EPÍLOGO

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A moça atravessou a porta como se tivesse esquecido algo importante do lado de fora. Algo tão essencial como o oxigênio.

O homem se levantou da mesa do fundo do café, no instante em que ela saiu. Ajeitou a touca na cabeça. Assim como ela, deixou dinheiro embaixo do pires.

_ Ah. Oi senhor. Anda sumido _ O velho chinês atrás do caixa acenou para ele, suspendendo o ritmo dos seus passos. E não havia hora pior.

_ Oi, Sr. Chang _ Ele devolveu a reverência, com seu português em construção, cumprimentando-o com um aceno. _ É que ando bem ocupado com outros investimentos.

_ As vendas melhoraram bastante desde que mudamos os cardápios _ Contou alegremente. _ Isso em todas as lojas.

_ As pessoas subestimam a cozinha inglesa, Sr. Chang. E foi com base nesse fato que tomei a decisão.

_ Muito bem, senhor.

_E é claro que nada disso seria possível sem um administrador competente como o senhor _ Ele disse, sorridente, indo para fora, acenando com a mão para encerrar a conversa, acelerando os passos em direção à Av. Tiradentes _ Até mais, Sr. Chang!

***

Ele já sabia onde ela estava indo. A moça frequentava o mesmo lugar sempre. Mas o ritmo caíra no último ano. Ela parecia emocionalmente bem. Seu rosto estava sempre risonho. Mas soou triste, de repente, naquela tarde, no café.

Ela subiu a varanda do bar como se estivesse arrastando correntes. Ele, por sua vez, optou por se sentar numa das mesas expostas na calçada, do outro lado da avenida, exatamente de frente ao bar em que ela estava.

Pediu a primeira coisa do cardápio quando a garçonete chegou à mesa. Um suco de abacaxi e menta. Em seguida, tirou a touca da cabeça, penteou os cabelos com os dedos, mirando o outro lado da rua.

Alguns pontos do rosto dele tremiam à medida que absorvia o próprio silêncio. O sol derradeiro batia no rosto redondo dela naquele momento, tingindo de vermelho os fios naturalmente dourados. Os olhos estavam vazios, apesar de se movimentarem junto como os carros.

A certa hora da noite, ele  voltou a vestir a touca e se acomodou à mesa, atrás da moça. Sorriu internamente quando a ouviu cochichando coisas aleatórias para si mesma, como se estivesse sonhando alto. Era algo que ela costumava fazer quando passava do limite alcoólico.

Ele pediu uma garrafa de água quando o garçom ia passando por sua mesa, no caminho para a mesa dela. Os dois eram os últimos clientes da noite.

Depois que ela saiu, ele a seguiu pela rua, tomando distância. Estava de olho. Temia que ela desabasse no meio do caminho. Seu coração se revirava no peito com jeito como a moça se arrastava pela calçada, como uma alma miserável e desamparada.

Ele foi para o outro lado da avenida. Caminhou sobre as folhas, na orla do parque. Descuidou-se por um momento. Ela notou sua presença.

O coração dele se entorpeceu quando ela olhou em sua direção. Então abaixou a cabeça. Recompôs-se. Assumiu um ritmo de caminhada. Fez-se sumir do campo de visão dela. Escondeu-se atrás de uma árvore para não perdê-la de vista. Ela estava prestes a cair. E foi o que aconteceu em seguida. Sorte que já estava sentada na frente do portão do prédio em que morava.

Ele atravessou a avenida de volta. Foi cuidadosamente na direção dela, espreitando em volta. Desceu a touca quase até as pálpebras, enquanto se aproximava. Revirou a bolsa jogada no chão. Depois de localizar a chave, pendurou a bolsa no ombro. Inclinou-se calmamente. Ergueu a moça diligentemente nos braços. Empurrou o portão com o quadril, cuidando para que não fizesse barulho.

Subiu os trinta degraus de escada em silêncio absoluto. Sabia exatamente quais das duas portas do primeiro andar deveria abrir. Já esteve lá outras vezes, em noites idênticas àquela.

Ele não acendeu a luz, já que a claridade da rua era suficiente para enxergar lá dentro. E também porque não precisava de muito para explorar um apartamento de quatro pequenos cômodos.

Afastou a porta do quarto com o joelho. Alongou a moça em cima da cama, virando seu corpo de lado.

_ Você tem sérios problemas com álcool,  hein!  _ Criticou em voz baixa.

Em seguida, tirou as botas dos pés dela. Alinhou-as num canto do quarto. Depois removeu a presilha de metal, na lateral da cabeça, cuidando para não puxar os fios.

Respirou um pouco. Descansou por um minuto, em pé, a um passo da cama, olhando para ela.

Sacou do bolso da blusa a garrafa de água. Depositou-a na mesa da cabeceira. Do outro bolso, tirou um pequeno objeto. Hesitou enquanto o passava entre os dedos. Pensou no grande passo que estava para dar. Talvez o mais ousado da sua vida. Esperou longos quatro anos por aquilo.

Guardou o cavalo branco de madeira embaixo do travesseiro. Sorriu. Um sorriso suave, esperançoso.

Subiu o lençol até os cotovelos dela. Afastou-se. Olhou mais uma vez para trás, um pouco antes de sair. 


to be continued (


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