-Não acredito que a Karina fez tudo isso sozinha!
Minha tia admira a pequena galeria repleta de obras de arte da minha amiga. O professor dela não tinha conseguido um lugar muito grande, mas pra ela não importava. Ela só queria mostrar sua arte ao mundo e ela conseguiu. Até no jornal a baixinha apareceu.
-Eu vou dar uma olhada nas obras!- fala meu pai
Sorrio.
-Ah, que bom que chegaram!
Karina me abraça com força, sem intenção de me soltar tão cedo. Dava pra notar seu nervosismo por trás daquele sorriso gigantesco.
-Tem tanta gente desconhecida que fico toda tímida. Já tiveram cinco pessoas elogiando minha arte e outra que perguntou o preço.
-O que você esperava? Você é uma artista incrível!
-Não estou acostumada com a fama. É agobiante todo mundo te olhando!
Rio dela.
-Não é engraçado! Queria ver você aqui!
-Por isso que eu não sou um artista, eu prefiro ficar nas sombras.
O professor dela chega todo feliz.
-Vem, quero te apresentar à um crítico de arte.
Ele nem dá tempo da Karina fazer alguma coisa, já a pega pelo braço e a puxa galeria afora.
-Teu príncipe encantado está chegando!- fala minha tia
E o mundo para e eu só consigo prestar atenção no homem vindo na minha direção.
-Fecha essa boca que uma mosca vai entrar nela.
-Boa noite pra você também Apolo.
Com delicadeza ele pega minha mão.
-Eu queria mesmo é te beijar- sussurra ele
Olho pros dois lados e percebo que ninguém está olhando pra nós, todo mundo está compenetrado olhando uma das vinte e cinco obras da exposição.
-Então sacia tua vontade.
Ele, um pouco hesitante, pega meu rosto com as mãos e me dá um beijo rápido, mas cheio de paixão.
Apolo e eu éramos um casal faz apenas dois meses, faz dois meses que "pedi" ele em namoro. Mesmo fazendo programas de casal e saindo juntos por Nova York, as demonstrações de carinho público eram quase nulas. Não era vergonha, mas sim medo. Casais heterossexuais se beijando no Central Park era bonito, já nos dois nos beijando era algo inaceitável. Mesmo cortado contato com o pai do Apolo, pessoas e ideias como o dele sempre tinham um espaço no nosso relacionamento, infelizmente.
-Apolo, acho melhor você comprar sua pintura logo. Tem gente querendo comprar as pinturas do Tony!- fala meu pai animado
Eu tenho certeza que ele compraria uma das obras. Além do seu grande coração e vontade de ajudar aos outros, ele estava doido pra ter uma pintura da Karina na sua casa, principalmente porque eu era seu principal modelo.
Apolo solta minha mão e sorri.
-Já volto, meu amor- sussurra ele
Como toda vez, durante esses dois meses, meu coração se enche de felicidade ao escutar o apelido pelo qual ele me chama.
Ele some de vista, entrando nos corredores da galeria e desviando das pessoas. Era lindo ver como, mesmo sendo uma artista pequena, a Karina já tinha uma legião de fãs.
-Senhor, desculpe!- fala um garoto
Me surpreendo ao constatar que ele queria falar comigo.
Analiso o jovem na minha frente. Um cara alto, não muito musculoso, mas também não muito magro. O cabelo dele é preto liso e nem muito curto nem muito longo. Se eu não tivesse namorado eu diria que ele é bonitinho.
-Pois não?
-Eu sou estudante de jornalismo e estou fazendo uma matéria pra um jornal. Por acaso você é o cara das pinturas?
Essa pergunta alguns meses atrás iria me incomodar, mas hoje não me importo mais. Sei que muita gente vai me conhecer como o cara das pinturas da Karina, mas quem me conhece de verdade vai me reconhecer pelas minhas qualidades e defeitos.
-Sim sou eu.
-Queria um breve depoimento seu sobre a exposição. Mas, principalmente, eu queria entrevistar a responsável de tudo isso.
-Claro! Assim que você terminar comigo eu te levo pra conhecer minha melhor amiga.
-Melhor amiga? A Karina é sua melhor amiga?
-Com orgulho posso dizer que sim.
Olho pra minha amiga que está conversando com um idoso, toda sorridente.
-Essa artista incrível é minha melhor amiga.
-Então é por isso que tem tantas obras do senhor.
-Para de me chamar de senhor. Se bobear sou mais novo do que você.
Ele ri.
-Então é por isso que tem tantas obras de você? Melhor?
-Melhor. E respondendo sua pergunta eu diria que sim, mas ela teve que insistir muito. Ela sempre me pintou, mas só servia de modelo de corpo, nunca deixando ela pintar as minhas manchas. Mas um dia ela insistiu tanto que concordei e deu nisso.
-Então o que você diria pra pessoas que carregam marcas desde o seu nascimento, pessoas que são diferentes ao outros.
-Que é normal ter inseguranças, se achar feio e ter autoestima baixa. Mas que elas saibam que são as suas diferenças que os fazem especiais, são elas que os fazem lindos.
Nessa hora Karina brota ao meu lado e os olhos do estudante brilham.
-Ah, que honra ter a artista desta incrível exposição ao meu lado. Você me concederia uma entrevista?
-Eu estou cansada de ter que falar com repórteres, já dei umas dez entrevistas.
O olhar dele murcha. Parecia que o garoto não queria só uma entrevista, quero a tempo ao lado da minha amiga.
-Por que não fazemos assim, te dou um tour exclusivo pela minha exposição e o que eu for te dizendo você pode usar na sua matéria, que tal? Mas nada de perguntas.
O jovem sorri, imensamente feliz.
-Será uma honra acompanhar a bela artista pra ver as obras mais belas que eu já vi.
-Isso não é verdade. O Leonardo da Vinci é bem melhor do que eu.
-Não se podem comparar os artistas! Ele é do renascimento e seu estilo é uma mistura de realismo com expressionismo, você retrata as pessoas com sentimento, encanta as pessoas com sua arte.
-Parece que você gosta de arte e entende bastante.
-Minha vó era artista.
-Qual o nome da sua vó?
-Você não a conhece, ela só pintava pra família...
E a conversa de ambos continua, mas eles começam a caminhar pela galeria, alheios ao resto do pessoal.
-Quem era esse?- pergunta Apolo
-Mais um admirador da sua irmã.
Ele pega minha mão e a beija.
-Quer ver o que eu comprei?
-Não vai me dizer que pegou um quadro de outro garoto?!
Karina tinha pintado um garoto que tinha albinismo, uma fofura. Além dele ele só tinha mais quatro quadros de homens, três meus e um de um nadador paraolímpico do Brasil que não tem os braços devidamente formados.
-Eu só tenho olhos pra você, meu amor.
Ele me dá um beijo rápido e finalmente me mostra o que ele tinha comprado. O quadro estava bem embalado, até com plástico bolha, mas tinha um pequeno cartão com a foto da pintura.
-A foto que deu origem a tudo isso...
Era uma das duas pinturas na qual eu estava sozinho. Ela tinha claramente me desenhado, minhas manchas estavam visíveis na pintura, mas ela tinha deixado meu rosto de fora, preservando um pouco da minha imagem. No quadro, eu estava em pé com um moleskini preto na mão, caderno que eu usava como espécie de diário no ensino médio, anotando o que eu estava sentindo no dia, minhas angústias, meus medos e inseguranças.
-Eu amo esse quadro!
-E eu amo o modelo.
Ele me dá outro beijo rápido, demonstrando seu amor.
-O Apolo não foi o único que comprou um quadro!- fala o meu pai orgulhoso
-E qual você escolheu?- pergunto mesmo já sabendo a resposta
Karina tinha me desenhado uma vez lendo Harry Potter no seu quarto, debaixo do Salgueiro Lutador. E a outra era uma minha e minha tia, ambos quando éramos mais jovens, ela com uns vinte anos e eu bebê.
-Não pude resistir, ambos estavam uma fofura!
E ele de fato tinha comprado a pintura minha com a minha tia.
-Eu acho que vou levar uma também- falo
-Se quiser uma tua não tem mais, alguém já levou a última- fala o Apolo
-Meu, a Karina está arrasando.
Ele olha pra irmã, que está de mãos dadas com o jovem repórter.
-Ela está arrasando corações, isso sim.
Ele me olha e sorri.
-E não é só ela que está arrasando corações.
E sem se importar com as pessoas na galeria ele me beija com vontade, como ele nunca tinha me beijado em público. Era uma demonstração de amor singela, mas feita de todo coração. Nossas bocas se unem com um certo receio, medo, mas a medida que as nossas línguas vão explorando a boca um do outro, o medo vai indo embora e ambos nos entregamos completamente ao beijo, como se fosse mais um dos nossos beijos quentes na minha casa.
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There's nothin' wrong with lovin' who you are
RomanceTony, é um adolescente que tem vitiligo por todo o rosto. Por causa disso ele sofre bullying e é ridicularizado pelos companheiros, fazendo mais difícil sua autoaceitação. Mas ao lado da Karina e sua tia ele vai sobreviver à faculdade e vai tentar e...