27 - Rotina

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Magnus sentou na mesa do “refeitório” para esperar Ragnor para o almoço. 
Depois de quase uma semana, ele já estava se habituando àquela rotina. Já conhecia todos os dormitórios. Também já tinha visitado os outros dois prédios vizinhos que serviam como salas de treinamento - seja de coisas mundanas ou de coisas do mundo das sombras. Feiticeiros aprendiam a fazer magia, caçadores treinavam para as lutas e patrulhas… Era surpreendentemente avançado e bem organizado para quem vivia escondido no meio do nada.
Segundo Ragnor, eles viviam escondidos sob uma camada praticamente indetectável de magia que era muito difícil de encontrar, mesmo que estivessem há poucos passos de distância. Era por esse motivo que sempre tinha alguém de olho nas barreiras, para permitir que outros simpatizantes da Aliança pudessem entrar.
Batucou ruidosamente na mesa. Ele estava definitivamente faminto e inquieto.
Céus… estava acostumado a trabalhar e até gostava de não ficar ocioso, mas tudo dependia da forma como trabalhava. Ele detestava ter que ficar muito tempo em único lugar. E nunca gostou muito de dar aulas, mesmo sabendo que havia pouquíssimas coisas em que não era bom.
Ele era bom em invocar demônios, com certeza, e em fazer feitiços. Muito bom mesmo, mas essa habilidade não era tão requisitada ali, então ele ficou com sua segunda melhor habilidade: ensinar. Ainda seria habituado a estar em um lugar onde ensinaria a caçadores de sombras, feiticeiros, fadas, lobisomens e vampiros - todos juntos no mesmo lugar: um desastre completo - e enquanto não começava, estava imcumpido de encontrar e ficar de olho nas pessoas que saiam das instalações da aliança para trabalharem lá fora. Ele particularmente achava que era o mais difícil de se fazer: enganar pessoas e se manter invisível sob os olhos de todos, espalhando boatos de leve, só o suficiente para que pessoas com potencial de se juntar a eles tivessem essa oportunidade.
Bem… não era o que ele imaginava, mas não reclamaria. Os lobisomens e alguns caçadores mais resistentes entraram suados, sujos e carrancudos, depois de passarem a manhã limpando a área gigantesca onde pretendiam aumentar o que servia como uma enfermaria. Catarina estava super feliz por poder fazer seu trabalho com uma estrutura melhor - e por poder mandar em homens musculosos, com certeza - e manter as pessoas saudáveis. Às vezes aconteciam conflitos com os de fora e era bom que pudessem tratá-los em um lugar adequado.
Encostou os cotovelos na mesa e deixou a cabeça pender entre os braços pesadamente, esperando que Ragnor voltasse depois de verificar e melhorar a ação das barreiras protetoras ao redor deles. Graças a Lilith que, ao contrário do que ele pensava, as funções que cansavam mais facilmente seriam requisitadas durante metade do dia, e então outras pessoas assumiam o posto. Era muito bom, porque era Raphael quem ele estava rastreando. E Raphael, para uma criatura que parecia uma criança tímida, quieta e emburrada, se movimentava bastante.
Ele estava até com dor de cabeça.
As outras funções envolviam guardas para lutarem em caso de invasões ou conflitos internos - que eram estritamente proibidos, mas que já aconteceram no passado - limpeza, cozinha, instrução aos mais novos que haviam acabado de chegar ou dos que nasciam ali - de diversas línguas, mundanas e demoníacas para aprimorar os jovens feiticeiros - treinamento de habilidades de luta, "trabalho de campo" para aqueles que não viviam lá, como Raphael e Tessa, e as plantações de onde vinha tudo o que consumiam - e eram cuidadas essencialmente pelas fadas, que tinham a habilidade de fazê-las crescer mais rapidamente e em qualquer época do ano -. Além da enfermaria, é claro, que estava crescendo agora. Eles funcionavam bem, como uma pequena cidade independente e autossuficiente.
Sentiu o movimento de alguém se aproximando e o olhar em sua nuca, e estava prestes a zombar da capacidade de Ragnor depois dele ter demorado tanto. O salão já começava a encher e todos já começavam a se organizar para formar uma fila nos fundos.
Mas não era Ragnor que estava lá. Era Alexander. Ele estava vestido completamente de preto em roupas que pareciam confortáveis, ao contrário das suas que eram brancas e sem graça. Só por acaso, ele nem tinha perguntado a Catarina até que ela cansasse e dissesse tudo o que sabia sobre o que Alec estava fazendo, Magnus descobriu que ele estava ensinando jovens lobisomens a lutar. Ele ficou um pouco cético quando descobriu, mas Alexander poderia ser bom com crianças, mesmo que não parecesse. Catarina dizia que Charlotte sabia o que fazia e não colocaria ninguém em nenhum lugar em que daria menos que o seu melhor.
-Magnus - Alec cumprimentou antes de se sentar em sua frente. Ele parecia tranquilo e relaxado, sem uma gota de suor, como se tivesse acabado de sair de um banho - onde estão seus amigos?
Magnus lutou para não olhar se as pessoas estavam olhando. Ainda não tinha se acostumado que ali ninguém achava estranho ter caçadores e submundanos dividindo a mesma mesa. Ele tinha visto alguns deles em um relacionamento bem próximo, inclusive. Ninguém ali parecia se importar.
Uma coisa sobre Alec que Magnus já conhecia, mas nunca tinha visto na prática é que ele é extremamente determinado. Ele estava realmente se esforçando para que se conhecessem de verdade. Ele até o apresentou à irmã e ao Parabatai, o que quase lhe rendeu um ataque cardíaco porque eles simplesmente se aproximaram e sentaram em sua mesa de jantar três dias antes. Isabelle foi educada e agradável, e Jace não estava muito feliz em estar ali, mas também não ficou fazendo careta o tempo inteiro. 
Alec também conheceu Catarina, dessa vez com um pouco menos de mau humor, e a deixou encantada. Ele realmente tinha sido muito educado se oferecendo para ajudar na enfermaria em seu tempo livre. Catarina com certeza aprovava essa amizade deles agora. 
-Ragnor está cuidando das barreiras e Catarina provavelmente ainda está na enfermaria - respondeu e respirou fundo em seguida. Alec estava sorrindo. Para ele. E dessa vez nem era por causa de um feitiço.
Ele nem era capaz de compreender como Alec sabia o que ele tinha feito e ainda o tratava assim. Se fosse ele, nunca mais confiaria na pessoa em questão, nunca estaria se esforçando para serem amigos. Manteria distância sempre que possível. Mas era Alec ali, e ele sabia - tinha visto em toda a vida de Alec - que ele não tinha malícia, ou acreditaria que o caçador estava tramando para se vingar por suas escolhas.
-Parece que somos só nós dois, então - Alec disse.
Apesar do que Alexander tinha proposto antes, de se conhecerem de verdade e de tentarem ser ao menos amigos, e dele ter aceitado, sempre ficavam junto a outras pessoas. Seja Isabelle e Jace ou Catarina e Ragnor. Às vezes eram todos eles.
Alec estava olhando para ele de uma forma diferente agora, e ele se sentia um pouco enervado.  O fazia querer desviar e encontrar outra pessoa para ficar junto deles e tornar o clima um pouco mais leve.
-E seus companheiros caçadores, onde estão?
-Jace está com Clary tentando descobrir algo sobre os pais dela - aquilo o fez se encolher. Ele conhecia Clary e costumava ser amigo dos pais dela, mas foi há muito tempo e a menina obviamente não se lembrava dele. Ela conhecia Ragnor, confiava nele. Então tinha deixado que seu amigo verde a ajudasse, mesmo que se envolvesse indiretamente às vezes - Isabelle está treinando com Mark e Emma. Ela disse que você parece desconfortável quando ela está conosco.
-Ela pode ser bem assustadora - ele brincou, arrancando um sorriso do caçador. Gostava da garota. Ela era mais receptiva a ele do que Jace. Jace só o tolerava por Alec.
-Prometo que ela não vai atacar você. Eu te protejo.
Magnus sorriu envergonhado, porque era muito irônico estar recebendo de um caçador a promessa que o protegeria, mesmo que fosse uma brincadeira.
Os minutos se passaram, ele desviou o olhar para a mesa, o riso passou, os sons sutis ao redor não eram o suficiente para preencher o silêncio e ele se sentiu um pouco desconfortável. Vinha se sentindo dessa forma com muita frequência na presença de Alexander. Até Jace seria bem vindo nesse momento. Ele se sentia longe do feiticeiro extrovertido e brincalhão que sempre foi, mesmo nos momentos mais dolorosos.
-Você já está livre? Ou tem algum plano para essa tarde? - Alec perguntou quando ficou nítido que ele não diria mais nada.
Céus… se sentia um jovem tolo sem saber o que dizer.
Pigarreou e deslizou os dedos através do próprio cabelo. Era para parecer descontraído, mas não tinha certeza se era convincente o suficiente. Alec era observador.
-Já acabei meu “turno”. Não estava fazendo planos além de voltar para o quarto e dormir um pouco. Recuperar um pouco as energias.
-Você está se esgotando rápido? Pode pegar um pouco da minha energia se precisar - Alec ofereceu espontaneamente, o que o surpreendeu ainda mais.
-Não estou esgotado, Alexander. Tenho energia o suficiente - Na verdade, desde que chegou à Aliança, ele se sentia melhor do que nunca. Catarina dizia que era porque estavam sobre a convergência das Linhas Ley, e que por isso tinham mais acesso à magia. Era assim que conseguiam manter barreiras protetoras ao redor, e era assim que se impediam de ser rastreados - É só uma precaução. Obrigado por perguntar.
-Ah, tudo bem, então - Alec respondeu satisfeito - Catarina me disse que você queria ajuda para treinar e aprender a lutar, mas que não queria incomodar. Ela me disse te procurar se estivesse disponível. Eu estou completamente disponível hoje.
Magnus impediu a si mesmo de proferir um palavrão. Sorriu mesmo assim, porque sabia no que Catarina estava pensando e realmente poderia lhe ser útil no futuro. Ele nunca foi bom de luta e não se esperava que feiticeiros realmente fossem, já que tinham magia para se apoiar.
Aquilo poderia lhe dar alguma vantagem se… bem… não se, mas quando fosse enfrentar Aldous.
Ele ouviu o canto melódico das fadas e soube que tinham que ir.
-A comida está servida. Podemos ir depois do almoço se você quiser.

Stand Up - MalecOnde histórias criam vida. Descubra agora