CAPÍTULO 3

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Forte como o sol. Forte como o céu inteiro. Eu abro os olhos e vejo a luz entrando no celeiro... A luz sai dos meus olhos, e eu canto com um bom astral, a noite ainda está longe, e nada vai me fazer mal...

O ar sibilou da garganta de Abbe quando seus olhos abriram.

Seu corpo estava frio e ensopado de suor, algumas mechas de cabelo  grudadas no rosto. Piscou centenas de vezes quando percebeu que não estava em seu quarto. Abriu bem os olhos, o máximo que pôde. Mas o telhado branco e o lustre redondo de bronze insistiam em sombrear a sua cabeça. 

Deslizou o calcanhar no lençol branco de algodão, estreitando os olhos para o abajur preto de metal opaco, no criado. Ela o tocou com a ponta dos dedos. Era sólido. Sólido demais. Era frio e maciço.

O desespero já ameaçava se instalar em seu corpo. Mas então se lembrou das inúmeras vezes que isso acontecera: fragmentos dos sonhos acessando à consciência, tornando as sensações incrivelmente reais. Um meio termo. Uma ponte. E quando era assim, tinha apenas que se concentrar em fechar os olhos, cantar a canção de ninar e deixar que as sensações se dissipassem naturalmente. Dar um passo forçado para frente ou para trás no processo poderia ser bem perigoso. Letal. Poderia ser letal sim.

Mas à medida que o tempo passava, sentia um cheiro agradável de lavanda, tipo perfume de ambiente, e junto disso, vozes distantes cochichando, vindas do outro lado da parede.

Abbe tentou se acalmar. Mas fechar os olhos e se encolher deixaram de ser uma opção dois minutos depois. Portanto, sentou-se. Roçou as mãos trêmulas no rosto. Respirou fundo. Avaliou mais cuidadosamente o que parecia o quarto de um hotel de alto padrão. 

Estava num hotel luxuoso, sem dúvida. Talvez tivesse pedido para descer do carro no meio do caminho. Talvez fosse quantidade exagerada de álcool em seu cérebro, que causara uma espécie de apagão. Já ouvira algumas histórias sobre isso.

A conclusão embaralhou loucamente seus pensamentos. Mesmo assim, entendia que a concentração era uma condição fundamental para decifrar os fatos. Tinha que se controlar e resgatar calmamente as últimas memórias. 

Arrastou-se para fora da cama. Investigou cada centímetro daquele quarto grande, limpo e repleto de móveis finos, de madeira nobre. Quadros com pinturas coloridas e abstratas seguiam uma linha perfeita na parede. A cortina bege com pequenos bordados dourados  cobria uma ampla janela de vidro na parede.

_ Espera _ Aconselhou-se,  quando de repente se lembrou claramente da sua luta, durante a viagem de Uber, para não pegar no sono.

Sim. Dormira no carro! A conclusão obrigou-a a avaliar desesperadamente o próprio corpo. Não havia sinais de violência. Não sentia dor ou qualquer desconforto que indicasse ter sido espancada ou abusada sexualmente. Vestia a mesma roupa da outra noite. A bolsa estava sobre a bela poltrona branca do outro lado do quarto.

Arrastou-se  para lá com as pernas gelatinosas. Estava fraca. Talvez um efeito do coma alcoólico.

Mesmo assim, revirou a bolsa, respirando pela boca, sentindo a garganta secar. E tudo estava exatamente do jeito que ela deixara, a não ser o celular.

_ Ah. Merda! Merda! Onde eu o deixei?

Seu coração disparou insanamente quando constatou que o aparelho havia sumido da bolsa. O estômago revirou e ela correu em direção ao banheiro. Não pôde segurar o vômito. Após recobrar o equilíbrio, pasmou-se com as paredes em mármore preto ao seu redor. Um espelho redondo e extremamente limpo tomava quase a parede inteira atrás dela. 

Levantou-se cerca de dez minutos depois. Olhou para o reflexo do espelho. O borrão preto embaixo dos olhos era um aterrorizante contraste com a pele pálida. O pânico já se manifestava em forma de arrepio em sua pele.

Canção para o Anjo I (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora