Capítulo 36

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{POV. Anna Kariênina}

O barulho da chuva intensa que havia se iniciado pela noite escura, era a única coisa que soava por toda a casa. Anna Elis havia se acalmado um pouco mais, embora eu ainda consiga sentir seu coração acelerado precionado ao meu peito enquanto estávamos sentadas no chão da sala, encostadas no sofá, Anna Elis entre minhas pernas me apertando como se eu fosse a única coisa que havia lhe restado no mundo. E de uma forma bem triste era isso mesmo, Anna Elis e eu estamos sozinhas nesse mundo que só quer nossa infelicidade.
Eu senti como se facas estivessem sendo pregadas em mim a cada palavra que li daquela carta, então posso concluir deve está mil vezes pior que eu. Sua vida parece uma novela mexicana onde os diretores só sabem fazer a protagonista sofrer, e eu me sinto a pior pessoa do mundo por não conseguir tirar nem 1% dessa sua dor e coloca-lá em mim, só para não vê-lá nesse estado novamente. Seu grito doeu em minha alma como nunca pensei em me sentir assim novamente, eu senti uma dor igual a essa apenas quando meu pai morreu, Anna Elis gritou como alguém que não aguentava a bagunça de sua vida e tudo que eu consegui foi ampara-lá e aperta-lá com força até que ela estivesse mais calma, mas sei que a dor ainda está lá, ela nunca vai embora, apenas deixamos ela de lado. Eu bem sei disso.
Um trovão explode iluminando toda a casa escura e Anna Elis se encolhe mais, suspiro lhe abraçando e outros minutos de silêncio se passam, até que ela se mexe novamente, mas dessa vez se afastando um pouco de mim. Nossos olhos se encontram e meu coração se quebra, ela tinha o rosto ainda molhado e inchado de lágrimas, olhos avermelhados e um semblante triste.

- O que houve ontem? - Sua voz saiu rouca e baixa. - Entre você e Borges 01. - Suspirei.
- Por favor, Anna, você está cansada demais para esse assunto. Há coisas mais importantes nesse momento.
- Não, por favor, me conte. Eu preciso saber, você disse que não me traiu apesar de eu te ver aos beijos com a Borges 01 no meu quarto. Então se explique. - Elis disse mais firme e eu assenti.
- Eu jamais te trairia, Anna. - Comecei. - Eu estava decidida a terminar tudo com Alana, só não ainda não tinha conseguido coragem para falar com ela e machucando-a, mas acabei machucando a única pessoa que eu quero proteger: você. - Minha voz travou e vi o queixo de Alana tremer por um instante. - Eu estava no teu quarto, procurando algo pra ocupar minha mente e então ela chegou, fiquei meio sem reação quando ela tirou o casaco e vi que não tinha nada por baixo. - Anna Elis virou o rosto para a chuva. - Eu não fiz nada, Elis, juro por minha vida. Alana avançou e eu acabei caindo na cama com ela por cima de mim, eu nem sequer toquei nela. Eu juro que não...
- Chega de detalhes. - Ela soltou como se não aguentasse mais ouvir e eu então puxei seu rosto com minhas duas mãos, para ela me olhar.
- Eu nunca te trairia, Anna Elis. Confia em mim. - Senti meus olhos marejarem. - Eu nunca trairia a pessoa que virou minha razão por levantar da cama, aquela que o destino me uniu a ela antes mesmo de entrar a essa casa. Anna Elis, você me fez enxergar que eu posso ter mais na vida do que um projeto de vida de uma vingança idiota. Anna Elis, você dividiu seu sonho comigo, podemos ir para o Havaí e viver como duas pessoas normais, eu sonho com isso, Anna. Você me fez sonhar, Anna Elis. - Meu coração começou a falar por mim. - Eu jamais faria nada que pudesse te colocar longe demais, te perder seria como morrer para mim. Então, por favor, confia em mim quando digo que não te traí.

Sem perceber já havia lágrimas em meus olhos e Elis também chorava, então me puxou e uniu nossos lábios. Um beijo salgado pelas lágrimas, embalado pela chuva e embriagado de carinho, perdão e... paixão.

- Eu acredito em você. - Elis disse com nossas testas ainda coladas. - Confio em você, mais do que em qualquer outra pessoa que ainda resta a se importar comigo nesse mundo. - Ela se afastou um pouco mais. - Minha vida inteira parece uma mentira e a única verdade que surgiu nela foi você, chega de fingir ser alguém que eu não sou. Eu sou a filha de um mafioso.
- O que quer dizer com isso? - Perguntei confusa.
- Minha mãe era uma narcisista que só se dedicava a me amar quando lhe convia, e descontava em mim suas frustrações. - Elis começou e então as lágrimas se foram, havia algo incrível em suas palavras, uma força incrível. - Passei a vida toda idolatrando a pessoa errada, uma mãe narcisista e abusiva. Quando, na verdade, quem sempre amou e protegeu a mim foi o pai que eu tanto ignorei. A morte dele não será em vão. - O queixo de Anna Elis tremeu. - Paul pediu que realizassemos um último desejo dele, matar Dorgles.
- Dorgles é teu pai biológico, Anna Elis. Você quer encomendar a morte do seu próprio pai? - Meus olhos se arregalaram por um momento.
- Aquele monstro não é meu pai, ele matou a minha mãe e desgraçou a vida de todos nós. Por culpa dele eu não tive uma relação saudável com Paul. - Anna Elis rebateu rápido. - Paul é meu pai, eu sou filha do segundo maior mafioso de San Diego. Paul Ralph é meu pai, meu pai. E ele não terá morrido em vão, não deixarei.

Elis falou com tanta convicção que quase não a reconheço, ela realmente havia mudado e eu estava ainda mais encantada com isso.
Segurei seu rosto novamente e nossos olhos se fixaram.

- Você foi a melhor coisa que me aconteceu em toda a minha. - Falei com um sorriso nos lábios. - E nós vamos passar por isso. Iremos matar Dorgles.

Então lhe beijei.
[...]

Após subirmos para seu quarto, Anna Elis capotou em sua cama por esta tão exausta. Mesmo a chuva ainda esfriando tudo, eu queria tomar um banho antes de me juntar a ela. Entretanto, quando cheguei a meu quarto para buscar algumas roupas, me surpreendi ao encontrar um envolve pequeno branco sobre minha cama, lhe olhei intrigada o segurando entre meus dedos e sentei sobre a cama.
Então meu fôlego faltou por um instante quando li a frente do envolve:

"De: Paul Ralph
Para: Anna Kariênina"

Rapidamente abri a carta e comecei a ler.

"A sua carta já estava escrita algum tempo após nosso casamento, mas tive que descarta-lá quando conversamos sobre seu envolvimento com minha filha Anna Elis, já que as circunstâncias agora são outras.
Então, oi, minha querida esposa de fachada! Espero que esteja aproveitando bem a minha herança. Brincadeiras a parte, se você está lendo essa carta é porque Anna Elis também já deve ter recebido a dela e toda a merda foi jogada no ventilador nesse momento. Pedi a meu amigo e advogado que te desse essa carta em particular, queria que você primeiramente dessa amparo a Elis, pois o caso dela é bem mais grave.
Minha história com a mãe de Elis foi um completo desastre do meio ao fim, mas mesmo assim eu a amei como jamais amei ninguém. Anna Elis sempre foi uma luz por essa casa, mesmo em silêncio e saindo pouco de seu ateliê, eu sempre a vi como uma áurea que não pertencia ao meu mundo. Ela pode não ter meu sangue e eu sei que falhei inúmeras vezes com ela, mas não quero que ela sofra mais.
A partir da minha morte, você, Anna Kariênina, controla toda a minha máfia e assim que cumprir nosso acordo matando Ralph, se livre de todo esses crimes e suma com Anna Elis. Chega de máfia, tráficos e crimes, isso só trouxe merda e dor para a família Ralph.
Sei que nosso casamento foi uma fachada por acordo, mas eu conheci alguém doce e puro como alguém que jamais ia conhecer a essa altura da vida, e por ironia do destino essa mulher é a maior assassina profissional dos mafiosos. Você pode matar mas seu coração ainda é puro, Anna Kariênina, o sangue que corre por suas mãos ainda não chegou a seu coração, e sei que jamais derramará nenhum após cumprir seu projeto de vida, deixo metade de minha herança e máfia para prevenir isso.
Nada é por acaso, Anna Kariênina, e eu soube que você era é a pessoa certa quando vi o porquê tão nobre de sua vingança, o amor por seu pai. Então depois que você passou a gostar e cuidar de Anna Elis, percebi que você era a pessoa certa para eu deixar a única coisa preciosa que tenho na vida. Vi como você cuidou de mim em meus dias difíceis do câncer, vejo bondade e compaixão em seu coração dolorido mesmo depois de ter passado por tanta coisa vida.
Você é a mulher perfeita para esta ao lado de outra mulher especial como minha filha. Desejo que vivam os melhores dias e que tenham forças para enfrentar as forças, o mundo é cruel também fora da máfia, as pessoas podem ser cruéis ao não entenderem as diversas formas de amor que o universo nos proporciona.
Seja forte, Anna Kariênina, pois sei que você consegue. A você entrego a jóia mais preciosa que guardei a vida toda, cuide de Anna Elis.
Com muito carinho, Paul Ralph seu marido de mentirinha."

Minhas lágrimas molharam a carta e coloquei a mão em minha boca tentando reprimir um soluço.

- Eu vou cuidar dela, Paul.

Sussurrei com minha voz embargada, para qualquer que seja o criador desse mundo e pudesse transmitir minha voz a Paul, a fim de acalentar sua alma após a morte.
[...]

Continua...

Corpos em Chamas: A vingança de Anna Kariênina (Romance Lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora