é a Beatrice, minha irmã. Foi ela quem fez aquilo com as raízes das árvores – apresentou Dante.
– Obrigado pela ajuda – disse Thiago.
– De nada – disse Beatrice. – Agora, quem são vocês?
Nós nos apresentamos.
– Que estranho... Hécate não nos falou sobre sua irmã, só disse para te levarmos para o acampamento – contei a Dante.
– Mas ela pode vir conosco, não é? – perguntou Dante apreensivo.
– Claro que sim – disse eu. – Nenhum semideus fica para trás.
– Do que ele está falando, Dan? – perguntou Beatrice.
Dante explicou a irmã sobre a situação atual.
Ela arregalou os olhos.
– Ok, são informações demais...
– Bea, eles podem nos ajudar a lembrar – disse Dante. – São nossa única esperança de saber o que aconteceu...
– Como assim? – perguntou Arthur.
– Bem... nós não nos lembramos de antes de entrarmos no ensino médio. Simplesmente acordamos nos dormitórios sem lembrar de nada sobre nós além da escola e do orfanato. Só temos memórias soltas de alguns momentos aleatórios.
– Eu sinto muito – disse Arthur.
– Tudo bem, você se acostuma depois de um tempo a lidar com a frustração de não saber de nada sobre si mesmo – disse Beatrice segurando seu colar de lua.
Percebi que Dante usava um colar parecido, mas o dele tinha um sol desenhado.
– Vocês vieram para cá só para levar meu irmão até esse acampamento? – perguntou Beatrice.
– Bom, na verdade... vocês já viram bem até demais o monstro lá fora. Viemos derrotá-lo – contou Arthur. – Joui recebeu uma profecia que nos trouxe para cá...
– Arthur! Você nem conhece essas pessoas para os confiar algo do tipo. Além disso, sr. Veríssimo deixou claro que a missão é confidencial, ninguém mais pode saber – Liz o impediu de contar o resto.
– Olha para eles, você acha que fariam mal a alguém? – disse Arthur.
– Não, mas não podemos sair confiando em todo mundo dessa forma, ou já se esqueceu do último verso da profecia? – disse Liz.
Dante tirou seus óculos e limpou no uniforme.
– Olha, não podemos obrigar vocês a nos contar a história toda, mas pelo menos, nos deixem ajudar, então. Já nos envolvemos nisso de qualquer forma.
– Isso – concondou Beatrice. – Quando mais pessoas melhor.
– Não quando se é um semideus... – disse Liz. – estamos em sete agora. Sete semideuses no mesmo local, podemos acabar atraindo coisas piores do que a Degolificada.
– Dego... o quê? – perguntou Beatrice.
– É o nome do monstro que está nos perseguindo – disse eu.
– Liz, se sua preocupação é a possibilidade deles nos traírem, não sinto nada de ruim vindo deles – Cesar se pronunciou.
– Viu? – disse Arthur. – Se eles quisessem nos fazer mal, não teriam nem nos salvado.
– Ele tem razão. – disse Thiago.
Liz respirou fundo.
– Ok, mas se a situação ficar muito ruim, vocês dois corram para fora da escola, não se preocupem com a gente.
– Combinado – disse Beatrice.
Liz abriu a porta parcialmente, ela olhou o lado de fora.
– Vamos – ela acendeu a lanterna.
Seguimos pelo corredor. A escola estava silênciosa, não ouvi nada além de nossos próprios passos. O que não durou por muito tempo, ao virarmos a primeira esquina, demos de cara com a Degolificada. Ela estava parada um pouco mais a frente, flutuando. A criatura olhou diretamente para nós.
Meus ombros se tencionaram, me virei para trás, pronto para correr, mas Dante me segurou.
– Ela não está nos vendo – sussurrou o loiro. –, olhe.
Vi o monstro bater com o corpo nos armários e soltar um grito, ela vinha em nossa direção, mas não parecia nos notar.
– Vocês vão ter que confiar em mim – disse Dante em voz baixa. – Vamos deixá-la passar por nós, fiquem todos juntos.
A Degolificada continuou vindo, quanto mais ela se aproximava, mais meus instintos me diziam para correr, segurei firme minha katana.
Ela parou em nossa frente e inclinou o corpo, chegando bem perto de mim rosnando.
Ela sabe que estamos aqui. Pensei.
Dante segurou em meus ombros e me fez dar alguns passos para trás. Prendi a respiração. O loiro encarava a criatura  franzindo o cenho, parecia concentrado.
Ela gritou mais uma vez antes de atravessar a parede de alguma sala e desaparecer.
Inspirei fundo aliviado.
– Você quem fez aquilo, não foi? – perguntou Arthur. – Nos deixou invisíveis aos olhos dela.
– Sim... – respondeu Dante.
– Que incrível! – disse Arthur sorrindo.
O loiro parecia meio envergonhado, mas agradeceu.
Senti algo tocar minhas costas. Dei um pulo para trás. Era só o Cesar.
– Por Zeus, não faça mais isso – disse eu.
Ele riu.
– Você tá bem? – perguntou ele.
– Vou ficar assim que sairmos desse lugar – respondi.
– Gente, foco, vamos continuar, agora é nossa chance, temos o caminho livre – disse Liz.
– Liz-Sempai tem razão – disse eu.
Chegamos até a biblioteca sem mais complicações ao longo do caminho.
– Quem faria um bunker dentro de uma escola? – perguntou Beatrice.
– O Álvaro – disse Cesar.
– Eu sabia que ele escondia alguma coisa... é muito estranho o jeito que ele nos trata... – disse Dante.
– Era. Ele está morto – contou Cesar.
Dante arregalou os olhos.
– Como assim? Eu o vi hoje mesmo...
– Ele está lá embaixo, eu verifiquei, ele realmente está morto – disse Liz.
– O que vocês viram lá embaixo? – perguntou Beatrice.
Arthur os contou sobre Lina e a criatura com tatuagens espalhadas pelo corpo, os armários com armas e, por fim, a sala de aula em que Álvaro se encontrava. Ele tentou amenizar o máximo possível a história.
– Meu Deus... – disse Beatrice.
– Porque ele faria isso com aquelas pessoas? O que ele é? – perguntou Dante.
– É isso que estamos tentando descobrir... – disse Liz. – pelo histórico do Álvaro e pelo que Agatha e sr. Veríssimo nos contaram sobre, é bem provável que ele esteja envolvido na manipulação das suas lembranças.
– Rapaziada, vamos primeiro mandar a Degolificada de volta para o Mundo Inferior, depois vocês voltam com as teorias da conspiração. Não é uma boa ficarmos parados aqui – Thiago apontou sua lanterna para a escadaria e começou a descer para o bunker.
– Thiago! Não vai sozinho, tá doido? – Liz correu em direção ao namorado.
– Eles são um casal? – Beatrice me perguntou.
– São sim – disse eu.
Descemos com cautela, ainda mais com tantos semideuses juntos no mesmo local, tínhamos que tomar o máximo de cuidado possível, a Degolificada poderia nos farejar com muita mais facilidade. Eu fiz questão de ir por último, não podia deixar os irmãos desprotegidos, mesmo que eles souberam se virar muito bem sozinhos até agora, não iria arriscar. Beatrice estava na minha frente, a morena tinha sardas pelo corpo todo, era branca, porém, bronzeada, diferentemente de seu irmão. Parando para pensar, eles não eram nem um pouco parecidos um com o outro, nem fisicamente e nem na personalidade. Enquanto Dante era calmo, centrado e um tanto tímido, sua irmã bem curiosa, extrovertida e meio agitada.
Seguimos direto para a sala principal, a porta dupla estava escancarada, como a havíamos deixado. Sem a Degolificada no local, notei uma espécie de altar montado em uma mesinha com um grande livro aberto no centro.
Liz se aproximou da mesa para examiná-la, Dante a seguiu.
– Definitivamente é um livro de magia – disse Dante. –, tem alguns livros desses na biblioteca, na sessão de mitologia e na sessão de terror os livros de um autor em específico também contém feitiços reais.
– Como você descobriu isso? – perguntou Thiago.
– Eu e a Bea passamos bastante tempo na biblioteca, sempre me interessei por mitologia grega, um dia, acabei realizando um ritual sem querer, foi assim que descobri meus poderes – contou Dante.
– Que ritual exatamente você fez involuntáriamente? – perguntou Liz.
– Se chamava "enxergar através", achei ele em um conto de terror, com isso eu consigo enxergar qualquer coisa "paranormal" digamos assim.
– Quer dizer... você consegue enxergar através da Névoa... – disse eu.
– Névoa? – perguntou Beatrice.
– Agatha não estava tentando fazer esse ritual quando invocou a Degolificada? – perguntou Cesar.
– Sim, era sobre isso que eu estava pensando... ela disse que era um ritual muito complexo e o Dante o fez como se não fosse nada.
– Gente? Contexto por favor, do que estão falando? – perguntou Beatrice.
Contei para ela sobre a troca de corpo de Gabriel e Agatha, como fomos parar no acampamento por causa disso e, por fim, expliquei sobre a Névoa.
Ela ficou um pouco atordoada.
– Quer dizer que aquele bicho era uma menina?
Respondi que sim.
– Dante, qual era o autor que escreveu o livro que você achou? – perguntou Liz.
– Daniel Hartmann, aquele escritor famoso, acho que deve o conhecer – disse Dante.
– Ah, mas eu ele conheço até bem demais... – disse Liz com uma expressão fechada.
Liz deu uma olhada no que estava escrito no grande livro a nossa frente.
– Era esse ritual aqui? – perguntou ela.
Dante se aproximou.
– Esse mesmo.
– Dante, para conseguir fazer um ritual tão complexo como esse do jeito que você fez seria preciso anos de pratica e estudo...
– Deve ser por que ele é filho de Hécate, ele já tem uma aptidão como feiticeiro por causa disso, não? – disse Arthur.
– É, Arthur tem razão, eu que sou noiada com tudo mesmo. – concluiu Liz e começou a folhear o livro, ela parou em uma página que lhe chamou atenção.
– Aqui fala sobre troca de corpo e a Degolificada – contou Liz. – "Contra feitiço: O corpo original da vítima deverá ser queimado enquanto o nome do indivíduo é pronunciado três vezes."
– Já sabíamos disso, agora dá uma olhada lá em cima, antes de falar sobre o monstro – disse Thiago. – " Caso uma das duas pessoas morrerem durante a troca, seu corpo se torna um receptáculo para o espírito da Degolificada".
– Que específico – comentou Cesar.
– O Gabriel morreu no corpo de Agatha... – disse Liz.
– Sim, por causa que a Degolificada o possuiu – disse eu.
– Mas aqui diz que a Degolificada só é invocada quando uma das pessoas já está morta – disse Liz.
– Deve ter alguma brecha... – disse Arthur. – talvez aconteceu em uma ordem diferente com Agatha, ou...
– Arthur... – chamou Liz. – você estava certo, Agatha está escondendo algo de nós.
Olhei para baixo. Não queira encarar a verdade.
– Vamos continuar, falta tão pouco agora... – Thiago olhou para o corpo de Agatha jogado em um canto do chão.
Liz acendeu seu esqueiro.
– Deixa que eu faço isso – disse ela. –, assim que o monstro perceber o fogo, voltará correndo, então me dêem cobertura.
Tirei a caneta do bolso, a destampei e ela se transformou na katana.
– Isso é de verdade? – perguntou Beatrice.
– É sim, quando voltarmos para o acampamento, vocês terão que escolher uma arma também, afinal, nós precisamos nos defender – disse eu.
Vi os olhos de Beatrice brilharem e ela abriu um sorriso logo em seguida, pareceu ansiosa com a ideia de ter uma arma.
Liz foi devagar até o corpo, ela se agachou ao lado do que um dia fora Agatha.
– Provavelmente eu nunca vou ter coragem de falar isso para a nova Agatha, mas eu sinto muito pelo jeito que tratei esse corpo quando nos conhecemos. Você errou, mas eu também, espero que um dia possa me perdoar. Adeus, velha Agatha – ela ligou o esqueiro e o aproximou delicadamente, o corpo entrou em combustão imediatamente.
Liz se afastou um pouco. Consegui escutar um grito de agonia vindo do lado de fora, ela estava vindo, me preparei para lutar.
– Gabriel, Gabriel Gabriel... – ao dizer o nome do garoto pela terceira vez, a voz de Liz ecoou pela sala.
As chamas consumiram o corpo rapidamente, deixando apenas cinzas amarelas, como o pó que os monstros se transformam quando morrem. O fogo se apagou automaticamente ao pó se formar.
– Acabou – Liz se levantou. – Vamos embora.
Nós a seguimos até a biblioteca, com minha ajuda e a de Arthur, nós três juntos fechamos a entrada do bunker de uma vez por todas. Thiago colocou o livro no espaço vazio da estante até ouvir o "click" e o guardar na mochila novamente.
A Névoa havia diminuído drasticamente, ainda conseguia ver uma fica camada no chão, mas não era mais aquela enorme quantidade.
Fechei a porta da biblioteca ao sair.
– Estão prontos para ir? – perguntei a Beatrice e Dante.
Os irmãos se entreolharam.
– Sim – disseram juntos.
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E nossa protagonistas irão fugir novamente da Nostradamos, agora mais acompanhados do que nunca. O que acharam da Bea e do Dante irmãozinhos?

O Segredo No AcampamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora