Abbe mergulhou o mais fundo que podia. Precisava de um desafio. Ficou um tempo debaixo da água aquecida, apostando que isso poderia acalmar o bombardeio de pensamentos.
Horas atrás, enquanto ainda deitada na cama, remoía o que Richard dissera na noite passada. Por que razão exatamente os sequestradores pareciam desejar uma convivência permanente consigo? E o que os faziam pensar que existia a mínima possibilidade de a pretensão ser acolhida sem contestação?
O espinhoso contrassenso obrigava-a a admitir que poderia ter perdido completamente a capacidade de separar os pesadelos e as alucinações da realidade. Não que já não tivesse uma dificuldade histórica nisso, mas quase sempre conseguia enxergar os sinais das diferenças, pelo menos. E nesse momento... nesse momento nada. Não enxergava mais nada.
Como se não bastasse todo o desatino, ainda tinha que lidar com a misteriosa aparição de um lenço azul em seu quarto. Encontrara-o exatamente entre o criado e a cabeceira da sua cama, no chão. Rapidamente deduziu que pertencia a Richard. O cheiro dele era absolutamente inconfundível.
Ainda bem cedo, perguntara a Holly se conhecia o objeto. Depois de o analisar, a mulher confirmou a dedução de Abbe. Certamente Richard o deixara cair enquanto caminhava pelo quarto, na noite passada. Então, a moça pediu que ela o entregasse ao dono. Mas Holly explicou que ele estaria ocupado nos próximos dias, viajando a trabalho, e que moça mesmo poderia fazê-lo quando o visse, em dois ou três dias.
O fato é que as ruminações torturantes de Abbe naquela manhã inspiraram-na a explorar a casa, assim que se viu sozinha no quarto. E foi o que fez, a começar pelo aconchegante salão da piscina. Aproximar-se dos inimigos era um plano que ela estava realmente disposta a cumprir. E conhecer o território era necessariamente o primeiro passo.
E o mergulho, de certo modo, estava lhe fazendo bem naquele momento, amorteceu-a um pouco.
Na terceira vez que se afundou na água, ouviu um som abafado na superfície: uma porta se batendo. Rapidamente emergiu. Mas quando abriu os olhos, não encontrou ninguém ao redor.
Investigou mais uma vez, segurando-se nas alças da escada. Quando se certificou de que estava sozinha, subiu-a rapidamente. Alcançou a toalha na espreguiçadeira.
Embora vestisse um maiô discreto, tipo shorts e manga, não podia evitar de se sentir nua e constrangida. E por isso estava com pressa. Muita pressa. Não queria correr o risco de ser vista daquele jeito.
Estava indo, toda encolhida, pegar o roupão no sofá, mais ao fundo do salão, quando ouviu um barulho na água. O ar sibilou por suas cordas vocais, o coração disparou. Olhou para trás, um tempo depois. Alguém atravessava a piscina, bem no fundo. Desejou que Holly estivesse por perto. Fechou os olhos e roeu os dentes, sem saber como reagir.
_ Essa piscina no inverno é a melhor parte da casa _ Gustav disse, chacoalhando a água da cabeça, estendo o braço para segurar a escada. _ Se soubesse que viria, teria mandado preparar a hidromassagem.
Abbe apertou os dentes, virando-se aos poucos, o corpo contraído.
_ Ah. Obrigada. Mas eu não ia querer.
_ Não posso acreditar _ Ele disse, a voz brincalhona, a franja escorrida na testa. _ Depois de todos esses dias de tensão, por que não relaxar com uma massagem? Não é como a massagem feita com minhas próprias mãos, mas acho que iria ajudá-la um pouco, mesmo assim.
Saiu da piscina. Usava um calção de banho pink. Caminhou até o armário, sem contrair um um músculo sequer. Apesar das janelas e das portas fechadas, era possível sentir o frio imediatamente ao sair da água morna. Os vidros ao redor suavam um pouco do lado de dentro.
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Canção para o Anjo I (COMPLETO)
RomanceO intercâmbio na Inglaterra era para ser um ensaio de liberdade para Abbe, uma jovem de 21 anos, que vivia sob a sombra da psicose desde a infância. Ela tinha uma forte expectativa de que fosse o primeiro passo rumo a uma vida normal. Mas alguns di...