Cesar - Névoa

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Não demorei muito tempo para fazer as malas, já que a maioria das minhas coisas ainda estavam na escola Nostradamos.
A loja do acampamento me emprestou cem dólares de dinheiro mortal e vinte moedas de dracmas de ouro. Essas moedas eram grandes e tinham imagens dos deuses gregos estampadas de um lado e o Edifício Empire State do outro. Sr. Veríssimo disse que essas moedas poderiam vir a calhar. Ele deu equipe um cantil de néctar e um saco térmico cheio de quadradinhos de ambrosia, eram para uso emergencial, caso fossemos gravemente feridos. Sr. Veríssimo disse que aquilo era o alimento dos deuses. Nos curaria de qualquer ferimento, mas era letal para mortais. Em excesso, poderia causar muito febre, e uma overdose nos faria pegar fogo (ótimo, se não fossemos incinerados por algum deus raivoso, a comida deles faria esse trabalho). 
As mochilas de Joui e Arthur, assim como a minha, não tinha muita coisa além do que o acampamento havia nos oferecido. Liz parecia estar carregando a biblioteca do chalé 6 inteira, ela estaria preparada para, literalmente, qualquer situação. Thiago levava consigo poucas coisas além de itens que poderiam ser úteis.
Tristan, Agatha e Nathaniel resolveram nos acompanhar até os limites do acampamento. Nathaniel levou consigo uma sacola relativamente grande e preta. Agatha levava um livro preto, fino e com um símbolo brilhando em vermelho na capa.
Nos despedimos dos outros campistas, demos uma última olhada para os campos de morangos, o oceano e a Casa Grande, depois subimos a Colina Meio-Sangue até o grande pinheiro.
Sr. Veríssimo nos esperava, ao seu lado estava Argos.
– Ele vai levar vocês de carro até a cidade – explicou Veríssimo.
– Boa sorte – disse Nathaniel enquanto conversava com Joui. – Bom, eu pensei... isso pode ser útil, vi que você e seus amigos não tem muita coisa...
Ele entregou a sacola que carregava. Dentro tinham três sacos de dormir.
– Obrigado – agradeceu o asiático – Vai ajudar muito.
– Muito obrigado – disse Arthur.
Eu já não havia ficado muito contente quando o loiro falou que iria nos acompanhar, não disse nada até Joui me dar uma leve cotovelada.
– Obrigado... – disse de má vontade olhando para baixo.
Nathaniel sorriu.
– Ter um desses sempre salva quando se não tem um local adequado para dormir – disse ele.
– Tá, tá, obrigada e afins. Agora vasa, loirinho – disse Liz grosseiramente.
– Liz... – sr. Veríssimo a repreendeu.
A garota revirou os olhos e se voltou para nossos outros acompanhantes e os abraçou.
– Se cuidem – disse ela.
– Pode deixar – disse Tristan. –, e vocês, tomem muito cuidado.
– Sempre – disse Thiago que estava mais quieto do que de costume.
Agatha arregalou os olhos. Ela não estava esperando ser abraçada, ainda mais vindo da Liz.
Depois de sair do abraço, Agatha veio falar comigo.
– Toma – ela me jogou o livro que segurava –, essa é a chave para abrir o bunker da biblioteca. É só colocar na estante certa e ele se abrirá.
– Valeu – Agradeci e guardei o livro em minha mochila.
– Tem uns rituais muito doidos aí. Se quiser tentar algum, fiquei a vontade – disse ela.
– Eu passo – disse eu.
– Ei, Joe... – ouvi Nathaniel dizer. – Todos esperam muito de vocês, ainda mais por estar indo tanta gente. Já entendemos que é algo sério, mesmo sem nos contar, então...
O loiro o beijou na bochecha e, em seguida, o abraçou.
– Mate uns monstros por mim.
Senti uma vontade inexplicável de meter a voadora na cara daquele metido.
– Vamos parar de enrolar e acabar com isso logo – eu passei no meio dos dois, segurei na mão do asiático e sai andando. – Vem Joui.
Arthur me cutucou e mumurou sorrindo:
– Movimento ousado, amigo.
Corei fortemente. O que eu estava fazendo? Porque aquela atitude de Nathaniel me afetou tanto? Soltei bruscamente a mão de Joui e coloquei as mãos nos bolsos do meu casaco.
Só faltou aparecer um ponto de interrogação na cabeça de Joui, ele ficou sem entender nada.
Arthur colocou a mão na frente da boca para abafar seu riso.
– Você tá com ciúmes? – perguntou ele com um sorriso ladino.
– Não, não estou. – disse bravo.
– Uhum, sei... – disse ele
Desci correndo a colina. O resto do grupo me seguiu. Dei uma última olhada para trás antes de entrar no carro. 
Argos nos levou para fora da zona rural. Depois de duas semanas no acampamento, foi estranho voltar para o mundo real, era mais estranho ainda voltar com tanta gente.
– Porque você não gosta do Nathaniel? – perguntou Joui.
– Quer que eu faça uma lista? – disse eu. – Eu não vou com a cara dele, não vejo verdade nele, o jeito que ele fala me irrita, ele é um abusado, fica se jogando pra cima de você...
– Ciumento... – cantarolou Arthur perto do meu ouvido.
Dei um tapa no braço dele.
– Mas é verdade, ué – disse Arthur. – Não adianta negar.
– Negar o que? – perguntou Joui.
– Nada! O Arthur é um exagerado – disse eu.
– A culpa não é minha se você não se toca de como está se sentindo – respondeu Arthur. 
– Do que vocês tão falando? – perguntou Thiago. – Agora tô curioso.
– Depois eu te conto – prometeu Arthur.
– Você não ouse – ameacei.
– Se você não se importa, porque não quer que eu fale? – provocou Arthur.
– Eu nunca falei que não me importava... – disse em voz baixa.
– O que tá rolando aí? – perguntou Liz.
– Nem eu sei – disse Joui.
– Nada, esqueçam isso – disse eu emburrado.
Consegui ver Argos abrir um sorriso, mas ele não disse nada.
Quando chegamos a Manhattan já era pôr do sol. Fiquei aliviado por termos conseguido chegar sem nenhum monstro ter tentado nós atacar ou seguir.
Argos nos largou na Estação Greyhound, não era tão longe da escola. Pegamos nossas malas e nos certificados de não termos esquecido nada. 
Guiamos Liz e Thiago até a Nostradamos. Conforme nos aproximávamos, eu conseguia sentir um forte presença vindo de lá: a presença da morte. O portão, estranhamente, estava aberto (o que nunca acontecia).
– Ok. Não podemos simplesmente ir entrando – disse Liz. – Precisamos de um plano.
Eu concordei.
– Já está de noite, meus poderes ficam mais fortes nesse período. Posso entrar lá e verificar – sugeri.
– Não é muito arriscado? – perguntou Thiago. – E se for uma armadilha? Podem estar esperando por nós.
– Alguém tem uma sugestão melhor? – perguntei.
Ninguém respondeu.
– Ótimo, então eu vou. Se eu não voltar em vinte minutos, vocês vem atrás de mim – Caminhei até o portão, senti meu braço sendo segurado.
– Vá só até a porta e veja se está tudo certo. Não tente ir mais longe sozinho. – disse Joui.
– Tá bom – e me misturei a escuridão.
Andei pelo pátio externo inteiro, não havia nada além de mim. Fui até a construção, empurrei a porta devagar e espiei dentro do local. Todas as luzes estavam apagadas. Não havia nenhum sinal de movimentação humana, mas uma densa névoa cobria o chão. A escola estava em completo silêncio, era só possível se ouvir os sons dos gritos na noite quente.
– Tá de boa – disse eu. – Pelo menos por enquanto, a Névoa lá dentro não ajuda.
– Névoa? – disse Joui. – Isso não é um bom sinal...
– Não mesmo... – concordou Liz. – Se preparem, acho que não é só a Degolificada que essa escola esconde. Se o Cesinha não tiver exagerando, a Névoa vai tentar nos confundir, vai tentar fazer nossas mentes não verem seja lá o que estiver nos esperando.
– Eu não estou exagerando! – disse eu – E recomendo ligarmos as lanternas, tá um breu lá dentro.
Liz e Thiago fizeram questão de irem na frente. Sacamos nossas armas, já esperando o pior. Com uma mão eu segurava a funda, sem prepará-la para um possível ataque para com que, na outra mão, eu conseguisse manusear minha lanterna. Seguimos pelo corredor principal, as salas estavam fechadas.
– Tá, o que devemos fazer agora? – perguntei.
– Vamos desfazer o ritual que criou a Degolificada – disse Liz. – É a única coisa plausível para o Oráculo ter nos mandado aqui.
– Faz sentido, mas como faremos isso? – perguntou Joui. – Nós nem sabemos se sequer esse bicho ainda está aqui!
– Ela está – disse Liz. – Deve estar vigiando o corpo de Agatha, já que se o corpo for queimado, ela irá voltar diretamente para o Tártaro.
Thiago tirou do bolso um esqueiro.
– Acharam mesmo que nós entraríamos entrar aqui sem um plano? Liz nunca deixaria – disse Thiago.
Eu sorri fracamente.
– A biblioteca é logo ali – apontei o caminho com a lanterna.
– Ótimo – disse Liz seguindo na direção que apontei.
– A Névoa é muito mais densa lá dentro – Avisou Arthur. – É melhor ficarmos todos juntos.
– Sim – disse Joui. –, mas vamos entrar com cuidado.
Nós concordamos com Joui.
Chegando na frente da porta, percebi que ela estava fechada. Pelo menos alguma coisa está como deveria ser. Apaguei minha lanterna.
– Deixa o Cesar abrir, ele pode se camuflar, se o monstro estiver na biblioteca, não vai vê-lo – disse Liz em voz baixa. – Fiquem encostados na parede do meu lado, caso o monstro venha correndo, não irá acertar ninguém de primeira.
– Ok – Fiquei ao lado da porta, para que, quando abrisse, eu ficasse atrás dela.
A Névoa jorrou de dentro do local, se misturando com a que já estava espalhada pelos corredores. Olhei para dentro. Só vi escuridão e mais névoa. Assinto com a cabeça, confirmando que estava "seguro" para entrar. Adentramos devagar, mas a passos largos.
– Arthur – sussurrou Liz. – Encosta a porta, sem fechar, caso formos correr, já temos uma saída localizada.
Ele fez como instruído.
– Podemos ligar a luz? – perguntei.
– Melhor do que lutar sem enchergar – disse Thiago.
Antes que eu pudesse localizar o interruptor, alguém o acendeu para nós.
– O que vocês estão fazendo fora dos dormitórios?
 Viramos ao mesmo tempo com as armas apontadas para frente.
– Cibele? – perguntei.
– Claro, quem mais estaria na biblioteca uma hora dessas se não a bibliotecária? – respondeu ela. – Vocês ainda não me responderam. Porque não estão nos dormitórios?
Ela estava falando sério? Já fazia duas semanas que nós não dávamos as caras aqui. E ainda voltamos acompanhados de completos estranhos.
– É a influência da Névoa – sussurrou Liz. – Ela acha que somos estudantes daqui e também não percebeu nossas armas. Deixa comigo.
Liz se aproximou da bibliotecária e estalou os dedos, o som ecoou pela sala.
– Um simples truque com a Névoa. Ela não se lembrará de nada disso – disse Liz.
– Boa tentativa, mas isso não funciona comigo, Elizabeth Webber – disse Cibele.
Liz apontou suas foices para a suposta Cibele e se afastou devagar. Eu preparei minha funda, Arthur pegou uma flecha, Joui e Thiago seguravam suas espadas firmemente.
– Quem é você? – perguntou Liz.
Cibele sorriu. Fechou os olhos e esticou suas mãos ao lado do corpo com as palmas viradas para nós. A Névoa começou a se dissipar ao redor da mulher, girando em espiral da cabeça aos pés, assim, revelando sua verdadeira forma: Uma moça alta, magra e muito pálido, seu cabelo dourado estava preso em um rabo de cavalo alto, seus olhos eram completamente negros, ela usava um vestido escuro sem mangas. Ela não parecia ter mais de vinte anos. 
A moça fez um gesto com a mão e toda a Névoa presente na biblioteca se fora.
– Sou Hécate. Deusa da magia – disse ela.

Eu abaixei a funda, logo, o grupo todo abaixou as armas.
– Senhorita Hécate – disse Liz. –, o que está fazendo aqui?
– Que bom que perguntou. Temos muito o que conversar – disse a deusa. – Não se preocupem, vocês estão seguros, por enquanto.
– Tem uma missão especial para nós, senhorita? – perguntou Thiago, como se já tivesse passado por isso.
– Eu vejo potencial em vocês – disse Hécate. –, e sem minha ajuda, vocês morreram naquele bunker.
– Que tipo de ajuda? – perguntou Liz.
–  Eu posso esconder vocês, camuflá-los na Névoa, será bem mais difícil da Degolificada localiza-los. – propôs Hécate.
Thiago e Liz trocaram olhares.
– O que temos que fazer para ganhar sua proteção? – perguntou Thiago.
– Preciso que protejam meu filho – disse Hécate. – Ele está aqui, nessa escola, preciso que o tirem desse lugar.
Porque uma deusa pediria para semideuses fazerem isso? Ela é uma deusa, ela quem deveria proteger o filho.
Hécate se virou para mim.
– Eu o levaria eu mesma para o acampamento em segurança, se tivesse tempo. Tenho mais o que fazer.
Engoli em seco.
– Porque ele é tão importante? – dessa vez perguntei em voz alta. – Quer dizer... os seus outros filhos no acampamento nunca receberam sua atenção...
– Cesar! – Thiago se colocou na minha frente e se virou para a deusa. – Desculpe, senhorita, pelo incoveniente.
– Dante faz parte de algo maior, logo vocês entenderam – disse Hécate.
– Tá bom, desculpe, por favor, não me incenere – disse eu rapidamente.
– Não se preocupe, filho de Hades, não quero arranjar briga com seu pai – disse Hécate. – Jurem pelo Rio Estige que tiraram meu filho daqui e os protegerei durante a missão. 
Eu, Joui e Arthur nos entreolhamos, depois olhamos para Thiago e Liz.
– Não temos escolha – disse Liz.
Fizemos o juramento. Já sabia o que aquilo significava, caso não cumprirmos a missão de Hécate...
– Isso já me basta. Agora vão, farei o máximo que puder para que não morram. Vocês são a última esperança... – começou Hécate. – quer saber, é melhor dar tempo ao tempo, vocês descobriram quando a hora chegar.
Arregalei os olhos. O que ela queria dizer com aquilo?
– Se preparem, heróis, a desconjuração está próxima – disse ela.
A Névoa começou a voltar, preenchendo a biblioteca novamente. A espiral voltou a circular em volta da deusa, dessa vez, dos pés para a cabeça. Por um momento, pareceu que ela havia se dividido em três pessoas diferentes, ela nos olhou uma última vez e falou:
– Cuidado com os presentes, semideuses.

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