Sonhos salgados

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O barco marrom parecia desalinhado naquele verdadeiro espetáculo de vida

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O barco marrom parecia desalinhado naquele verdadeiro espetáculo de vida.
As águas estavam com o tom negro do céu
sendo iluminadas pela luz da maré que sempre nos guia.
Uma noite sem Lua, é sinal que você deve se arrepender 
e uma noite com Sol, é sinal que você deve se apaixonar.
Por enquanto nada de vento
mas os barulhos das gaivotas pareciam ainda mais claros no escuro.
Aquele era o melhor momento para buscar peixes e se afogar.
O pescador jogou a rede no mar, sempre com esperança.
Cortes, feridas, calos, bolhas
suas mãos precisavam de uma outra vida para virem bonitas, macias como uma concha na areia dourada.
No final da vista do horizonte se ouve um ruído na água. Agitação.
A tempestade nunca vem de surpresa 
e nunca vem sem uma verdadeira razão.
Segundos, foram dois segundos para o pescador notar que estava sendo observado 
uma criatura o olhava, estranhamente indiferente.
Engoliu em seco o cuspe guardado na garganta
pavor, medo, sonho.
Definitivamente estava sonhando. 
Era um homem, com certeza era um homem.
Não precisava muito para desvendar.
Os olhos cinzas carregavam a mesma essência que o olhar de um homem
com ilusões, sorrisos, planos e promessas de mais.
Escondendo o que mais querem, de quantidade e tamanho.
A boca fina formava um sorriso natural, com dentes afiados.
O cabelo loiro estava jogado para trás, molhado, suado, pecado.
Ele não falou, mas gesticulou o suficiente para o pescador chegar a mais uma conclusão
que amores molhados no fundo do mar, são melhores.
Quando a criatura avançou, se encostando no barco 
o pescador pegou uma faca que sempre carregava.
Aquilo não o salvaria.
O homem abriu a boca, revelando uma língua azulada e vermelha 
dessas que você tem vontade de morder. 
Os músculos do ombro se contraíram 
revelando ainda mais a pele nua.
Um homem incrivelmente bonito, nu. Na água. A noite.
As madrugadas pescando sempre foram monotonas 
cansativas e o pescador chegava a odiar a água salgada.
Mas se estivera esperando por uma vida, só para ver tal criatura em sua frente
valeu a pena.
Abaixou cuidadosamente a ponta afiada, mirando no chão em vez do corpo
a criatura o observava fazer aquilo, sem se mover, sem se assustar.
Violetas.
Eram os olhos violetas mais lindos que o pescador tinha visto
não que tivesse visto muitos.
Se apoiou sobre a borda infinita do barco
admirando, pensando, se apaixonando.
Na mitologia definem sereias como criaturas assassinas e medonhas
mas o pescador, encarando ali uma, ou um, discordava demais dessa afirmação.
O sereio não parecia querer comer sua carne entre os ossos
parecia desperto, como uma força da natureza.
A cauda, vista pelo pescador como um chicote, brilhava.
Brilhava como mil estrelas no céu. Como o meu olhar, pensando em você. 
Não saberia dizer se pelo escuro
ou pela magia que ali flutuava, mas se moresse agora, agradeceria deus por leva-ló após esse encontro.
A maresia invadiu seus poros, um beijo, ela sussurava.
Foi pego pelo gesto sonhador do sereio, invadindo seu rosto com os dedos gelados e grandes.
O braço marcava as veias azuis
delineando aonde ele queria beija-lás
A mesma sensação de se afogar ou de pular da janela
o primeiro dia de um encontro
a ansiedade dos amantes
se comprimiu naquele tocar de lábios. 
Sentiu gosto de sal, areia, água de coco e talvez peixes.
Ele podia temer pelo coração dos apaixonados 
que cruzam o deserto
mas ele, se afogaria na água
por aquela miragem.
Agarrou os cabelos molhados da criatura, que o beijava como quem precisava respirar.
Aproximou tanto o corpo do sereio, que sentiu o queixo tocar a água.
Mas sem medo e sem expectativas.
Sentiu vazio.
O pescador se encontrava deitado na areia, adormecido pelo cansaço
com o chápeu na mão e a roupa seca.
Foi apenas um sonho.
Porque somente por amor, a gente aceita sonhar.

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