19 - Pai, preciso muito que me mude de setor

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AMORA

Abri meus olhos com o clarear do dia e senti minha cabeça latejar. Olhei para o lado e senti a quentura do corpo de Henrique, que deixava seu braço envolto à minha cintura. Respirei fundo e, involuntariamente, soltei um sorriso. Por mais que soubesse que aquilo era muito errado, me sentia protegida ao seu lado.

Lembrava do que havia acontecido, não tão nitidamente dos detalhes, mas sabia que tinha falado demais. Na mesma proporção que o tempo passava, a vergonha alcançava a boca do meu estômago.

Tentei me desvencilhar de seu chamego sem acordá-lo, mas falhei. Henrique abriu os olhos, me soltou e se espreguiçou.

- Está melhor? - perguntou, me encarando.

Os detalhes de seu rosto ao acordar eram quase hipnotizantes. Seus olhos verdes brilhavam com a pouca luz que entrava através das cortinas cor de creme. O ambiente é muito agradável, e, mesmo que não quisesse, o clima que tinha ali me fazia ter vontade de ficar.

- Estou - respondo, séria. Não queria que percebesse minha vergonha, tampouco meu anseio em permanecer ao seu lado. Era difícil não transparecer minha vontade de estar ali.

- Que bom, né? - Henrique senta na cama e me encara, esperando que faça o mesmo.

Fico ali jogada durante um tempo, sem falar uma única palavra. Aos poucos senti um leve enjoo me atingir com tudo e, em um salto, levantei correndo em direção ao banheiro de seu quarto.

Henrique me encara confuso, e só entende o que está acontecendo quando ouve o barulho do meu vômito.

- Porra, você exagerou mesmo ontem, hein? - debocha, parado na porta do banheiro, observando o desastre - Vou te contar, em? Tá viciada em vomitar na minha casa!

- Henrique, por favor, você poderia calar essa boca? - respiro fundo e vomito mais um pouco. Era como se estivesse colocando minha alma para fora.

- Você ao menos se lembra das coisas que me falou ontem?

- Quer mesmo falar sobre isso agora? Olha meu estado! - encarei, enquanto amarrava o cabelo em um nó mal feito.

- Lembra ou não? - arqueia a sobrancelha, impaciente. Henrique ficava muito bem com aquela blusa regata branca e calça de moletom. Seus braços expostos exibiam ainda mais tatuagens que costumava mostrar e a visão era surpreendentemente bonita. Já havia visto cada parte de seu corpo, mas nunca parei para reparar nos detalhes. Sendo sincera, nos momentos em que estivemos a sós e nus, preferia perceber outras coisas. Grandes coisas, se é que me entende.

- Lembro. Pior que lembro.

- Está a fim de tirar uma folga para que possamos conversar? - agachou ao meu lado, me observando mais de perto.

- Eu vou aceitar, mas não por esse motivo. Caso não tenha percebido, estou passando muito mal - encaro, emburrada. Sentia as olheiras pesarem e Henrique percebia meu estado.

- Amora, isso é um problema. Um puta enorme problema.

- O que? Eu estar mal desse jeito? Eu sei, tenho que parar de exagerar com a bebida... É que eu estava meio puta.

- Não estou falando disso - revira os olhos e volta para a cama.

Levanto, limpando o vomito do canto da boca e lavo o rosto. Precisava me recompor, pois sabia muito bem do que aquela conversa se trataria. Acabei falando demais na madrugada anterior e, consequentemente, assustei Henrique. Não deveria ter comentado sobre meu pseudo sentimento por ele. Sabia que não era real, tampouco algo que merecia ser levado a sério. Porque convenhamos, né? O sexo era maravilhoso! Com ele aprendi a sensação de gozar até não aguentar mais..., sem dúvidas estava impressionada.

- E do que exatamente você está falando? - perguntei, cínica.

- Amora, você disse que tem sentimentos por mim. Que me quer além da cama, e isso é um problema do caralho. Porra, essa merda não deveria estar acontecendo. Não com você.

- Ah, não leve a sério! - encaro, ofendida - Era apenas uma bêbada carente falando.

- Amora, o problema não é você admitir sentimentos por mim, e sim ser recíproco.

- Então você realmente sente algo? - pergunto, de olhos arregalados, enquanto me sentava ao seu lado.

- Eu não sei o que está acontecendo comigo. Nenhuma mulher mexe tanto comigo desde Ingrid. O universo só pode estar de sacanagem. Caralho, que ódio disso.

- É tão ruim ter algum tipo de sentimento por mim? - emburrada.

- Claro, né? Pelo amor de Deus, não seja infantil agora. Sabe que um relacionamento entre nós dois é algo extremamente inviável.

Sinto um nó na garganta e algumas lágrimas alcançarem meus olhos.

- Henrique, quer saber? Não vou aceitar a folga. Vou à empresa e pedir para trabalhar em outro setor. Sinceramente, para mim chega. Eu falo te quero além da cama e você reage dessa forma. Sério, é demais para mim.

- E você esperava que eu reagisse como, Amora? Pelo amor de Deus, não tem como lidar diferente com isso.

- Esperava que lutasse por nós, né? Mas a culpa é minha por criar expectativas sobre você. Sua vida é estabilizada, tem amigos confiáveis e uma grande fonte de renda. Não tem porquê estragar tudo isso por conta de uma pirralha como eu, certo? - Levanto, séria.

Ele me encara em silencio, sem conseguir uma resposta a altura de minhas afirmativas, o que me leva a entender que tinha razão em cada palavra.

- Quer saber? Fique com sua vidinha escrota! Eu realmente não estou a fim de atrapalhar ninguém - digo, saio transtornada do apartamento e ligo imediatamente para o meu pai.

- Pai, preciso muito que me mude de setor -não conseguia segurar as lágrimas.

- Amora? O que houve?

- Não quero trabalhar no mesmo lugar que Roger. A namorada dele me ameaçou e, sinceramente, não quero passar por isso de novo.

- Quer que eu demita esse palhaço? - pergunta, irritado.

- Não, ele não tem culpa da namorada ser uma maluca. Eu só quero sair de lá. Pode ser?

- Claro. Assim que chegar na empresa, venha direto ao meu andar. A partir de hoje, você será minha secretária.

- Pensei que não estivesse precisando de ninguém.

- Transfiro a minha para o setor do Henrique, e problema resolvido.

- Obrigada. Te amo.

- Sabe que estou sempre aqui.

Desligo o celular e respiro fundo. Cheguei a conclusão de que, a partir daquela conversa, excluiria o babaca do Henrique completamente de minha vida.

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