CAPÍTULO 14

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 _ Sinto muito por estragar o vestido _ Abbe se desculpou pela segunda vez, desde que entrara no carro. E Holly, pela segunda vez, explicou que o vestido fora uma doação. Uma doação. Não um empréstimo. Então poderia fazer o que quisesse com ele, inclusive ejetar qualquer tipo de fluído humano (ou não).

_ Ao invés de martelar nisso, beba água _ Holly insistiu, pondo a garrafa de água nas mãos dela, ajeitando a venda em seu rosto.

Ela ainda sentia o estômago embrulhado. Então não conseguiu dar mais que algumas bicadas na água.

A dor de cabeça começou a passar depois que tomou uma aspirina, mas sabia que a hidratação era a única saída para combatê-la. Só que nada descia por sua garganta facilmente.

_ Mas não devia ter exagerado na noite passada _ Holly asseverou. _ Gustav tem dificuldade de obedecer regras. O quanto antes entender isso, melhor.

_ Sinto muito por ter sido obrigada a limpar minha sujeira. Devo ter vomitado em tudo.

A "arte" da noite passada continuava um grande vácuo na sua memória. O vômito no vestido era a último coisa de que lembrava. Na verdade, um pequeno e bem nojento fragmento do fato.

_ Descanse bem hoje _ Holly prescreveu, enquanto Ares estacionava o carro na garagem da mansão. _ Durma o máximo que puder. Amanhã terá que começar a pensar no curso que pretende investir. A maioria das inscrições para as faculdades da região se encerram em poucos meses. Ainda dá tempo de estudar um pouco.

Abbe sentiu-se aliviada quando Ares desligou o motor. Talvez porque passara boa parte da viagem lutando contra os movimentos do carro. As curvas eram um terror para seus labirintos. Puxar o ar profundamente nem sempre era suficiente para conter o enjoo, que se agravava à medida que pensava em Richard e Alana, bem como no esforço (algumas vezes inconsciente), para os organizar os pequenos recortes de memória da noite passada.

***

A garagem estava quase limpa naquela manhã. Pelo jeito, maior parte da família ainda estava em Oxford.

Abbe mal entrou no quarto e se derramou na cama, dormindo quase que instantaneamente.

Já a noite fora totalmente perdida. Não só porque dormira durante o dia inteiro, mas porque bastava fechar os olhos sem sono para que Richard surgisse em seus pensamentos, como uma mosca gigante e barulhenta em torno de sua cabeça. 

Mal amanheceu e ela já estava sentada beira da cama, o computador sobre o colo, os olhos parados num ponto qualquer na parede.

_ É bom ver sua excitação com os estudos _ Holly disse quando surgiu, exatamente às 8h. _ Deve mesmo investir seu tempo nisso. É muito importante para nossa família. O conhecimento é dádiva, não é mesmo?

Abbe se segurou para não rir de desespero. Havia uma voz interna que sempre gritava e ria em sua mente quando refletia sobre a bizarrice da situação.

_ Tem algo em mente, sobre o que estudar? _ Holly perguntou.

_ Não. Vou tentar focar nisso hoje.

A mulher de repente lançou um olhar inquieto sobre ela. A moça já o vira algumas vezes. Mas depois que voltaram de Oxford, na manhã anterior,  passou a encará-la como se tivesse algo a dizer, e às vezes como se estivesse espreitando algo.

_ Você vai se adaptar muito bem _ Holly disse, esforçando-se para soar graciosamente, visivelmente obrigando-se a sorrir. _ Será tão bem sucedida como essa família.

Terminou de guardar umas roupas no armário. Saiu logo em seguida.

Depois disso, Abbe tentou se concentrar na sua situação. Precisava pensar num meio de usar a oportunidade para sua fuga. Um plano sensato... Se não fosse a estranha obsessão por Richard, certamente teria conseguido se dedicar mais ao que interessa. Há semanas já não sentia pânico. Tivera apenas rápidas crises de alucinação. Conseguia enxergar as coisas com mais clareza. Já estava passando da hora de se mover.

Canção para o Anjo I (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora