CAPÍTULO 27

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Como um casamento poderia resolver um sequestro? 

Abbe vagava no pensamento, os olhos fixados na mancha em formato de sol na madeira do forro do teto, na linha acima da sua cabeça.

A certa altura da tarde, Richard bateu na porta do quarto, certamente um aviso de que o almoço estava pronto. O cheiro de vitela atiçou completamente sua fome. Mas não estava preparada para vê-lo. Estava confusa. E se não resistisse? E se fizesse uma loucura?  Ceder não era a coisa certa fazer. A grito da razão empenhava-se em estourar seus tímpanos. E sim, de fato conseguiu.

***

Era um pouco mais de três da manhã quando Abbe despertou, inspirada pelo som de pancadas vindas do andar de baixo, tipo socos na porta. Sentou-se na cama, tentando se localizar nos barulhos, assustada.  

Estava bem escuro lá fora. Chovia forte.

Pouco tempo depois, ouviu a voz de Gustav, enérgica e descontrolada. Passou a ouvir também a voz de Richard, só que mais canalizada. Correu para a porta do quarto. Enfiou a cabeça na estreita abertura que acabara de fazer.

Do alto da escada, viu o corpo ensopado do Aspen mais novo, arquejando descomedidamente embaixo do casaco preto impermeável. O rapaz mirava o irmão com seus olhos vermelhos e turbulentos. Não era a primeira vez que os irmãos se presenteavam com esse tipo de olhar, mas era um fenômeno sempre assustador.

_ Finalmente o rato encontrou o gato _ Richard gracejou, num timbre ultrajante, abrindo a geladeira como se nada estivesse acontecendo. _ Não imaginava que fosse capaz de sentir tanto a minha falta.

Gustav o enfrentou em silêncio,  completamente vidrado.

_ Se conseguiu o queria, já pode ir embora, Gustav.

_ Cadê ela?

_ No meu quarto. Na minha cama.

Num flash de instante, Gustav desapareceu do campo de visão dela. Em seguida, alguma coisa quebrou-se lá embaixo.

Abbe praticamente saltou os degraus para a sala. Desesperou-se quando viu o vaso de cerâmica quebrado no chão, embaixo dos pés deles, e Gustav pregando o irmão contra a parede, pela gola da blusa, arfando contra seu rosto.

_ Ei, Gustav. Pare! _ Abbe correu para ele, pendurando-se em seu braço absolutamente rígido. E era exatamente equivalente a um pardal tentando impedir o leão de atacar sua presa.

O rosto vermelho e convulso do rapaz projetava uma sombra nefasta na imagem de Richard. Havia uma barreira  obscura ao redor deles. E para Abbe, parecia impossível atravessá-la sem que pudesse sair gravemente afetada. 

Pegou-se desejando que Richard reagisse, ou que ao menos tentasse afrouxar as mãos do irmão em seu pescoço. Mas absolutamente nada acontecia. Seu rosto estava vermelho, asfixiado, exausto. As olheiras de Richard desenhavam uma efígie pesarosa. Parecia disposto a se deixar morrer sufocado. E o mais incrível é que... não havia demonstração de sofrimento em sua face. Nada. Nadinha.

_ Pare! Por favor, Gustav, pare! _ Ela insistiu.

Depois de ela quase perder o fôlego implorando, Gustav virou-se para ela, como se tivesse ouvido apenas o último grito. Aos poucos, as expressões em seu rosto iam se aplacando. Suas mãos finalmente se soltaram do pescoço do irmão. 

Duas profundas fendas se implantaram entre as sobrancelhas de Gustav. Tocou  o rosto horrorizado de Abbe, olhando-a como se a tivesse resgatando do fundo do poço.

Canção para o Anjo I (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora