Coque é o que há, meu caro!**

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Eu pensava com os meus botões, curioso como nunca vaza o redondo quando estamos enlatados e em trânsito. Ao menos nunca ouço. Talvez não queira o condutor lardear os passageiros, afinal não é de bom senso avisar na ladeira, que se está sem freio, como a piada do piloto do avião, que pergunta aos tripulantes quem sabe rezar, que comece. – Mas acho que viajei na história, deixe-me voltar ao ponto.

Pneu furado, não há nada o que fazer, a não ser como alguns, esbravejar ou lamentar, e como no meu caso, esperar pacientemente o próximo. Claro, que isto cria uma certa tensão e um cacoete quase imperceptível, os que aguardam, a vinda do transporte substituto para o embarque, de forma naturalmente falsa buscam os ponteiros do relógio, que agora tornou-se o vilão.

Eu, particularmente adquiri para estas situações/eventualidade, uma serenidade monástica. Não crio caso de forma alguma, nem mesmo suspiro ais, nem perco a paz. Nem sequer penso no plano "B", apenas me conformo com as peripécias do acaso do universo. Ponho-me a observar.

Depois de algum tempo tendo observado tudo o que é óbvio, agora meu olhar se abstrai, e é atraído para coisas mais sensíveis, mais sutis da existência.

Não estamos exatamente no inverno, mas a via dê, e pela manhã, assim como no meio e no fim do dia, o máximo que se é possível, abrir do corpo e das vestes é a boca e o zíper. Já que a temperatura média não tem passado dos dez graus, isso também causa algum incômodo, um desconforto nos possíveis passageiros, já que o calor humano é, torna-se literalmente e oficialmente o coletivo, dentro do coletivo o calor humano.

Não sou dado a modas, pouco ou quase nada entendo destas coisas de tendência, mas não a ignoro totalmente, sei que existem e é fato que pessoas, principalmente as mulheres, tendem a exibir um pouco mais de seu guarda-roupa nestas épocas outonais.

Entenda, isto é necessário que fique claro, não me chama a atenção as formas, para tanto tenho as minhas, quero dizer, as dela, da minha Guapa para admirar. Claro, olho, vejo, observo as formas, mas como quem vê um poste. – Isto devo e aprendi com ela, a minha Guapa – É obrigatório que se saiba o que está à frente, assim como o poste, para não dar com a cara nele e parecer um pateta, já o que passou é passado. Com tudo o que quero dizer é que, tudo é muito... qual é a palavra? Evidentemente elegante.

Suas botas de cano longo e leggings preta, blusas de gola alta e cachecóis, toucas e as faces craqueladas, rímel e as luvas, compondo todo um look, difícil para mim, de se pensar compor às seis da manhã.

É inevitável que eu pense em mim e nos asseios matutinos, como me esquivo, fujo, dou nó, trapaceio de todas as formas para não ter que lidar com a navalha d'água fria.

Me vem à mente, minha Guapa que tem que se desdobrar em duas, T. e ela própria, tudo dobrado e com as mesmas necessidades íntimas femininas.

Observo uma vez mais no alto das cabeças, as mulheres e seus cabelos, penso nos meus encaracolados e enroscados cabelos sob a boina. Lembro-me o que sempre diz minha Guapa.

"Coque é o que há, meu caro"!

Palavras Para Distrair a InsôniaOnde histórias criam vida. Descubra agora