CAPÍTULO 28

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Absolutamente nada havia mudado na aparência de Roger desde a última vez que Abbe o vira: os cabelos louros e rasos, cortados bem rente à cabeça; as olheiras embaixo dos olhos verdes, o sorriso que se puxava mais para um lado, a voz mais expressiva, depois da segunda taça...

Abbe estava paralisada a um passo da porta de entrada da sala de jantar, processando a estranha cena à sua frente, a forma natural como Roger agia na frente de Andigus, que o encarava com uma expressão ligeiramente endurecida.

_ Minha menina _ Roger vibrou quando a viu na porta, disparando festivamente para ela.

_ Pai _ Abbe murmurou, enquanto ganhava um abraço.

 Não conseguiu corresponder à excitação dele. Nunca imaginou que viria seu pai comemorando alegremente alguma coisa. Estava feliz por vê-lo, é verdade. Mas sua preocupação prendia o sentimento numa altura estranha do peito. Havia muitas armas naquela sala. 

_ Oh, venha, venha... _ Ele disse, mirando o dedo para a mesa, agarrando a mão dela para levá-la à mesa.  _ Venha se sentar conosco.

Mas Abbe não saiu do lugar.

_ Pode ir. Eu já vou. _ Respondeu, os pés absolutamente colados no chão, um sorriso torto no rosto.

_ Tudo bem. Melhor assim. Já estamos de saída mesmo. Eu só vou finalizar a taça do cabernet com o Dr. Aspen.

Richard surgiu atrás de Abbe assim que Roger retomou a caminhada à mesa. Ela nem tinha notado que ele não havia entrado ainda. Certamente ficou nos corredores, ouvindo a conversa ou algo assim.

O rapaz reverenciou Roger com a cabeça, sorrindo para ele com tanta sobriedade que mal parecia a mesma pessoa de um minuto atrás.

_ Oh. Olha seu filho aí, Dr. Aspen _ Roger disse.

_ Há quanto tempo, Dr. Branne! _ Richard o cumprimentou, num tom jocoso, puxando a cadeira para Roger se sentar, depois indo ao lado do Andigus, no outro extremo da mesa.

_ Oh. Tempo demais. Tempos nebulosos, ouso dizer.

A frieza de Roger era uma das principais características dele. Mas estava curiosamente cáustico naquele momento.  Certamente um mecanismo acionado pela situação terrível a que estava submetido.

_ É uma pena que já estou de saída _ Roger continuou, passeando o vinho no fundo da taça.

_ Mas ainda é cedo, Dr. Branne _ Richard disse.

_ Sim. Mas não para mim. Continuo um homem bem ocupado, assim como os senhores, imagino. Já tem condições de deduzir que estou aqui, aguardando minha filha, há algumas horas. A refeição à mesa evidentemente não é desjejum matinal. 

_ Mas acabamos de chegar!_ Richard martelou. _ Esse encontro inesperado começou agora para nós dois. Além do mais, preciso dizer que desenvolvi certa estima por sua filha. Foram quase quatro meses de intensa dedicação. Não estou preparado para dizer adeus tão de repente. E ainda tenho pendências a serem resolvidas com ela.

_ Eu honestamente não esperava por tanta insistência. Mas acho que assim como eu, Abbe está com saudade de casa. Vamos deixar para trás as pendências, ou qualquer mal entendido que possa ter havido entre nós no passado.

_ Mal entendido? _ Abbe moveu os lábios, enquadrando os homens sentados à mesa.

_ Por favor, Dr. Branne _ Richard insistiu, quase brincalhão. _ Mais uma taça de vinho. É o suficiente para acertarmos as coisas.

_ Não precisamos de mais drama, Aspen _ Mas Roger disse para Richard, mais sólido.

_ O pragmatismo continua sendo um hábito da nossa família , doutor _ Richard disse, alcançando a garrafa de vinho, indo até Roger calma e silenciosamente. Abasteceu a taça dele. Em seguida, voltou para a outra ponta, fazendo o mesmo com com o pai, servindo-se por último. _ Para nós, resolver pendências não é como discutir a relação ou lavar a roupa a suja. Somos homens práticos. _ Ele se sentou. _ Na verdade, nesse caso, está mais uma prestação de contas. É um direito da sua filha, e um dever da nossa família. Isso partindo da premissa que não podemos renunciar um direito alheio. 

Canção para o Anjo I (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora