Sai do casting resmungando e xingando baixinho. Filhos da puta, pensei ao entrar no metrô. Preferia mil vezes que não me contassem porque estavam me descartando das seleções. Mil vezes!
Respirei fundo, meus olhos ardiam e sentia meu rosto quente. Peguei meu celular e coloquei os fones de ouvido.
Dezenove e vinte e quatro.
Cogitei ligar para a Beatriz, mas, depois de um longo momento analisando minhas opções, liguei para o Raoni.
— Alô?
— Oi. Tá ocupado?
— Ah, oi. – ele fez uma pausa tão longa que quase me perguntei se a ligação tinha caído. — Eu tô indo pra aula. – sua voz era distante, reparei.
— Tá tudo bem?
— Uhum. – silêncio de novo.
— Pode me falar se tiver algum problema. – garanti, encostando a cabeça no vidro, tentei me atentar a voz anunciando as estações.
— Não, eu tô bem.
— Raoni?
—... Só estranhei você não aparecer hoje, só isso.
Mordi a língua.
Nas últimas semanas eu tinha ido todos os dias ao restaurante esperar o Raoni para voltarmos juntos. Às vezes, parávamos para comer algo no shopping, mas acho que na maioria dos dias, só pegávamos o ônibus, íamos para a estação de trem e ficávamos conversando ou ouvindo música dividindo o fone, até dar minha estação já que eu descia antes dele.
Merda.
— Tinha um casting marcado, nem fui pra biblioteca hoje. Deveria ter te avisado, desculpe.
— Ah... Certo, eu entendo. – suspirou. — Desculpa reclamar disso, só estranhei mesmo.
— Te chateei?
— Nah. – ele riu baixinho, um riso fraco. — Foi tudo bem?
Suspirei.
— Nah. – usei o mesmo tom que ele para falar. Imitar o jeito das pessoas sempre era uma boa ideia, sempre tive a impressão de que, na dose certa, isso gerava simpatia. — Falaram que estavam procurando alguma deficiência mais evidente para que ficasse melhor nas capas. Aí, depois, dispensaram um garoto que não tinha um braço porque ele não usava próteses e disseram que um cara sem um membro ficaria muito estranho. Indecisos do caralho.
— Como você sabe dessa parte?
— A gente veio conversando. – dei de ombros. — Meu Deus, que ódio! Eu tô tão... – respirei fundo quando minha voz falhou.
— Isso é tão filho da puta. – suspirou do outro lado.
— Desenvolva. – pedi.
— Hã... Isso, tipo... Querer retratar pessoas com deficiência, mas não querer retratar da forma com que realmente se parece.
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Luzes e Estrelas
Lãng mạnRaoni só queria acabar o turno no trabalho e ir para a aula de teatro. Mas, um inesperado e um tanto vergonhoso encontro num ônibus com Isaac, um modelo com deficiência visual, resultou numa história de amor. __________________________ Obra postada...