Cesar - Outro Lado

473 58 19
                                    

A sensação de estar no Mundo Inferior é muito estranha, é quase familiar, como se fosse um lugar que frequentava quando criança e não o visitava a muito tempo.
Era inevitável sentir a morte por toda parte, eram tantas almas que desassociei por um momento, o choque inicial só foi quebrado pela voz de Joui:
-Onde estamos?
Um click veio a minha cabeça, uma memória que não vivi foi acionada em minha mente. Era óbvio, como não me lembrava disso?
-

Estamos nos Campos de Asfódelos.
- Esse lugar é deprimente - disse Kenan.
- Kenan-Sama, mais respeito com os mortos - Joui o repreendeu.
Kenan não estava errado. Não dava para ver com nitidez dos rostos dos espíritos contidos ali, todos pareciam confusos.
Uma alma nos notou e veio em nossa direção, o espírito sussurrou algo que não consegui entender, ao perceber isso, ele se afastou frustrado.
O pássaro no ombro de Beatrice, que até já havia me esquecido da existência de tão quieto que esse bicho era, levantou voo entre as árvores.
- Orpheu, onde você está indo? - disse Beatrice.
- Ele deve ter achado um lugar mais interessante para ficar - disse Dante.
- Na verdade... ele está indo exatamente na direção que temos que ir - disse observando o rumo que o urutau tomava. - Vamos segui-lo.
Corremos pelos Campos acompanhando Orpheu. Pela primeira vez desde que descobri ser semideus, senti que estávamos com a sorte ao nosso favor, depois de um bom tempo andando entre aqueles espectros, desenbocamos em um túnel.
Entramos pelo local, era tão escuro que nem a luz que Arthur havia amplificado estava ajudando. Fomos parar em um jardim muito do estranho: cresciam cogumelos multicoridos, arbustos venenosos e plantas luminosas fantasmagóricos, além das pilhas de pedras preciosas. No centro havia um pomar de romãzeiras, suas folhas alaranjadas brilhavam como neon no escuro, o cheiro de seus frutos era quase irresistível.
- Onde estamos? - perguntou Arthur.
- O jardim de Perséfone - concluiu Liz enquanto arrastava Kenan consigo para o impedir de ir em direção as árvores. - Andem rápido e não toquem em nada, ninguém aqui além de Cesar conseguiria comer um fruto desses e não acabar preso no Mundo Inferior para sempre.
- Porque eu? - perguntei.
- Ué, tu é filho de Hades, criatura - disse Liz.
Orpheu, que havia pousado em uma romãzeira, voltou junto de sua dona, Beatrice o recebeu com um carinho na cabeça, o animal fechou os olhinhos satisfeito.
- Não acho uma boa ideia deixar seu pássaro solto pelo jardim - disse Liz. - Tente mantê-lo com você.
Beatrice concordou.
Subimos os degraus do palácio, entre colunas pretas, passando por um pórtico de mármore para dentro da casa de Hades. O vestíbulo tinha um piso de bronze polido que parecia ferver a luz refletida das tochas. Não havia teto, apenas o teto da caverna muito acima.
As portas laterais eram guardadas por esqueletos com trajes militares. Alguns usavam armaduras gregas, outros, uniformes ingleses vermelhos, e haviam ainda os que vestiam roupas camufladas com bandeiras americanas esfarrapadas nos ombros. Carregavam lanças, mosquetões ou fuzis. Nenhum deles nos incomodou, suas órbitas ocas nos seguiram enquanto andávamos em direção ao grande conjunto de portas no extremo oposto.
Dois esqueletos de fuzileiros navais americanos guardavam as portas. Eles sorriam para nós, com lançadores de granadas atravessados no peito.
- Acho que não iremos precisar disso, por enquanto - guardei minha funda. - Se meu pai estiver mesmo do nosso lado, estamos seguros aqui.
- Acha melhor guardarmos também? - Joui me perguntou.
- Sim, talvez os guardas esqueletos não gostem de entrarmos armados - disse eu.
- Ok - Joui colocou a tampa acima da arma que se transformou de volta em uma simples caneta esferográfica.
O restante da equipe fez o mesmo.
- Nós podemos simplismente ir entrando ou... - Thiago foi interrompido por um vento quente soprando pelo corredor.
As portas se abriram. Os guardas deram um passo para o lado.
- Acho que somos bem-vindos - entrei sem receio.
Hades estava sentado em seu trono de ossos humanos fundidos. Ele era exatamente igual no meu sonho, só que com uns três metros de altura.
- Eu te disse que nos veríamos em breve, meu filho - ele ignorou a existência dos demais momentaneamente - Você percebeu rápido o meu chamado.
- Pai... - dei alguns passos a frente. - você nos guiou até aqui mesmo?
- Claro, acho que a essa altura vocês já devem ter entendido que eu queria que vocês viessem ao meu encontro.
- Porque o senhor queria que o encontrássemos? - Joui perguntou educadamente.
- Filho de Zeus, precisamos saber o próximo passo antes de agir, pensem nisso como uma reunião planejada para acontecer no momento certo - ele olhou o asiático com desprezo. - Eu queria que vocês fossem a Santo Berço porque era a entrada mais acessível ao Mundo Inferior no momento.
- Então você nos fez dar essa volta toda para te encontrar? - perguntou Thiago.
- Não foi a toa - disse ele. - Minha conexão com Santo Berço é bem maior do que pensam, sei de todos os segredos que aquele lugar esconde, antes de contatar meu filho, sai em buscas de rastros da Máscara e tudo indicava que ela havia estado na cidade.
Me senti estranho ao ser chamado de filho por Hades pessoalmente, era meio difícil acreditar que depois de anos buscando respostas de quem era meu pai, ele mesmo me guiou até sua casa depois de passar 14 anos sem nem se importar de dar um sinal de vida.
- E vocês demoraram muito mais do que pensei - Hades se defendeu. - Tive que pedir para Morfeu assustá-los um pouco para que pudessem entender que não era para ficarem ali.
- Então foi você? - disse Beatrice.
- Indiretamente, sim.
- Assustar um pouquinho? - perguntei com raiva. - Minha mãe falou que tinha vergonha de mim! Vi meus amigos morrerem!
- Talvez ele possa até ter exagerado um pouco - confessou Hades. - mas deu certo e é isso que importa.
- Você simplesmente poderia ter me avisado! - disse eu. - Se conseguiu entrar em contato comigo através de sonhos uma vez, conseguiria fazer isso de novo!
- Abaixa esse tom de voz comigo - disse Hades. - e eu estava ocupado atrasando Ares de chegar até vocês.
Agora ele resolveu fazer o papel de bom pai e se importar com meu bem estar?
- Manipulei a Névoa e o impedi temporariamente que os localizassem - explicou Hades.
- Porque não continuou sua busca se já sabia por onde seguir? - perguntou Liz.
- Os Olimpianos não estão somente atrás de vocês - disse Hades.
Então ele, um deus imortal, não queria encarar uma briguinha mas nós fomos obrigados a aceitar uma missão que poderia ter nos custado a vida.
- Temos muito o que conversar - disse Hades. - Vocês em alguma coisa a dizer?
- Sabemos quem roubou sua máscara - disse eu. - O Porteiro nos contou.
- Ah, sim, o Manancial - disse Hades. - Sua alma foi encaminhada para o Elísio, ele parece feliz lá.
- Então... ele morreu mesmo... - disse Arthur com voz trêmula.
- Sim - disse Hades indiferente. - Foi assassino pelo próprio pai.
Cerrei os punhos. Como o Ferreiro pôde? Porteiro só queria libertar as pessoas que ama daquele inferno. Ele não merecia ir desse jeito.
Senti uma lágrima escorrendo por meu rosto, a enxuguei rapidamente, não era a hora para aquilo.
Pelo menos ele estava nos no Elízio, morreu como um herói.
- Pai, ele nos falou que Nemesis roubou a Máscara do Desespero.
- O quê? - o deus se endireitou no trono. - Essa é uma acusação séria, como ele tem essa informação?
Expliquei exatamente o que o Porteiro havia nos contado. Hades ouvia com atenção cada palavra, sua expressão ficava cada vez mais séria.
- Era o que eu temia - disse Hades frustrado.
- Como assim? - perguntou Liz.
- Acho que está na hora de vocês saberem mais sobre a Máscara do Desespero - disse ele. - Primeiramente, não fui eu quem a criei, foi a própria Nemesis.
- Porque mentiu para mim? - perguntei.
- Porque essa é a versão que todos conhecem, te contar a verdade naquele momento não parecia ser relevante - disse ele. - Há séculos atrás, Nemesis tinha um grupo de seguidores completamente devotos a ela, a missão deles era proteger o Equilíbrio.
- "o Equilíbrio é tudo para ela", não é? - perguntou Thiago.
- Sim - disse Hades. - Esse grupo era conhecido como a Seita das Máscaras, pois seus integrantes sempre usavam esses adereços como forma de se identificarem.
- Nunca ouvi falar disso antes - disse Liz.
- Eu sei, nós, deuses, decidimos que era melhor apagar da história a sua existência - disse Hades. - Depois de um incidente em Roma que perturbou o Equilíbrio, Nemesis decidiu que eles precisavam arranjar uma forma melhor de proteção, assim foi criada a Máscara do Desespero, seu portador era conhecido como Magistrado, o líder da Seita, mas depois da... queda do Império Romano, ninguém nunca mais os viu. Nemesis veio até mim, pediu para que eu guardasse a Máscara em um lugar que ninguém pudesse achar. Pensei que tinha percebido o quanto deixar um artefato tão poderoso na mão de mortais seria perigoso, mas aparentemente, eles estão voltando.
- E o que isso significa? - perguntou Beatrice.
- Algo terrível está para acontecer - disse Hades. - Algo que ameaça de verdade o Equilíbrio e se for o que estou pensando, é melhor mesmo deixar as Máscaras agirem, não tem como impedi-los depois que Nemesis encontrar novos membros para a Seita.
- Então você está me dizendo que Nemesis está trazendo de volta uma seita e quer que não façamos nada? - disse Liz indignada.
- É melhor assim, vocês ainda terão muito o que fazer pelos próximos anos - disse Hades.
Engoli em seco com sua última frase.
- O que faremos então, senhor? - perguntou Dante. - Os deuses ainda estão nos perseguindo.
- Por enquanto, eles não conseguem os perceber aqui, mas assim que saírem, tomem cuidado, vocês estão em oito, será muito fácil para deuses e monstros os localizarem - disse Hades. - Como disse a Cesar, deixem que eles os encontrem.
- Mas é o Ares quem está atrás de nós - disse Arthur. - Ele iria nos deixar falar antes de atacar?
- Não - disse Hades sincero. - Mas tem outra opção, vão para o Olimpo, falem com Zeus diretamente.
- Olimpo? Estamos sendo procurados - disse Thiago. - Ele irá nos incenerar na primeira oportunidade.
- A terceira opção é deixarem colocar a culpa em nós e o mundo entrar em colapso - disse Hades.
- Ao Olimpo, então - disse Thiago. - De novo.
- Eu não sei do que vocês estão falando mas o que decidirem fazer, eu vou junto - já havia até esquecendo da presença de Kenan.
- Mas e o Ferreiro, senhor Hades? - perguntou Joui. - E Santo Berço? O que acontecerá com eles?
- Eu sabia que nunca deveria ter deixado aquilo tomar essas proporções... - disse Hades. - Vou destruir aquele lugar de uma vez.
- Isso significa...
- Todos os luzidios irão morrer - completou minha frase Hades. - Mas antes, vocês vão ter que sair daqui.
- Vamos ter que enfrentar o Ferreiro de verdade dessa vez - concluiu Beatrice.
- Não necessariamente - disse Hades.
- Como não? - perguntou Liz. - Ele ainda deve estar vigiando a porta, pronto para nos matar quando sairmos.
- Vocês tem Cesar, ele pode os tirar aqui em segurança - disse ele.
- Eu? - perguntei confuso.
- Sim, viaje pelas sombras com eles - disse Hades.
- Fazer o que com quê? - disse eu.
- Achei que a essa altura você já teria descoberto essa habilidade - ele reencostou as costas no trono. - Você consegue se transportar e levar outras pessoas contigo pelas sombras, mas não abuse de seu poder, pode acabar se misturando a escuridão eternamente se não tomar cuidado.
Engoli em seco.
- Como será sua primeira vez fazendo isso, é bem provável que acabe perdendo suas forças quando chegar ao seu destino - Hades explicou brevemente. - Agora vão, não podem perder tempo.
- Sem querer te questionar mas você não pode nos transportar, não? - perguntou Beatrice.
Dante deu um passo a frente da irmã como um ato protetor.
- Tenho outras coisas a fazer - disse Hades. - Boa sorte.
- Pai, espera - disse eu. - Como eu faço essa tal de viajem?
- Aqui não será difícil de encontrar uma sombra, entre em uma delas e pense a onde quer ir - disse Hades. - Não se esqueça de ter certeza de que todos estão em contato direto com a pessoa que transportará.
- Ok... - disse inseguro.
Olhei a volta, foi muito fácil achar uma sombra, caminhei lentamente até ela.
- Vamos? - tentei parecer confiante.
O grupo se juntou a mim.
- O que devemos fazer? - perguntou Dante.
- Vamos dar as mãos para facilitar - disse eu.
E para eu não ter que encostar em todo mundo. Pensei.
Segurei as mãos de Arthur e Joui, os únicos que me sentiria confortável em saber o que estão sentindo.
- Então, suponho que nosso destino seja voltar para Manhattan...
Assim que terminei de falar, senti um arrepiou na espinha, de repente as sombras não eram mais tão intangíveis.
- Cesar.
Virei a cabeça para ver meu pai uma última vez.
- Diga ao sr. Veríssimo que aliquam vivere Ordo Realitas.
Assenti. Entendi o latim, mas não compreendi o que ele quis dizer com aquilo.
Mergulhamos na escuridão. Achava que tudo o que tinha para me impressionar com o mundo mágico já havia acontecido, mas viajar na sombras definitivamente era uma experiência bem diferente: é extremamente rápido e bem eficaz, mas a sensação é de como se um pedaço da minha alma tivesse resolvido ficar no Mundo Inferior, toda e qualquer energia que já tive um dia se dissolveu junto com as sombras.
Só não cai de cara no chão porque ainda estava sendo segurado.
- Cesar, você tá bem? - Arthur perguntou.
- Não - alertei com minha visão escurecendo.
Sentia um cansaço extremo, mal conseguia ficar de olhos abertos, meu corpo não queria me manter em pé.
- Consegue andar? - ouvi a voz de Dante.
- Sim.
Consegui dar um passo antes de tropeçar e minhas pernas cederem de vez, fechei meus olhos preparado para o impacto, mas não alcancei o chão, Joui conseguiu me segurar em seus braços antes.
- Cesar! - disse Arthur preocupado.
- Ele desmaiou? - perguntou Beatrice.
- Cesar, tá acordado? - Joui me balançou.
- Uhum... - foi a única coisa que consegui falar.
- Vish, o emo não tá muito bem, não - disse Kenan.
Nem se eu quisesse teria forças naquele momento para abrir minha pálpebras que insistiam em continuar fechadas.
- E agora? - disse Thiago. - O menino tá praticamente dormindo.
- Não podemos ficar muito tempo parados - disse Liz. - mas também não tem como simplismente deixar o Cesinha aqui...
- Eu posso carregar ele - Joui me ajeitou em seu colo.
- Tem certeza, Joui? - perguntou Liz.
- Sim, ele não é pesado.
Eu nem conseguia raciocinar direito para entender o que estava acontecendo, deixei que o asiático me carregasse.
Depois de um tempo consegui pelo menos abrir os olhos e verificar onde estávamos, eu havia nós levado para o mesmo em parque que dormimos depois de sair da Nostradamos, não era o lugar mais perto do mundo do Empire State. Crianças corriam umas atrás das outras, cachorros perseguiam pássaros e frisbees, adolescentes e adultos se sentavam na grama para conversar com seus grupinhos ou faziam caminhada. Quando percebiam nossa presença, nos olhavam confusos, depois voltavam a fazer suas atividades como se nada tivesse acontecido.
- Merda... - murmurei.
Como pude ser tão idiota? Não consegui nem fazer a simples tarefa de nos transportar para o lugar certo.
- Cesar-Kun, você tá melhor? - Joui perguntou ao perceber que despertei.
- Tô... - disse ainda cansado.
Avaliei a situação em que me encontrava: Joui me carregando em um parque público perto de onde estudávamos, onde vários estudantes e pessoas conhecidas poderiam acabar nos encontrando vestidos como se tivéssemos saído de um filme medieval, ainda vendo pelo lado bom, a Nostradamos é no lado oposto da cidade, então nunca encontraríamos nossos pais.
- Obrigado... por ter... me ajudado - gaguejei tentando sair de seu colo enquanto meu rosto queimava de tanta vergonha.
- O que pensa que tá fazendo? - ele não me deixou ir. - Você vai acabar caindo e quebrando o nariz.
- Jou, eu tô bem - menti descaradamente.
- Teimoso - ele me ignorou e continuou me carregando.
Inspirei fundo derrotado, Joui era muito mais forte e no momento eu estava com tanta energia quanto um espírito dos Campos de Asfódelos, não iria conseguir sair.
Nunca admitiria isso ao asiática, mas achei muito fofo todo o cuidado que ele estava tendo comigo, Joui definitivamente é a pessoa mais gentil que já conheci. Sorri igual um idiota com esse pensamento.
- Viu? Claramente você não está bem - disse Joui. - Sua expressão mudou do nada.
- Não se preocupe comigo - disse eu. - Já estou me sentindo melhor.
- Vou fingir que acredito... - disse Joui.
Quase caí do colo do asiático ao ouvir uma moto roncando atrás de nós deixando um vento quente e seco por onde passava, o barulho era quase de estouro de tão alto.
- Puta que pariu - Liz reclamou. - Cuidado aí cacete, vai acabar atropelando alguém! Não percebe que aqui não é rua?
O cara que dirigia motocicleta parou bruscamente o veículo e se virou para nós. Vestia uma camiseta justa vermelha, que ressaltava os músculos, jeans pretos e um casaco comprido de couro preto, com um facão de caça preso a coxa. Usava óculos escuros vermelhos, seu rosto era marcado por cicatrizes.
- Liz, nós já temos gente que nos odeia o suficiente - Beatrice segurou seu braço.
Abracei o pescoço de Joui me preparando para a possibilidade de termos que correr de um motoqueiro aleatório que Liz deu um sermão.
Ele pulou da moto e a deixou tombada. Engoli em seco enquanto o cara vinha em nossa direção, todos a nossa volta pararam o que faziam para olhá-lo, como se estivessem hipnotizados, o homem simplesmente ergueu a mão e todos voltaram a suas atividades como se nada tivesse acontecido.
- Precisam de ajuda, crianças? - o homem nos perguntou.
Bom, vamos ser assaltados mas pelo menos não vamos apanhar. Pensei.
- Ah, não - Kenan reclamou. - Esse cara de novo não...
- Elizabeth, Thiago, Kenan - disse e se virou para nós. - Pirralhos meio-sangues.
Ok, ele não é um simples motoqueiro que quer nos assaltar.
- Quem é esse? - Joui perguntou.
- Não me reconhece, irmãozinho? - ele sorriu friamente.
- Você é filho de Zeus? - disse Joui confuso.
- Ele não é como nós, Joui - Liz sacou suas foices e deu alguns passos para frente. - Ele é um deus.
- Eu nem precisei me esforçar para encontrar vocês - o homem debochou. - Foi muito fácil seguir seus rastros quando estavam em cinco mas depois que esses dois apareceram....
Ele apontou com a cabeça para Dante e Beatrice.
- Devo agradecê-los, vocês me entregaram eles de bandeja. Foi ridiculamente fácil, eu até deixei que se divertirem um pouco antes de vir - o deus ria de nós. - Qual é a graça da caça se os alvos já estão na linha de tiro?
- Nós causamos isso? - Dante parecia desacreditado.
- A culpa não foi nossa! - gritou Beatrice. - Nós viemos para ajudar.
- Mas é claro que foi, pirralha- disse o deus. - Se você não tivesse insistido para ir, eles teriam tido uma chance de escapar de minhas mãos.
- Não é verdade - disse Arthur. - eles nos salvaram, se Beatrice não tivesse retardado a Degolificada com as raízes e se Dante não tivesse nos tornado invisíveis, já estaríamos mortos a muito tempo.
- Isso mesmo - Thiago desembanhou sua espada. - Não deem ouvidos, é exatamente isso que ele quer, causar conflito.
Liz se posicionou ao lado de Thiago.
- Eu não vou deixar você nos colocar uns contra os outros - ela sacou suas foices. - Não dessa vez, Ares.
- É isso que ele faz! - disse Kenan. - Aflora o ódio e a raiva nas pessoas, causa discórdia.
No momento, eu queria muito poder dar um murro na cara do Ares, mas infelizmente ainda estava cansado demais para isso. Ele não tem direito de falar dos meus amigos dessa forma.
Me lembrei de quando Liz nos contou que a aura dos deuses influenciam ao seu redor, ao encontrar algum deles, deveríamos resistir a isso, para um mortal, era quase impossível escapar.
De certa forma, era bom eu estar naquele estado, desse jeito tinha certeza de que não iria fazer merda.
- Sabe, Joui, o Velho ficou furioso ao descobrir sua traição, é uma pena desperdiçar seu potencial lutando ao lado de Hades - disse Ares.
O deus pegou o facão e o girou entre os dedos, a lâmina começou a se alargar e dobrou de tamanho, a bainha se transformou junto, aumentando até se tornar proporcional ao resto de sua nova espada de duas mãos.
- Espera! - disse Dante.
- O que foi? - Ares usou sua arma como apoio para o braço.
- Por favor, reconsidere sua ideia de nos matar.
- Porque eu faria isso? - ele parecia entediado.
- Não foi Hades quem roubou a Máscara do Desespero, foi Nemesis - o loiro contou. - Nós não precisamos brigar, nos ajude a chegar até o Olimpo e impedir que os Três Grandes destruam o mundo.
- E você acha que eu ligo para quem foi? - ele apontou sua espada em direção ao loiro. - Desde que a guerra aconteça, pra mim tanto faz qual foi sua motivação.
- Dante, não tem como enfeitiçar um deus - disse Thiago. - Eu já tentei.
- Ainda mais Ares - disse Liz. - Ele não está nem aí para justiça, só para a guerra.
- Desculpem, foi a única coisa que consegui pensar - Dante se afastou frustrado e pegou seu livro. - Estou nervoso, nunca achei que viria um deus, ainda mais um que pretende nos matar.
- Valeu a tentativa - Arthur pegou uma de suas fechas da aljava. - Foi uma ideia inteligente.
Dante sorriu tímidamente e puxou sua adaga.
- Eu não sei lutar com isso direito, mas é melhor do que nada - disse o loiro.
- Esse é o espírito da coisa, nerdinho - Thiago apertou o ombro do amigo. - Relaxa que nosso time é brabo, vamos acabar com ele.
- Tudo que precisamos é de uma boa estratégia para sair dessa - disse Liz.
Por um momento pensei ter visto o sorriso da morena vacilar, mas deve ter sido só impressão, seu semblante não combinava nada com insegurança.
- E explosivos! - disse Kenan animadamente.
- Nada de explodir - disse Liz.
Kenan ficou chateado mas não contestou a irmã.
- Seguinte, pirralhos - Ares apoio a espada no ombro e endireitou sua postura. - Vou dar uma última oportunidade de salvarem suas vidas.
- Que animador - resmunguei.
- Vocês podem me entregar o Filho de Hades e deixá-lo lutar sozinho...
- Porque não me mata logo de uma vez? - provoquei.
- Qual seria a graça? - disse ele. - É muito mais divertido te ver correndo que nem um ratinho assustado.
- Cesar-Kun - Joui me chamou. - Cala a boca, por favor.
- Ou podem todos morrerem junto de seu amiguinho, que tal? - disse Ares. - A escolha é de vocês.
Joui finalmente me soltou, o asiático me pôs no chão delicadamente, provavelmente por medo de que eu apagasse novamente.
Consegui manter o equilíbrio dessa vez, não podia demonstrar mais fraqueza do que já mostrei ao deus da guerra, tentei manter a postura mais ereta que consegui e segurei firmemente minha funda, tentando passar a impressão de que estava preparado, apesar de sentir que se eu tentasse fazer qualquer esforço maior do que isso desabaria.
Ares estava principalmente atrás de mim, os outros só eram um obstáculo para chegar até seu objetivo final, mas ele queria a minha cabeça, de um jeito ou de outro. Me entregar de uma vez talvez pudesse ser a melhor opção, eles estariam todos seguros.
Eu não quero morrer. Essa era a grande questão, não quero me sacrificar, mas se esse for o caminho para não ver eles mortos, então que assim seja.
Eu não posso perder mais ninguém, prefiro morrer a perder mais pessoas que amo.
Calmamente, Joui tirou sua caneta do bolso e destampou, a fazendo se transformar em sua espada.
- Não tem o que escolher - disse ele. - Eu nunca abandonaria o Cesar, prefiro morrer lutando.
- Não tem nem opção - disse Arthur. - nenhum Galdério fica para trás.
- Não sei o que é um Galdério, mas você não vai encostar nem em um dedo no Cesinha - disse Thiago.
- Somos uma equipe - disse Liz. - Vamos juntos até o final.
- Você não vai matar o único amigo que tenho que gosta de botânica! - Beatrice preparou sua balestra.
Orpheu bateu as asas como se concordasse com sua dona.
- Você já nos salvou várias vezes - Dante parou de folhear seu livro para olhar em meus olhos. - Está na hora de retribuir.
- É isso aí! - Kenan pareceu animado. - Vamo acabar com ele!
Sorri surpreso. Eu definitivamente não merecia a amizade daquelas pessoas.
Ares riu, sua gargalhada ecoava pelo parque mas nenhum mortal pareceu notar. O deus segurou com as duas mãos a grande espada e ergueu até a altura da cabeça.
- Isso vai ser divertido.

O Segredo No AcampamentoOnde histórias criam vida. Descubra agora