{POV. Anna Elis}
Eu havia esquecido tudo que ocorreu, que Anna Kariênina quase matou o irmão da minha melhor amiga, porque ele me beijou, que ela tinha me traído. Eu tinha esquecido de tudo, só me lembrava de como colocar minhas pernas para correrem o mais rápido possivel, meu peito tinha uma aflição que eu nunca tinha sentido.
Assim que entramos no hospital, Anna Kariênina correu comigo até o quarto onde Paul estava, atravessei as portas e o encontro deitado numa cama, vestido com uma roupa de hospital e com vários fios em seu corpo lhe conectando aos aparelhos, Paul olhava para o teto com o médico ao seu lado escrevendo algo em uma prancheta.
Paul virou seus olhos azuis lentamente para mim assim que ouviu a porta fechar, e meu coração se partiu quando vi a nuvem cinza sobre eles, como se Paul tivesse desistido. Então, os cantos de seus lábios se levantaram em um sorriso triste e cansado- Você veio, Elis. - Sua voz fraca me quebrou inteira por dentro, enquanto me aproximava.
- Paul, o que está acontecendo? Por que não me contou que estava doente? - Segurei as barras da cama.Durante o caminho, Anna Kariênina me contou que Paul estava doente, com uma cirrose avançada há meses e ele não me contou nada. Eu sequer percebi que ele estava doente, que merda de filha eu sou?
Anna Kariênina deixou claro que não havia me contado antes pois Paul exigiu segredo, e eu estava preocupada demais com ele, para me importar com mais uma infidelidade de Anna Kariênina.- Você cheira a álcool e maconha... como sua mãe. - Paul comentou sorrindo levemente, sua voz era quase inaudível.
- Por que o senhor não me contou?! - Enfatizei sentindo meus olhos marejarem ainda mais.
- Você não se importaria. - Seu olhar era triste e um nó se formou em minha garganta.
- Claro que me importaria, se estou aqui é porque me importo com o senhor. Me importo muito. - Rebati batendo na grade da cama.
- Senhora, preciso que se acalme... - O médico careca tentou tocar meu ombro.
- Não toque nela. - Anna Kariênina interviu se aproximando, uma intervenção sem agressividade porém o suficiente para ele me deixar em paz. - Apenas diga, Paul está melhorando? O que estão fazendo para reverter o quadro dele? - O homem suspirou diante das perguntas.
- Senhora, como eu havia dito antes, não sabemos como ajudar seu marido. Ele já chegou aqui tarde demais, a infecção e os sangramentos já se espalharam por todos os órgãos. Mesmo se fizéssemos uma cirurgia, teríamos apenas uns 10% de sucesso, já que está em um estado tão avançado. - Aquelas palavras me atingiram como facas.
- Como assim não podem fazer nada? Vocês tem que fazer algo para o salvar... - Tentei argumentar, mas Paul nos surpreendeu.
- Por favor, não. Me deixem ir. - Sua voz soou dolorosa.
- O que?! - Me virei para ele. - Não! O senhor não pode nos deixar, tem que lutar. - Tentei conter meu desespero.
- Do que está falando, Paul?! - Anna Kariênina se pôs do outro lado da cama, seu olhar era confuso mas também desesperado, como se tentasse se controlar. Ela estava tentando ser forte por mim.Paul se virou para Anna Kariênina e sua mão tremeu quando tocou a dela acima da grade da cama.
- Cuide dela por mim, por favor.
Sua voz era pesada e arrastada como se o fôlego já lhe faltasse, e meu queixo tremeu quando ele se virou para mim e nossas mãos se encontraram. Ele estava tremendo e gélido, como se a morte estivesse ao seu lado.
- Me desculpe por não ter sido o pai que você merecia, eu sinto muito... - Vi uma lágrima escorrer por seus olhos e eu deixei as minhas virem também.
- Não, por favor, não diga isso. Ainda vamos ter muito tempo para concertar tudo isso... pai. - A palavra dançou por minha boca, e Paul deu um sorriso triste.
- Não sabe por quantos anos eu senti falta de ouvir você me chamar de pai. - Ele confessou e apertou minha mão.
- Nós resolveremos tudo, só por favor não vá. Eu preciso de você, pai. - Chorei como uma criança de 4 anos quando os pais a deixam na escola pela primeira vez.
- Eu preciso ir, Anna Elis. Em breve, você saberá toda a verdade. - Paul sussurrou.
- Que verdade? - Suspirei confusa.Entretanto, os olhos de Paul se fecharam e sua mão caiu da minha, meus olhos se arregalaram e ouvi o barulho da máquina ligada a seu coração apitar.
- Não! Não pode ser! Pai! - Gritei colando as mãos em seu rosto. - Pai! Pai! - Chorei desesperada, sentindo uma dor como se eu estivesse morrendo.
Tudo que me lembro após isso é o emaranhado de sons e lágrimas, enquanto Anna Kariênina me puxava para longe da cama, me debati tentando correr para meu pai, mas os médicos entravam na sala tentando o reanimar. Uma tentativa com o aparelho em seu coração e nada, gritei, e na segunda tentativa também sem nenhuma reposta. Na terceira tentativa falha, não consegui olhar e apertei meu rosto ao corpo de Anna Kariênina, ela também chorava e me apertava como se eu fosse a única coisa que lhe restava no mundo.
E realmente era isso.
Anna Kariênina e eu estávamos sozinhas no mundo, órfãs e desesperadas.
Meu coração batia desconpensado, eu chorava, mas sentia algo preso em minha garganta e não conseguia soltar.
Poderiamos ter tido tudo se tivéssemos tempo, Paul e eu poderíamos ter concertado tudo, e só agora percebo o quão fui egoísta.
Eu perdi meu pai e seja lá qual seja essa verdade que ele disse em seu leito de morte.
[...]Acho que o único lugar totalmente frio em San Diego é o cemitério, tudo tão cinza e silencioso, ou talvez seja a minha mente dolorosa falando em meio ao que observo. Eu não aguentava mais ter que aceitar as condolências de todos que chegavam, durante todo o enterro um inferno de pessoas me abraçando e dizendo que sentiriam falta de Paul. Não, amanhã todos esquecem dele mas eu não. Eu jamais vou esquece-ló, porque ele era meu pai. Meu pai. Meu pai.
Aquele nó em minha garganta não saía de maneira alguma, eu não conseguia mais chorar mas também sequer sorrir. Elena havia vindo mas eu não toquei no assunto de Eliot, estou abalada demais para pensar em quaisquer que for o problema, que não seja meu pai está nesse momento a minha frente dentro de um buraco, com uma lápide em cima.
Todos já haviam saído e eu me permiti alguns minutos sozinha com meu pai, eu sabia se devia dizer algo, não fiz nenhum pronunciamento durante o enterro, apenas Anna Kariênina disse algumas palavras antes de jogar o primeiro punhado simbólico de terra, acho que ela deva ter dado alguma desculpa aos outros de que eu estava muito abalada. Que se dane, eu não ligo para eles, só não quero sair daqui, da presença mórbida de meu pai.
Mesmo usando casacos pretos enormes, eu estava ajoelhada no chão do cemitério olhando para o túmulo de Paul. Não sei se minutos ou horas se passaram enquanto Are You With Me - Nilu se repassava em meus fones de ouvidos, recordando-me das últimas palavras de meu pai: "- Em breve, você saberá toda a verdade."
Que verdade? A única verdade que sei, é que ele me abandonou assim como minha mãe.
Sinto passos se aproximarem de mim e, mesmo com o ambiente triste e mórbido, consigo identificar o perfume amadeirado de Anna Kariênina assim que ela se senta ao meu lado no chão. Ela não diz uma palavra sequer por alguns minutos, enquanto eu ainda estava observava a lápide a minha frente, com a mão estendida sobre a pedra fria.
Então o braço de Anna Kariênina me circulou enquanto sua outra mão encontrava a minha sobre a lápide, meu queixo tremeu mas eu não consegui chorar, aquele nó em minha garganta me prendia. Anna Kariênina me puxou e eu me permiti ser abraçada.
Sei que há muitas coisas mau resolvidas entre nós, mas isso nem chega aos pés do que está acontecendo.
Anna Kariênina e eu só temos uma a outra agora.
[...]Continua...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Corpos em Chamas: A vingança de Anna Kariênina (Romance Lésbico)
Ficção AdolescenteAnna Kariênina tinha apenas 10 anos quando seu pai foi injustamente acusado de assassino, e anos depois faleceu na cadeia. Doze anos depois, Kariênina se tornou uma assassina profissional após ser adotada e treinada por uma família de mafiosos, agor...