(25) - Bruxa da água.

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Eu estava na beira do lago. Diferente da primeira vez, agora eu tinha controle sobre mim. Poderia ter apenas observado, mas de alguma forma, uma ponte se formou sobre a água.

Desdobrei os joelhos e fiquei olhando para aquela convidativa ponte. Ela se agitava com o balanço da água. Coloquei meu pé sobre ela, ainda me agarrando com uma árvore.

Não cai. Coloquei o outro, e logo vi que meus pés estavam firmes. Ao meu redor, a água se levantava, fazia ziguezague e pequenas ondas. Fiquei de joelhos sobre a ponte e olhei meu reflexo na água escura. Consigo fazer algumas gotas flutuarem, e tudo parece perfeitamente mágico.

Porém, quando me levanto, algo prende meus pés. Olho para baixo a fim de me soltar do que me prendia. Mas ao ver o rosto de Millie, eu penso melhor sobre me soltar, já que seu rosto estava submerso, e acho que tentava gritar.

Fiz uma abertura na ponte, e a puxei para cima. Ela tossiu e seu rosto estava pálido. A levei para a borda, e consegui fazer com que uma bola de fogo se projetasse. Era bom ter controle do meu poder. Olho para trás, e lembro daquele dia de inverno, quando ela me tirou do gelo.

Minha atenção se volta para ela quando meu braço é segurado, e percebo que me encara. Eu não tive oportunidade de perguntar como ela chegou ali. Não. Millie fechou seus olhos e dormiu. Ou eu espero que tenha apenas dormido.

Enquanto no meu sonho os olhos de Millie fechavam, os meus se abriam.

Eu e ela passamos a tarde aqui, e em certo momento, depois de beijos e carinho no cabelo, dormimos. Mas foi um erro, já que prevejo uma madrugada acordada. Fitei o teto quando não a senti ali do meu lado.

Então um pensamento se passou pela minha cabeça: E se Sharionkin estivesse a colocando em situação de perigo?

Levantei num súbito, e esperava que ver Millie ali me trouxesse menos preocupações. Mas não trouxe, já que ela estava caída no chão. Me aproximei com um medo que nunca senti na vida.

Mas Millie se mexeu, seus olhos estavam abertos. Após um sinal de silêncio, ela aponta para o chão e sussurra:

- Tem algo aqui.

Quase que no mesmo instante, me deito também, e coloco minha orelha contra a madeira fria.

De fato, tinha algo ali. Eu só não sabia o que era.

- Já olhou no...

- Já.

No alçapão.

Continuei escutando. Não eram batidas contra a madeira, pedindo para que tirasse alguém dali. Também não tinham gritos. Era algo que arrepiava dos pés até a cabeça. Um tipo de arranhão contra a madeira.

Levantei procurando por Prisleus, mas ele estava sobre o alçapão, dormindo igual um anjo.

Os arranhões começaram a ficar mais fortes, e agora seu som era quase insuportável. Me afastei do chão, e Millie fez o mesmo.

- Precisamos descobrir o que tem aqui - Ela falou enquanto praticamente rastejava até mim. - Não parece ser boa coisa.

O medo me tomou, mas eu precisava ir até o lago. Ao mesmo tempo que eu temia deixar Millie sozinha aqui, também sei que ela é forte o suficiente. Mas não para o lago. Não sei o que aconteceu depois.

- Amanhã... - Falei olhando para o quarto, a procura dos meus sapatos baixos. - Amanhã.

Levantei e ajudei ela logo em seguida. Millie me olhou como se seu olhar penetrasse na minha alma.

- Você vai embora? - Perguntou.

Fui rápida em negar com a cabeça. Não quero que ela pense isso.

- Água. - Falei após calçar meu sapato.

- Vai até o lago?

Assenti.

- Eu tive um sonho - Expliquei. - E nele eu tinha o controle da água. Talvez faça sentido depois que tive aquele do fogo - Balancei a cabeça, recordando da imagem do meu braço queimando. - Depois o que eu flutuava e agora esse.

Foi necessário ocultar as partes que ela aparecia. Não que o do campo fosse ruim, mas e os outros dois? Seria motivo para pergunta.

- Eu vou com você - Falou decidida. - Não é possível te salvar sozinha, mas eu posso pedir ajuda caso algo aconteça.

- Nada vai acontecer - Não comigo. - Só fica aqui, eu volto logo.

Respirei fundo. Millie me olhava com raiva.

- Eu vou com você.

Bem, eu preciso admitir... O medo de algum tempo atrás voltou. Não era o da voz. Era Millie brava.

Assenti.

Abri a porta lentamente, e nós duas andamos juntas, lado a lado. O barulho era maior por conta dos estalos duplos que nossos pés emitiam. Mas isso passou rápido, já estávamos na borda do lado.

Me aproximei e coloquei a ponta dos meus sapatos na água. Ela batia lentamente contra eles. Fechei meus olhos e em seguida aproximei minhas mãos.

Tentei pensar na ponte, nas pequenas gotas subindo como mágica. Mas tudo que vi foi o rosto de Millie ali, quase se afogando.

Soltei um grunhido e deixei meu corpo cair para trás, se chocando contra as pequenas pedras úmidas. Millie se sentou ao meu lado, e ficou encarando o lago.

- Já tem dois poderes - Falou. - Não se cobre tanto. Ao menos já consegue controlar melhor o do fogo, certo?

Não era totalmente verdade, mas eu assenti.

Até agora apenas fogo e telecinese. Mas são suficientes para que eu consiga fazer alguma besteira sem saber controlar.

Repentinamente, uma grande e pesada bomba de água começou a pairar na frente do meu rosto. Quando a toquei, ela se desfez e me molhou. Fiquei animada achei que tinha conseguido, mas passos se aproximavam, e a responsável por eles deixou Millie com raiva. Ela não sabe disfarçar.

- Não é assim que vai conseguir ter controle da água - Deu ombros. - Requer prática.

- Estou tentando.

- Por que está aqui, Swan'gan?

- Quando estou sem sono ou meus pensamentos não me deixam em paz eu venho até aqui - Ela falou, e então ergueu um grande muro de água. Bem na nossa frente. - A água pode ser traiçoeira. Assim como as pessoas.

- Creio que a água seja pior. - Apontei para o lago, as lembranças do rosto de Millie ali... Isso é agoniante.

- A água te mata de uma vez - Suspirou. - Na verdade, é perturbador você tentar respirar, mas tudo a sua volta ser apenas água e mais água - Ela jogou uma pedra. - Mas as pessoas te sufocam, chutam suas costelas, apertam seu pescoço te erguendo no ar e nos fazem quebrar em vários pedaços. Mas ainda não é uma morte. Pelo menos não fisicamente.

Olhei de relance para Millie. Ela tinha entendido, assim como eu.

- Por que não tenta novamente?

Estalo a língua, foco na lua que nos dá uma perfeita iluminação.

- É inútil.

- O inverno está indo embora - Millie falou de repente. - Que acha de fazermos o de sempre na primavera, Swan'gan?

A bruxa da água se levantou. Mas não foi embora sem antes lançar gotas até o rosto de Millie.

- Não é inútil - Ela falou enquanto se aconchegava ao meu lado, apoiando sua cabeça em meu braço. - Tenho certeza que vai conseguir.

- Por que eu?

- Por que não você?

- Talvez... hum... Porquê eu seja uma garota idiota de Lightcyandawn que é boa com arcos, mas é ruim com sentimentos e poderes?

- Sente falta de lá? Da sua casa?

Continuei olhando para a lua, desejando que ela desaparecesse entre as nuvens e uma chuva forte caísse. Seríamos obrigadas a ir para dentro, e eu não precisaria responder essa pergunta.

My Girlfriend Is a Witch • SillieOnde histórias criam vida. Descubra agora