Acordei**

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"Vem corre..." – a doce e agitada voz disse se dirigindo não sei se à mim ou ao observador que estava o tempo todo ao meu lado.

"Vai você" – respondi já me deixando esparramado na grama e abrindo um livro.

"Posso ir brincar com as outras crianças?"

"Pode, mas sabe a regra..." ao dizer fiz um sinal com dois dedos apontando para os meu olhos e voltando - os para a criança.

"Tá já sei; onde eu posso ser vista." – Disse como se já cansada de ver eu repetir aquilo e ela ter que ouvir.

Descalçou os pés sem dificuldades e correu para a pequena multidão sem maiores preocupações.

Abri o livro, já a algum tempo queria terminar...

"Preciso ir ao banheiro... estou com sede... quero tomar sorvete... tô com fome..." – assim as cenas saltavam uma a uma, por todos estes ambientes. O livro avançou uma ou duas páginas. Novamente fui sugado para o bar.

"Quem é aquela criança?"

"Deveria saber..."

"Ela é minha filha? Eu tenho uma filha, onde ela está agora?"

"Filhos... estão com quem sempre cuidou deles de verdade."

Uma vez mais fomos sugados, primeiro para frente de uma casa, qual não reconheci a fachada, depois para dentro, o ambiente era bonito limpo e seguro, outro disparo e estávamos frente a uma porta onde havia uma placa de trânsito em tamanho natural, certamente era tirada de uma rua nas imediações, um círculo e uma tarja vermelha, avisando ser proibido parar ou entrar.

Transpusemos a porta sem que tivéssemos que tocá-la, um jovem dormia com fones de ouvido pendurados e calçado com coturnos pretos. Parecia estar tranquilo. Em paz.

Não foi preciso dizer nada, dei dois passos em sua direção e suavemente levei a mão em seus cabelos longos e encaracolados, iguais aos meus.

"Meu filho..." – fomos novamente arrancados da cena, levados a outro quarto, agora já estávamos em seu interior. Uma moça de uns quatorze, quinze anos aparentemente dormia tranquila, olhei por um momento o redor, coisas de adolescente por toda parte, mas em um canto algo me chamou a atenção, uma velha mesa onde talvez devesse estar um note havia uma velha máquina de escrever, que um dia foi minha.

A máquina usada que fomos comprar juntos, lembro-me como agora, como expliquei que barganhei com o vendedor e como agir com ética ao pedir que abaixasse um pouco o preço de cem para setenta e mesmo sabendo que poderia comprá-la mais barata não o fiz, não era certo só por que o vendedor havia confessado que estava endividado e precisava levantar uma grana qualquer, este episódio nos rendeu assunto até em casa; sobre ética, moral, certo errado... ao chegar em casa, aquela velha máquina de escrever foi seu brinquedo durante todo o dia. Me voltei para a sua cama, na parede haviam muitos desenhos assinados por ela... ela conseguiu, sempre quis aprender a desenhar, mas nunca teve paciência, e agora ali estavam suas pequenas obras de arte...

Mas quando foi que ela aprendeu se era eu que a ensinava, a incentivava? Como posso não me lembrar?

Palavras Para Distrair a InsôniaOnde histórias criam vida. Descubra agora