— É estranho... – comecei. — Tipo... Eu vou fazer vinte anos em um mês e... Parece que eu não fiz nada com a minha vida.
— Por que isso? – Vanessa perguntou, seu tom era gentil.
O consultório estava fresco, com o ar-condicionado ligado mesmo o inverno cada vez mais perto e um cheiro agradável de desinfetante. As janelas fechadas abafavam os sons externos de trânsito e metrôs que chegavam e deixavam a estação.
— Porque parece que... – pensei um instante, tentando formular minha resposta. — Eu sei que é completamente irreal a ideia de sair de casa, ter um apê mobiliado e um emprego estável com a minha idade. Eu sei. Mas... De algum jeito, parece que não ter conseguido isso ainda é... Errado. Tipo, como se... Não meus pais, eles nunca fizeram nada disso, mas, o mundo mesmo, sabe? Como se o mundo tivesse me feito acreditar que devia conseguir isso. E que como não consegui, eu não presto. – suspirei. — Isso é loucura?
— Nem um pouco. Muitos jovens se sentem pressionados a isso. A sociedade coloca essa ideia de que devemos estar sempre produzindo e que não podemos parar por um instante ou estaremos sempre atrasados e acabamos vivendo com a sensação de estarmos correndo contra o tempo.
— Isso é uma merda. – suspirei e coloquei meus pés na poltrona. — Eu estou recebendo bastante agora, no entanto. Talvez em um ou dois anos consiga comprar um apartamento. Talvez. Se os jobs manterem o ritmo. Estou tentando me consolar com isso, mas é muito imprevisível a situação. Tudo pode desandar a qualquer instante e não sei como controlar isso.
— A pergunta é, você tem como controlar isso?
Suspirei.
— Não, acho que não. O que é uma merda. – massageei minhas têmporas enquanto falava. — Cada passo que dou, cada decisão que tomo... Eu hesito tanto. Eu tô sempre tão em dúvida de tudo que faço. Tudo parece tão errado sempre. Eu pareço tão errado sempre. Tudo que falo ou não falo me deixa ansioso. Como se resolve isso? Eu só... Queria que um adulto resolvesse tudo isso.
— Isaac?
— Hum?
— Você vai fazer vinte anos. Você é o adulto agora.
Suspirei e forcei um sorriso.
— Que merda, né? – me obriguei a rir.
***
— Você pode parar de estragar a massa? – dei um tapa na mão do Raoni enquanto terminava de abrir a massa de biscoitos de gotas de chocolate que tinha feito. — Me ajuda com as forminhas.
Ele riu e mordeu a ponta da minha orelha antes de concordar.
Estávamos na minha casa, meus pais assistiam alguma coisa na sala. Podia ouvi-los rir. Talvez alguma sitcom. Barry pulava entre nossos pés, latindo, lambia meus dedos do pé e exigia atenção.
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Luzes e Estrelas
RomanceRaoni só queria acabar o turno no trabalho e ir para a aula de teatro. Mas, um inesperado e um tanto vergonhoso encontro num ônibus com Isaac, um modelo com deficiência visual, resultou numa história de amor. __________________________ Obra postada...