Prólogo

476 18 3
                                    

Quando acordamos de um sonho parece que estamos aterrissando suavemente de paraquedas com a sensação gostosa de leveza e conforto ou pulando de um prédio alto e caindo descontroladamente para um buraco estreito e sem fundo. Eu estava deitada com os olhos congelados no teto com as duas sensações martelando em meu peito e a cabeça latejando. Não tinha silêncio, não tinha paz. Do lado de fora um vizinho fazia seu som infernal na reforma de sua casa, outro desalmado ligou o radio no ultimo volume com os pagodes mais escrotos da nova geração e dentro de casa minha mãe gritava impropérios para um dos meus irmãos. Respirando o mais fundo que consegui levantei e me dirigir para o banheiro. Minha aparência estava horrível, o cabelo liso pela chapinha de três dias não conseguia ficar perfeito depois de uma noite de sono como nos filmes e propagandas, meus olhos inchados e ainda ardendo. Tomei um banho reconfortante, vesti um vestido vermelho de babado e desci para a cozinha. A casa, como todos os domingos, estava impecável e vazia aquela hora da manhã. Não que dez horas fosse cedo, mas aos domingos todos, menos meus pais se davam ao luxo de acordar tarde. É isso mesmo, eu uma jovem de vinte e quatro anos ainda moro com meus pais e irmãos mais novos. -Bom dia moça. – minha mãe disse quando abri a geladeira e tomei um copo grande de água gelada. –Está de ressaca?

-Não. – respondi pegando uma xícara e me servindo de café. A água era um habito que adquiri durante os anos por ler numa revista que um copo de água logo de manhã ajudava a manter a forma, claro que era acompanhada de exercício e eu era uma sedentária, mas isso era só um detalhe.

-Vai tomar isso tudo de café? O que é, está com dor de cabeça? – não

respondi de novo, mas dei um sorriso fraco. O café forte e quase sem açúcar costuma me ajudar com a constante dor de cabeça, mas naquele caso era só para acordar de verdade. Provei um gole daquele fazendo uma careta em seguida. Estava doce demais.

-Porque vocês fazem tanto barulho logo de manhã cedo? – me queixei tentando tomar mais um gole. Quando não acordo de bom humor só começo a interagir quando tomo meu café ou em meia hora de silêncio. Minha mãe me olhou como se eu fosse maluca e voltou a atenção para as panelas.

-Cedo? É quase meio dia. Eu estava falando do seu irmão que já saiu para jogar bola. Nem vi quando saiu e encontrei seu quarto vazio e bagunçado... Esse menino só pensa nisso e não dá atenção aos estudos. – reclamou. Eu fiz cara de tédio e respirei mais fundo. Aquela conversa era lendária e eu me prometi não dá mais opinião.

-Letícia já acordou? – perguntei para mudar de assunto.

-Let já saiu. – informou colocando uma vasilha de verduras na minha frente. Todo domingo era assim suspirei, eu ficava na cozinha ajudando minha mãe a preparar o famoso almoço de domingo e ouvindo suas reclamações. Sem saco nenhum para isso hoje eu coloquei meu fone e deixei Bruno Mars me possuir. Quando o almoço já estava pronto todos começaram a aparecer. Embora não fossemos a família mais unida do mundo no domingo era quase tradição todos almoçarmos juntos então eu e minha mãe nos dedicamos a colocar a mesa.

-Ainda? Eu já estou morrendo de fome. – Filipe reclamou entrando sujo do jogo e sentando-se.

-Poderia ter ido para a cozinha já que queria comer no horário. – meu pai falou entrando batendo na bunda da minha mãe  e sentando-se. Ele me olhou e fez uma cara feia. Eu sabia que me reclamaria então comecei a tamborilar os dedos na mesa e aguardei.

-Cheguei. – Letícia gritou aparecendo na cozinha. Eu olhei pra ela e avaliei, seus cabelos curtos e vermelhos estavam bagunçados e sua roupa de preta estava cinza de poeira, deduzi que estivesse nos fundos do armazém do pai de Silvia tocando como sempre. Parecia feliz o que era muito raro.

-Bem no horário. – minha mãe disse entregando-lhe um prato.

-Estou faminta. – comentou sentando-se.

-Rafael não vem hoje? – meu pai quis saber.

-Não. Ele ligou e disse que está em Ponte Gordo. – minha mãe contou cortando o frango. –Felipe, vá lavar as mãos.

-Que chatice. – resmungou,mas obedeceu.

Nossa família se constituía em seis pessoas. Meu pai Oliver Monteiro, restaurador, carpinteiro, pedreiro, inventou, enfim um faz tudo, minha mãe Laura, dona de casa e artesã e vendedora de cosméticos, minha irmã Letícia de 23 anos que trabalha como gerente numa joalheria, meu irmão caçula Filipe de 16 anos que ainda estuda ou finge, depende do ponto de vista e Rafael o mais velho de 26 anos e único que mora em sua Própria casa e trabalha num escritório de advocacia e eu, 24 anos, solteira, morando com  os pais, desempregada e desiludida. Não dá pra dizer o quanto os anos estão pesando e sinto a crise dos vinte e cinco se aproximando, mas não acredito que minha situação seja desesperadora porque tenho esperança e embora ela morra varias vezes seu nascimento é quase imediato. Tenho fé de que quando menos esperar algo muito bom vai acontecer. Ingenuidade? Talvez!

-Será que foi conhecer os sogros? – Letícia perguntou.

-Ele já adiou isso tantas vezes que quando acontecer já não vai nem está mais com a Bruna. – Filipe brincou voltando a mesa com as mãos limpas. Bruna ou Bru, era a namorada do meu irmão ambos se conheceram no banheiro masculino onde a Bru invadiu a procura do ex. Ela é uma das pessoas mais lindas e generosa que eu já conheci e transformou meu irmão numa pessoa melhor também.

-Temos que marcar um jantar aqui em casa para conhecer a família dela... talvez no natal. – minha mãe sugeriu. Minha mãe adora festas, adora receber convidados ao contrario do meu pai que prefere ficar em casa e curtir a família, o silêncio e a paz.

-Não precisamos marcar nada Laura. – ele retrucou carrancudo.

-O que você prefere marcar um encontro aqui em casa e receber a família da moça ou ir num jantar que certamente eles marcarão? – questionou em desafio. Se tinha uma coisa que meu pai odiava mais do que receber visitas era ter que ir na casa de alguém. Ele ficava tão intimidado por está longe do seu território que não conseguia relaxar.

-Vamos vê. – disse começando a comer. Todas as vezes que ele perdia uma batalha ele dizia a frase então eu e minha mãe trocamos um olhar e sorrimos. Após o almoço eu fiquei só com as minhas musicas enquanto lavava os pratos e o meu pai resolveu entrar na cozinha. Eu já esperava então continuei cantarolando e limpando a pia fingindo despreocupação. Meu pai era o tipo de pessoa que procurava reclamar de tudo e geralmente eu era seu alvo preferido, como não dei muita atenção ele retirou meu fone.

-Amanhã você vai pegar sua carteira, não é? – perguntou autoritário.

-Vou. – confirmei apenas. Preferi não dizer ao meu pai que fui coagida a ir ao oftalmologista a contra gosto porque ele faria questão de lembrar que tinha me avisado varias vezes antes. Estava com minha ultima aula de direção marcada e como minha visão a distância era horrível meu instrutor me intimou a conseguir um óculos ou eu não receberia a carteira então eu teria que ceder e no minimo comprar um óculos.

-Precisa de dinheiro? – inquiriu com o olhar mais suave.

-Não. – na verdade eu precisava, mas era desesperador precisar ser bancada pelo pai na minha idade.

-Tem certeza? – insistiu.

-Tenho pai. Não se preocupe eu ainda tenho o dinheiro da ultima crônica. – falei voltando a colocar o fone. Ele ficou me olhando por mais um tempo e saiu resmungando. Enquanto eu não conseguia um emprego vendia minhas crônicas para o jornal local ou para sites de contos. O dinheiro era pouco, quase nada, mas dava para tomar um sorvete. Após lavar os pratos fui para o meu quarto. Quando nos mudamos aquele quarto era enorme, mas era dividido com a Letícia, como nós duas nunca fomos muito unidas meu pai teve que criar uma outra parede e dividir a gente. Agora eu tenho um quarto que só cabe minha cama, uma estante embutida em cima dela onde coloco meus livros, um criado mudo de cada lado, um guarda roupa perto da porta e uma escrivaninha pequena na outra parede onde eu coloco meu computador e amontou mais livros. Por insistência a parede de frente para minha cama foi transformada numa varanda pequena onde eu coloco uma cadeira de vime que ganhei de uma amiga, um tapete rustico, umas folhas artificiais e um sino dos ventos de madeira com borboletas e flores pendurados. Quando não tenho compromisso meu quarto é meu santuário então com um livro na mão e o objeto de não pensar na minha vida que estacou no meio do caminho a quase dois anos, me desligo do domingo invadindo a historia de Hadley e Oliver em A probabilidade estatística do amor a primeira vista.

 https://www.facebook.com/Romancesdelis?ref=hl


Tudo mudou...Onde histórias criam vida. Descubra agora