_ E aí, o que achou do nosso Gustav? Ele é um querido, não é mesmo? _ Holly gracejou, abrindo as cortinas do quarto.
Abbe não se manifestou. Ainda sofria com flashes de horror do episódio na biblioteca. Não é o tipo coisa que poderia apagar da mente um dia. Querido não era a palavra certa. Definitivamente não.
_ O caçula é uma ótima pessoa para conversar _ Holly continuou. _ Ele tem aquela pinta de galã, mas é extremamente sentimental.
Sentimental? Abbe riu do comentário sem que Holly percebesse. Ela realmente não fazia ideia do que estava falando!
_ Essa casa era cheia de jovens. Ele mal chegava da escola e o telefone disparava a tocar. Quando não o interfone _ Meneou a cabeça, achando graça. _ E isso deixava o pai dele louco. As pessoas desta casa têm dificuldades para entender o jeito dele.
_ Os amigos dele não frequentam mais a casa? _ Espreitou.
_ Tudo mudou há cinco anos, quando ele começou a faculdade. São muitas coisas para ler. Muitas apostilas. O pessoal aqui é muito exigente com os estudos.
À medida que Holly contava, a moça imaginava os métodos que o pai dele deve ter usado para convencê-lo a estudar: promessas de viagens, ameaça de corte de mesada, proibição de sair com o carro...
_ Apesar de tudo que ele tem para oferecer, o pobrezinho não tem sorte com as namoradas. Elas também não entendem o jeito intenso dele. Ele gosta de fazer amizades. E elas morrem de ciúmes disso. É uma pena. Acho que ele nunca vai se casar.
Apesar do esforço da mulher, Abbe realmente não podia evitar de imaginá-lo como um jovem impulsivo e problemático. Certamente o tipo que dava trabalho aos pais na escola: bullying, notas baixas, compra de trabalhos prontos... Fazia perfil do cara inútil de sorte grande. Ela teve dúzias de exemplos na vida: jovens de boa aparência, cujos pais ocupavam boa posição social, mas dilapidavam a grande sorte de suas vidas com drogas e babaquices.
Sim, ele tinha problemas com drogas, certamente. E a julgar pelo comportamento na biblioteca, era capaz de grandes loucuras quando estava sob efeito delas.
O pensamento, de repente, como num milagre, acendeu neurônios da moça. Começou a refletir, enquanto Holly prosseguia com seus elogios.
Descontrole.
Seja qual fosse o motivo, Gustav parecia descontrolado na biblioteca. E se fosse um comportamento habitual?
Independente da causa, uma pessoa irracional, ainda que eventualmente, soava mais útil do que qualquer chave e mais poderosa de qualquer arma. Um excelente instrumento.
Somado a isso, ele parecia deslocado, insatisfeito com os hábitos da família. Era a impressão que ela tivera na última conversa. E se fosse uma peça solta no sistema? Sua voz era inquestionavelmente sincera quando censurava a família, embora inflamada com sutis nuances de escárnio.
Talvez fosse um potencial rebelde. Um rebelde sujeito a lapsos profundos de descontrole. E ainda que não fosse exatamente isso, o simples fato de ter lapsos tão profundos de razão, já o tornava uma companhia tentadora.
A reflexão lhe despertou um sorriso. Gustav era com certeza uma pessoa interessante.
***
Depois que Holly saiu do quarto, Abbe comeu as panquecas de queijo. Não porque estava com fome, mas porque a mastigação, naquele momento, ajudava-a a pensar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Canção para o Anjo I (COMPLETO)
RomanceO intercâmbio na Inglaterra era para ser um ensaio de liberdade para Abbe, uma jovem de 21 anos, que vivia sob a sombra da psicose desde a infância. Ela tinha uma forte expectativa de que fosse o primeiro passo rumo a uma vida normal. Mas alguns di...