_ Nunca deixe saberem o que está pensando _ Abbe disse com Don Corleone.
Podia dublá-lo perfeitamente, do começo ao fim do filme.
E não era por menos. Repetia as falas desde que descobrira que o "Poderoso Chefão" era um dos seus filmes preferidos. Perdera as contas de quantas vezes o assistiu.
O filme já havia começado há certo tempo quando ela ligou a televisão. E rapidamente entendeu que não seria prudente para sua sanidade prosseguir, pelo peso perigosamente nostálgico dele. Então desligou a TV. Escorou-se na janela do quarto. As nuvens carregadas e a chuva fina relaxavam-na por dentro.
_ O que vamos fazer num dia chuvoso desse? _ Holly perguntou, quebrando a divagação.
_ E o que acha uma boa ideia para um dia assim? _ Respondeu com uma pergunta, apenas para interagir.
_ Leitura na biblioteca?
A resistência de Abbe à ideia foi anunciado por um suspiro pesado. Não pôde evitar a feição de aversão. Encontrar Gustav a qualquer momento era um risco invencível dentro daquela casa, mesmo que permanecesse trancada no quarto. Mas definitivamente, preferia evitar as péssimas lembranças, pelo menos enquanto isso fosse uma opção. A biblioteca já havia se tornado o lugar mais amaldiçoado da casa.
_ Mas não preciso da biblioteca para ler.
_ Fazê-la trocar de ambiente é o verdadeiro intuito da minha sugestão. Também temos uma sala com uma grande TV . Certamente o maior e mais confortável que existe. Tem videogames também. Gosta dessas coisas?
Abbe refletiu. Parecia uma péssima ideia. Sair do quarto realmente lhe parecia uma péssima ideia. Mas quando pensou pela segunda vez no assunto, passou se interessar na proposta. O que mais tinha a perder? Além disso, Holly ia acompanhá-la, e sua presença tinha um poder interessante de suavizar as ameaças. Por isso, a decidiu aceitar.
Quando chegou lá, carreou os pés sobre o carpete macio da sala redonda de paredes pretas. Deslizou a ponta dos dedos sobre o assento de couro do sofá, que formava um gigantesco e aberto "U" no fundo da sala.
A almofada com a feição do Bowser teceu um sorriso em seus olhos. Lembrou-se das manhãs de sábado, durante a infância, quando seu vizinho ia à sua casa para jogar uma versão mais moderna de "Super Mário". Podia ouvir a voz fanhosa do menino reclamando de sua própria incapacidade de segurar os cascos de tartaruga.
Sentiu certo conforto na lembrança. E até que ficou bem nas horas seguintes, apesar do filme que Holly escolhera: "Histórias sobre a 2º Guerra", com o qual Abbe concordara sem pensar. Uma escolha que rapidamente se revelou inapropriada para seu espírito imensamente sensível. Mas a pipoca na manteiga pelo menos estava excelente, muito semelhante às que vendiam nos cinemas.
A chuva permaneceu constante até o dia seguinte, quando ela voltou a visitar o lugar. Escolheu jogar videogame. Optou pelo último jogo salvo na memória que, por coincidência, pertencia à série que também jogava na infância. Holly saiu para buscar uns petiscos e chá. Sim, os ingleses realmente são fascinados nisso.
O dedo de Abbe afundou-se na seta esquerda do controle quando iniciou o passeio pela pista escorregadia da quarta fase da versão desconhecida de Need for Speed. Depois de horas jogando, convenceu-se de sua preferência pela versão Hot Pursuit. A única que prestou, na verdade. Estava bastante frustrada pela perda da habilidade de fazer curvas.
Quando a porta se abriu, Abbe estava altamente empenhada em reestabelecer seu desempenho do passado. Mas achou estranho o silêncio. Espiou e viu a sombra de Gustav da porta, analisando o ambiente, aparentemente decidindo se entrava ou não.
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Canção para o Anjo I (COMPLETO)
RomanceO intercâmbio na Inglaterra era para ser um ensaio de liberdade para Abbe, uma jovem de 21 anos, que vivia sob a sombra da psicose desde a infância. Ela tinha uma forte expectativa de que fosse o primeiro passo rumo a uma vida normal. Mas alguns di...