CAPÍTULO 15

555 119 24
                                    


O café girando no fundo da xícara era como um ímã para os olhos. Por um instante, Abbe se sentiu afogar no vapor que subia em seu rosto raso. O cheiro já havia tomado o quarto quando deu a primeira bicada.

Olhou para o livro no canto da mesa, as lascas de borrachas sobre ele. Tinha a estranha necessidade de rabiscar para aprender.

Eram 9h. Precisava se concentrar para estudar. Decidira finalmente.  E já estava se arrependo. Um sacrifício grande demais, até em troca da liberdade. Era só começar para a cabeça ocupar-se com a conversa com Holly, no jardim, há cinco dias.

Parte da família estava de viagem, como sempre. Nicole disse no outro dia que Andigus determinara aos filhos uma separação temporária da família, semelhante ao "tempo" que os casais dão a si para "pensar".

Ela contou que Richard estava palestrando em diversas cidades no sul da Inglaterra. Gustav, por sua vez, estava em Oxford, dedicando-se às últimas fases das provas de residência médica. Nicole, que sempre tinha certa empolgação ao falar sobre o rapaz, disse que passava trancafiado na biblioteca da universidade, lutando para recuperar uma nota baixa. Estava pernoitando na casa de um colega do curso.

_ Hoje à noite, excepcionalmente, teremos um pouco de movimento. Mas nada demais. Um jantarzinho de Andigus com uns amigos _ Holly comentou, alinhando almofadas na cama. _ Então ele me pediu que te mantivesse no quarto. Vou posar aqui com você, se não se importar.

_ Amigos? _ Espreitou, ignorando o resto.

_ Uns amigos que estão de passagem pela cidade. Eles sempre passam por aqui quando é assim. Esses homens chegam cedo e vão embora bem tarde _ Criticou. _ O isolamento acústico dos cômodos são uma piada para a potência de voz deles.

_  Então, Andigus é o único da família no jantar?

_ Sim. Não _ Pensou. _ Acho que os meninos vêm também. Bem... os meninos eu não sei. _ Corrigiu. _ Gustav tem prova amanhã. Mas o mais velho já está em casa.

***

Depois que Holly saiu do quarto, a moça ficou um tempo meditando. Pegou-se listando as centenas de razões bem óbvias para não procurar Richard pela casa. 

Mas precisou se enfiar embaixo da água quente para se refletir melhor. Ou simplesmente para ganhar um tempo antes de sair correndo para sondá-lo. Chegou a cogitar que a obsessão por ela pudesse ser um sintoma novo da psicose: a fixação por ideias. O sentimento de estar de algum modo ligada ao Aspen imprimia um nível especial de loucura em sua cabeça. 

_ Oh, merda! _ Censurou-se, com a testa encostada nos joelhos. _ Precisa lidar com isso Abbe. Já lidou com pensamentos bem piores, se lembra?

O banho durou tempo suficiente para conseguir aquecer o corpo e tirar o excesso de tensão. Mas não encontrara energia para prosseguir com a maldita matemática. A pele se arrepiava quando pensava em teorias de cálculo.

Decidiu tirar um cochilo para resetar a mente. Então vestiu um pijama quentinho, diminuiu a temperatura do aquecedor, trancou a porta com chave, fechou as cortinas e afundou-se na coberta macia na cama.

Estava transitando deliciosamente para a primeira fase do sono quando alguém bateu na porta. Provavelmente era Holly lhe chamando para almoçar. Ofegou, arrastando-se até a porta. Deu um pequeno salto quando viu o rosto racional de Richard do outro lado.

_ Estou a importunando?

_ Bem... _ Começou a cambalear. _ Eu não esperava, mas... 

_ Peço desculpas pela intromissão no seu momento de descanso _ Ele disse, passando os olhos rapidamente por trás dos ombros dela, para dentro do quarto, como sempre fazia. _ É que partirei amanhã bem cedo de novo, e pensei em passar por aqui para conversar um pouco.

Canção para o Anjo I (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora