6 - Quando uma leoa luta

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Foram dois dias tão intensos que naquela noite eu decidi ir até a Sala Precisa para pedir o quarto com banheiro sob medida para mim, o mesmo que sempre pedia quando estava exausta demais e queria ser mimada pelo castelo. Era um quarto opulento — que se projetava na lateral da torre, com uma cama cheia de lençóis e travesseiros luxuosos e com uma piscina de banho rebaixada a céu aberto, cuja água escorria e parecia derramar-se pela borda, mas eu sabia que isso era o efeito da magia da sala.

Gavinhas de vapor espiralavam sobre superfície da água, convidativas e perfumadas com verbena, e eu imediatamente tirei minhas roupas e entrei nela bem devagar, fazendo uma careta quando a água trouxe uma pressão de dor nas minhas costas. O sol tinha se posto e o céu estava arroxeando quando meus dedos foram até o meu cabelo e passei as mãos pela bagunça embaraçada e encharcada. Suspirando, deslizei ainda mais para dentro da água, esfregando meu couro cabeludo. Quando emergi, apanhei o frasco de xampu e joguei um punhado nas minhas mãos, meu nariz se encheu com o cheiro de hortelã e alecrim e ronronei quando meus próprios dedos esfregaram meu cabelo, deixando o cheiro inebriante levar embora a minha tensão, enquanto ensaboava minhas mechas pesadas. Quando terminei, me permiti observar a vista de novo enquanto refletia sobre os acontecimentos dos últimos dias.

Eu precisava marcar um encontro com Hannah Abbott para conversar sobre sua família, e escrever para Viktor sobre possíveis outros livros de árvores genealógicas que existam em Durmstrang. Eu me perguntava se isso jamais acabaria, essa necessidade de pesquisar a herança sanguínea e traços mágicos perdidos para tentar buscar uma "cura" para as pessoas que, em sua grande maioria, eram ingratas e preconceituosas.

Às vezes, eu achava que a guerra de quase cinco anos atrás, nunca tinha terminado. E de certa forma, ela não tinha mesmo. Os efeitos do "fim" dela, ainda atingiam toda a população mágica e, para muitos, como fui uma das pessoas "beneficiadas", eu deveria colocar todo meu esforço e dedicação em encontrar a solução desse problema. Em dias como esse, em que eu estava exausta, eu me perguntava se não teria sido melhor que eu tivesse desaparecido no meio da batalha de Hogwarts e abandonado o mundo mágico para sempre.

Muitas vezes, eu desejava me tornar algo que não precisava de ar para respirar, algo que não entendia ódio, amor, preconceito, medo ou luto. Viver em uma constante falta de sensação e me sentir bem distante de tudo. Eu sempre me pergunto se esse vazio pode ser algo tão sedutor, libertador e belo.

Mergulhei outra vez na água morna, tentando esvaziar minha mente, como nas aulas de Oclumência que tive com Lupin, antes dele partir para o Brasil. Eu quase conseguia tocar o "nada" dentro da minha cabeça, quando o vazio se derramava pelos cantos dela.

Pegadas silenciosas soaram atrás de mim e eu fiquei surpresa por alguém conseguir entrar na Sala Precisa quando ela estava fixada na minha "paisagem mental". Desci até abaixo da superfície, agradecendo aos deuses por meu cabelo ser longo o suficiente para cobrir os meus seios, e com a voz nervosa pelo constrangimento, decidi mostrar que já havia alguém aqui.

— Olá?

A pessoa ainda estava coberta pelas sombras, mas era possível ver que trazia uma bandeja de comida na mão, e parou de súbito quando viu a piscina. Meus nervos se eriçaram quando sua forma finalmente pisou na área iluminada do quarto e os olhos de Severus Snape dispararam para onde eu estava. Pude jurar que ele quase soltou a bandeja no chão.

— Eu... — Ele proferiu, antes de engolir as palavras de volta.

Meu constrangimento não me impediu de perceber o quanto ele próprio estava surpreso e envergonhado por ter me visto numa situação tão íntima. Snape pigarreou.

— Eu... não... Eu vou... deixar ali. — Ele indicou com o queixo a mesa ao lado da cama e eu acompanhei com o olhar enquanto ele seguia completamente tenso até lá e apoiava a bandeja. — Certo. — Ele pigarreou de novo enquanto se dirigia para a saída.

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