CAPÍTULO 2

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Naquela tarde de sábado, mal pisaram no apartamento e Valesca foi direto vasculhar o armário de Abbe, murmurando coisas do tipo: Onde você viveu todo esse tempo? Onde estão suas roupas de festa?

Enquanto ela revirava suas coisas, Abbe se esfregava no banho.

A ducha era sem dúvida a melhor coisa daquele apartamento. Passara a adorar banhos quentes desde que se mudara para lá. Pela primeira vez na vida, ficou feliz em contemplar sua cara redonda no espelho do banheiro, assim que desligou o registro. A pele branco-rosada estava macia e com aspecto saudável. Conseguiu levar mais de um minuto encarar sua própria imagem sem suspirar de decepção. Mas havia algo interessante nos olhos castanhos e levemente saltados, envoltos por cílios naturalmente volumosos. As sobrancelhas de fios mais escuros que o tom louro do cabelo era um contraste singular, mas não mais que os lábios grossos diante do nariz pequeno e arredondado.

Tinha a forte sensação de que herdara o rosto da mãe, embora sequer fizesse ideia de como ela era, ou por que a deu para a adoção quando recém nascida, como se fosse um filhote de cachorro. No fundo, a sensação era uma forma bem idiota de atestar que tinha uma origem genética, que não veio de um pé de repolho ou da bico de uma cegonha.

Mas logo o pensamento foi substituído pela constatação de que era infinitamente mais feia do que a garota de olhos verdes que acabara de abrir a porta do banheiro, segurando dois cabides com roupas.

Horas depois, não reconheceu o próprio rosto quando olhou para o espelho. O rímel preto empelotado na ponta dos cílios e o batom vermelho  envelheceram-na uns dez anos. O decote da blusa branca a fazia encolher os ombros. Definitivamente, a saia jeans de Fabíola ficara curta em suas pernas grossas. 

Quando chegaram a Camden Twon, já era um pouco mais de 23h. O carro estacionou em frente  a um interessante prédio de estrutura clássica. Já havia uma pequena multidão ao redor. 

_ Pois bem, Abbe. Valesca e eu vamos comprar alguma coisa para beliscar _ Fab anunciou. _ Enquanto isso, guarde nosso lugar na fila.

Dez minutos se passaram e a porta de entrada ainda estava fechada, o que não parecia importar às centenas de pessoas que vagavam pelas luzes vibrantes das telas dos celulares.

Um homem branco, de cerca de 1,80m e cabelos castanhos meio ondulados, parou atrás dela. Encostou-se na parede, a cabeça baixada para o celular, encarando-a rapidamente com o canto dos olhos. Teve impressão de que ele  queria dizer algo como: Por que está me olhando? Só estou esperando para entrar. Pare de me encarar!

Ficou sem graça com a possível mensagem, então alcançou o celular e começou a navegar sem rumo pela internet.

Dez minutos depois, flagrou-se virando os olhos de volta para ele.

Ele tinha uma postura interessante, impecável. Usava uma camisa preta esporte fino, as mangas dobras. Mesmo assim, dava para notar os contornos dos músculos e os ombros largos. Fazia exatamente o tipo de Fabíola, que adorava homens fortes, principalmente nos antebraços. Tinha uma estranha paixão pelas veias saltadas dos braços masculinos. Abbe debochou mentalmente quando a memória lhe surgiu. Mas logo pensou que talvez ele fosse velho demais para a amiga, que gostava de garotos de vinte e poucos anos. Ele tinha de 30 a 33 anos, certamente.

De repente, bateu 00h00. A fila começou andar. Então se deu conta de que já havia se passado mais de quarenta minutos desde que as meninas sumiram na multidão. Mais pessoas haviam se aglomerado atrás dela, espalhando-se pela calçada. Viu-se preocupada em ter que entrar sozinha naquele lugar. Olhava o celular de segundo a segundo, sentindo a ansiedade correndo no corpo. 

Canção para o Anjo I (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora