CAPÍTULO 3

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Jocelyn buzinou em frente a casa imponente de tijolos aparentes várias vezes, mas Jonathan não saiu.
"Talvez ele queira conversar com você." Sua mãe deduziu.
"Vai ficar querendo." Ela respondeu e buzinou mais algumas vezes. Seu telefone tocou e ela descansou a testa no volante. Não queria conversa com aquele idiota, não depois de um dia cansativo como aquele.
"Mande Jonathan sair, e rápido estou com pressa." Ela atendeu sem o cumprimentar.
"Sou eu, mãe. Papai quer conversar com você." Havia um tom ansioso na voz do filho e Jocelyn já imaginava o porquê da conversa.
"Não quero conversar com ele, saia, Jonathan." Ela sabia que se negar só alimentaria a veia rebelde de Jonathan, mas ela não queria ver o pai dele.
"Mamãe... Por favor." Jocelyn suspirou. Era incrível a facilidade com que ela sempre se transformava na malvada da história. Ela desligou e saiu do carro.
Antes de bater, a porta se abriu e ela se viu diante dos olhos frios de Adam. Ele nada disse apenas se afastou para deixá-la passar.
Jonathan veio, a abraçou forte e ela retribuiu, ela sentiu a falta dele todo o fim de semana.
Alguém limpou a garganta e ela se forçou a olhar no rosto de Andrew.
"Está cada vez mais bonita, Jo. O tempo está sendo generoso com você." Ele estava a chamando de velha? Estava, Adam sorriu e ela se odiou por dar o braço a torcer e entrar naquela casa.
"Mamãe, olha o que eu fiz. Não está tão bom quanto o de Noah, mas o que você acha?" Ele lhe estendeu um prato de biscoitos, Jocelyn comeu e estavam deliciosos.
"Nossa, Jonathan! Estão ótimos. Muito bons. Os de Noah são ainda melhores, sério?"
Ele sorriu e acenou. Noah sorriu. Dos dois, ela antipatizava um pouco menos com ele do que com Adam.
"Você queria conversar? Diga de uma vez." Ela disse a Andrew.
"Queremos fazer uma viagem e levar Jonathan." Andrew disse e Jocelyn quase engasgou com o biscoito que mastigava.
"Não. Você sabe que não é uma boa ideia, Andrew. Não." Seu filho a encarou, seus olhos estavam tristes e ao mesmo tempo raivosos.
"Eu não disse, papai? Ela não concordaria. Eu sabia!" Ele pegou sua mochila, colocou nos ombros e cruzou os braços emburrado.
"Jonathan, por favor, me entenda querido, é perigoso!"
"Não haverá qualquer perigo, Jocelyn. E será bom para ele ver pessoas, mudar de ares." Noah disse a olhando fixamente.
Ela estreitou os olhos. Andrew manipulava Jonathan, e se ela continuasse a se negar, o menino ficaria com raiva dela. Jocelyn não sabia o que fazer.
"Cuidaremos dele, vamos passar a maior parte no meio do mato, caçando, nadando e escalando as montanhas. Não precisa se preocupar." O tom calmo de Andrew a enfurecia. Desgraçado!
"Ela não liga pra mim. Só quer chatear você, papai." Jonathan disse, seus olhos xispando de raiva.
Jocelyn reconhecia quando perdia. Ela devia saber que Andrew saberia de seus planos, ele tinha Noah, que sabia de tudo. Ela suspirou.
"Então, não me deixe atrapalhar seus planos, vá com seu pai, viaje, fique fora, longe de mim, afinal, sou uma péssima mãe." Ela disse e se virou. Ia abrindo a porta quando Jonathan a abraçou por trás.
"Eu amo você, mamãe. E você não é uma péssima mãe. Desculpa por dizer que você não liga pra mim, eu estava errado." Ele a apertou.
Jocelyn sentiu o coração apertar. Aquilo era difícil para Jonathan, estar no meio de pais que se odiavam.
Ela olhou bem nos olhos de Andrew, para que ele soubesse que ela sabia muito bem o motivo dessa viagem.
Se virou, tocou o rosto de seu filho e sorriu.
"Eu amo você." Ele sorriu, ela foi embora.
No carro, sua mãe lia uma revista.
"Cadê o menino?" Ela perguntou.
"Andrew inventou uma viagem. Jonathan estava muito animado, não consegui convencê-lo a não ir." Ela ligou o carro.
"Então, eu não preciso ir. Me deixa naquela loja, aí atrás, eu vi uma camisola vermelha que é a minha cara. Seu pai subir pelas paredes quando me vir nela."
Jocelyn acenou, dirigiu até a loja e deixou a conversa fiada de sua mãe a acalmar. A saudade de Jonathan, porém, lhe doía.
Em casa, sua mãe desceu e entrou também.
"Não precisa ficar, mamãe. Vá enlouquecer o papai com a camisola nova." Sua mãe sorriu.
"Eu vou, mas isso pode esperar. Quanto tempo você ainda tem?"
"Paige tinha me dado um mês, mas consegui alargar um pouco o prazo. As edições trazendo Novas Espécies nas capas estão se esgotando rapidamente, a revista está vendendo muito.
"E você descobriu alguma coisa?" Sua mãe abriu a geladeira, tirou duas cervejas e elas se sentaram no balcão.
"Nada. Não há muito onde procurar, mamãe. Eles tem um registro de nascimentos oficial, mas não há nenhuma certeza de que é um registro real, pois eles têm autonomia de país. Não existe nenhum registro em nome de Lily ou Sheer."
"E o que Jonathan teria a ver com isso? Você queria levá-lo junto." A mãe voltou seus olhos de águia para ela. Jocelyn suspirou.
"A situação com Andrew está insuportável." Ela tomou um grande gole da cerveja, para tomar tempo.
"Eu sempre fui contra você se envolver com ele." A mãe disse.
"É, você me avisou."
As fotos estavam em cima da mesa de jantar e sua mãe as folheou.
"Nossa! Esse é o cara?" Jocelyn assentiu.
"Eu entendo Paige, qualquer coisa estampada com uma cara dessas venderia horrores."
Jocelyn concordava. Esse suposto Pride era lindo, mais bonito que os Novas Espécies  geral, uma reportagem acerca dele renderia muito.
"Se eu não tivesse chamado a atenção dela para a reportagem, uma história sensacionalista já estaria rolando e a Reserva estaria sendo alvo dos fanáticos de novo."
"Você sabe minha opinião, querida. Não é problema seu. Você está sempre tentando diminuir o impacto das coisas que publicam contra eles, e pra quê? Lhe agradecem, pelo menos?"
"Na maioria das vezes eles nem sabem. E deve continuar assim, eu fiz muito mal a eles, mamãe."
A mãe suspirou.
"Não foi sua culpa! Quantas vezes eu tenho de te dizer, isso, Jocelyn?"
Jocelyn fechou os olhos. Ela não tinha tido intenção, mas as coisas aconteceram por culpa dela. A mãe sempre tentaria lhe fazer se sentir melhor, era o que mães faziam.
"E vai entrar na Reserva? De novo?"
Jocelyn assentiu.
"Sim, mas não vou me aproximar da Zona Selvagem. Veja, essa é a última planta pública de lá."
Jocelyn mostrou uma representação em escala da Reserva a mãe.
"É grande assim?"
Jocelyn assentiu
"Sim maior que a maioria das cidades do entorno. Veja, aqui fica a Zona Selvagem, aqui o complexo e a área familiar. Ficam muito distantes. E o zoológico fica ainda mais distante da área familiar que será onde vou ficar."
"Vai se apresentar como repórter, vai usar seu nome, ou um disfarce?" A mãe sorriu, ela adorava quando Jocelyn tinha de se disfarçar, mesmo que fosse apenas usar um estilo de roupa diferente do que ela usava sempre.
"Ainda não sei. O diretor de lá, Slade, me conhece. Outro que também mora lá e me conhece é Vengeance."
"Vengeance! O nome me dá calafrios. Ele é bonito?" A mãe perguntou com um sorriso.
Jocelyn abriu seu laptop, e abriu no YouTube e deu play na entrevista em que Justice anunciava a segunda geração dos Novas Espécies. Ela foi adiantando o vídeo até o momento em que a câmera deu um close em Vengeance e seu filho.
"Jesus, Maria e José! E você foi gostar logo do outro? Jocelyn, esse homem é..." A mãe tomou toda a cerveja e pegou outra na geladeira.
"É. Mas ele é grosseiro, calado, malvado e muito carrancudo. Ele tinha acabado de ser liberto quando foi para a Reserva. Pelo que me lembro tentou fazer parte da força tarefa deles, mas não deu muito certo." A mãe acenou.
"Ele é casado?"
"Que eu saiba não. Mas esse do lado dele só pode ser seu filho." Jocelyn não contava tudo para sua mãe. A história de Vengeance era complicada e ela acabou descobrindo coisas que nem ele sabia.
"É, mas está na cara que é muito jovem. Eu gosto de homens maduros." A mãe tinha um ar sonhador no rosto.
"Maduro como meu pai, você quer dizer." Elas riram.
"Exatamente como seu pai."
A mãe ainda ficou um tempo e depois se despediu. Jocelyn não contaria a ela que pensava em entrar disfarçada na Reserva, descobrir tudo o que pudesse e escrever a matéria.
Esse era seu plano B. O plano A envolvia contar para Slade sobre as fotos, e sugerir que eles fizessem um pronunciamento sobre a história. E era o que ela deveria fazer, mas algo a impelia a voltar lá, a investigar e saber toda a verdade que estava por trás dessa história.
A morte de Livie acabou por ser uma incógnita. A avó, uma senhora inglesa muito rica, mandou publicar o obituário e só depois foi que a mídia se inteirou do caso. O avião em que supostamente eles estavam caiu numa área montanhosa de difícil acesso, foi rebocado por uma empresa particular e periciado num andar do aeroporto dias depois da tragédia, quando os corpos já tinham sido transladados para a Inglaterra. Não fizeram nenhuma cerimônia, apenas cremaram os corpos e se desfizeram das cinzas. Tudo muito suspeito, muito misterioso. Livie estava matriculada num colégio exclusivo, mas ela ficou meses fora do colégio, supostamente doente, em tratamento.
E era por isso que chegar lá, se identificar e fazer perguntas para Slade não parecia o curso certo a seguir. Slade poderia ainda não querer falar com ela, seria o mais lógico.
Então, ela se arrumou para dormir e se deitou na cama fria sem o corpo quente de Jonathan para abraçá-la. Seu filho era a sua vida, ficar longe dele machucava.
No dia seguinte, Jocelyn pegou um avião até São Francisco e na cidade grande alugou um carro e cruzou o estado até uma das maiores cidades do entorno da Reserva. Se se estabelecesse numa das menores e mais próximas, correria o risco de encontrar algum deles.
Ela se hospedou num pequeno hotel de beira de estrada, descansou da longa viagem de carro e a noite procurou um bar.
Os bares do entorno da Reserva usavam a possibilidade de um  Nova Espécie aparecer como marketing. E assim, ficavam cheios de turistas curiosos para saberem qualquer coisa sobre eles. Os moradores, por outro lado estavam sempre ávidos por demonstrar que os conheciam. Então uma mulher perguntar sobre os Novas Espécies ou sobre a Reserva não era incomum.
E ela passou dois dias indo aos bares e recolhendo informações. A maioria era fantasia, mas acabou por descobrir algumas coisas interessantes. Vengeance tinha casado estava cheio de filhos. Um Nova Espécie de segunda geração tinha se formado em medicina. O zoológico tinha recebido um canguru. Os Novas Espécies estavam se consolidando no mercado de móveis de madeira. Não era muito, mas ajudava a ter uma idéia de como eles evoluíram nesses anos todos. Uma história recorrente era que uma garçonete tinha acasalado com um Nova Espécie. Jocelyn duvidou quando ouviu isso, mas na terceira vez, quis saber mais. E lhe indicaram uma lanchonete onde a tal garçonete trabalhava antes de acasalar.
No dia seguinte, Jocelyn foi tomar café na lanchonete. Era mais perto da Reserva que ela gostaria, mas a história era um tanto quanto curiosa.
Ela comeu os ovos com bacon e esperou a garçonete aparecer. Uma conversa na mesa do lado, porém, chamou sua atenção.
"Eu não vou, Kat. Fiquei muito mal a última vez. Vai ter que achar outra. Não será difícil, afinal ir em uma festa na Reserva é o sonho de muitas garotas." As roupas das duas indicavam sua profissão. Jocelyn prestou ainda mais atenção.
"Eu sei, Sally, mas não posso levar qualquer uma. Tem certeza de que não quer ir?"
"Se você me prometer que vou ficar com o da calda, eu vou, mas o mudinho, não, por favor Kat, o mudinho é muito violento, ele parece que nunca teve uma mulher."
Jocelyn parou de respirar. Leo contratando prostitutas!
"Susan vai ficar desapontada se você não for."
"Susan está apaixonada por aquele grandão, Kat. Voce, Lisa e Mandy ficam com os trigêmeos e eu tenho que suportar as mãos enormes e pesadas daquele mudo? É fácil falar quando não tem de aguentar um peso daquele nas suas costas. Eu não vou." A mulher, a tal de Sally, saiu pisando duro.
Uma garçonete de meia idade se aproximou da mesa onde a tal Kat estava.
"Problemas?" Ela perguntou. Jocelyn fingiu ainda estar comendo para evitar que a garçonete viesse em sua mesa.
"Sally não deu conta. E iremos hoje de novo. Conhece alguém que eu possa chamar, Nancy? Alguém discreta, muito discreta."
"Não. Tirando vocês eu não recomendaria nenhuma outra. Pode trazer problemas a eles." A mulher se encaminhou a mesa de Jocelyn.
"Mais alguma coisa?" Ela recolheu o prato e o copo.
"Um suco de laranja." A mulher sorriu e se foi.
"Com licença. Eu talvez possa te ajudar. Eu moro aqui perto e sempre sonhei em ver a Reserva por dentro. E eu sou discreta, estou fazendo faculdade, quero sair dessa vida, pois meus pais não sabem em que eu trabalho." Kat a olhou com desconfiança. Jocelyn, que era uma ótima mentirosa, fixou o olhar nos olhos da mulher.
"Certo. Mas você não parece trabalhar na estrada."
"Não estou trabalhando. Como disse, eu não posso deixar meus pais descobrirem."
Ela olhou Jocelyn dos pés a cabeça.
"Seu cabelo é dessa cor?"  Era, mas Jocelyn achou melhor mentir.
"Pintado."  A mulher acenou.
"Faz de tudo?" Jocelyn não tinha tempo de pensar, então disse:
"Sim." Era um erro, mas não podia perder essa oportunidade.
"Iremos dançar, conversar e transar com Novas Espécies. Eles podem ser um pouco violentos, como você deve ter escutado. Tudo bem?"
"Quão violentos?"
A mulher estreitou os olhos.
"Sally é nova na profissão. Ela deveria ter conversado com o Hush, dito o que estava disposta a fazer e o que não estava. Eles são respeitosos."
"Tudo bem pra mim, então."
A mulher suspirou.
"Não tenho outra alternativa, se Sally tivesse me avisado antes! Mas será hoje. E, inclusive, você trabalhou ontem?" Jocelyn balançou a cabeça.
"Não, ontem eu tive provas, não pude."
"Ótimo. Mas mesmo assim, deve tomar banho com isso. Eles não gostam de sentir cheiro de outro homem na gente."  Era um sabão branco, sem cheiro.
"Não esfregue na pele, ensaboe com delicadeza e deixe um pouco antes de enxaguar."
"Às oito. Aqui mesmo." Kat disse e saiu.
"Novas Espécies são boas pessoas, querida. Cuidado para não ter seu coração machucado por um deles." A garçonete disse quando Jocelyn pagou o lanche.
Tarde demais, ela pensou. Seu coração já tinha sido totalmente despedaçado.


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