Eurípides, Assis e o Ateu ⁰⁵∙⁰⁶∙²² **

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Verdade seja dita, ainda se faz presente os sons da natureza, as andorinhas assobiam seu bom dia, pousadas na fiação da rua, como bem observado pela minha criança, estão dispostas como notas musicais. No pasto, em fila indiana, seguem duas dúzias de vacas, tocadas pelo condutor, entoando reboos – "Vamo! Vamoo! Vamooo! " – E elas em resposta rebolam e respondem caminhando e mugindo. T e eu, fomos ao desjejum.

Eu intenciono uma caneca de café e um cigarro, T, pão e uma caneca de leite. Eis as urgências da vida. E é sobre isso que quero falar. Mesmo em um domingo, elas surgem, se impõe, obrigando a quem tem fome ir à caça. Não tem leite, então temos que subir e ir à padaria. Meu endereço, Eurípedes Barsanulfo, exige certo vigor físico, e para quem não o tem, muita espiritualidade para vencê-la, por ser o aclive bastante íngreme. Ao vencê-la, para logo em seguida intencionar a Francisco de Assis, é necessária uma pausa. Tem-se dali uma bela panorâmica, bastante agradável. Uma vista que obriga a parar e respirar fundo.

Quem sabe uma bela metáfora, ou nome para uma futura obra; 'um ateu conduzindo uma criança pelos caminhos dos espirituosos Eurípedes e Assis. ' Continuamos nossa busca pelo néctar da vida. Há esta altura outros planos iam concatenando-se. Penso que seria mais simples se tomássemos café na padaria, como de costume, hábito ou mania, penso melhor, não. Mesmo não se tratando de dinheiro ou simplificar a vida, "ganhar tempo", talvez seja sobre não fazer de um bom e agradável hábito, um vício.

Voltamos a refazer o caminho dos santos, os assuntos giram em torno do alheio e do que se dará no decorrer do dia. T, claro uma criança de mente livre, faz observações bastante parciais, passeios ao parque ou ir ao cume dos pequenos montes, eu como bom esgrimista ou boxer, uso todo jogo de cintura para esquivar. Consciente ou inconscientemente os planos de adulto já estão feitos.

Falta pouco para as sete da matina, o café da manhã com leite rosa e pão amanhecido bem amanteigado está servido para T; minha caneca de café já está posta. Penso em ir para a sacada, penso que é melhor fazer companhia para a criança na mesa. Conversamos sobre outras coisas, assuntos que parecem ter sempre uma profundidade, um ensinamento maior que necessários, que com alguma sorte espero, leve com ela ao longo da vida.

Estamos terminando o café, o último comentário de T, é de cortar o coração– "É pai, daqui a pouco, começa o dia'' – Respiro fundo, sou obrigado a concordar. Agora sim vou para a sacada, lá embaixo uma cadela destetada e bastante simpática, toma sol e me encara como quem pergunta – "o que vai ser do seu domingo meu caro humano? " – Quando penso em responder ouço uma voz tipicamente matriarcal – "Vem toma café 'mininu'! "

"Num quelo" – vem a resposta pronta de uma voz estridente de seis anos.

Mais uma vez a voz matriarcal diz – "Puta-que-pariu! Já começou o dia! "

As vacas, ruminam para a fabricação de leite.

As andorinhas, estalam asas e fazem verão.

A cadela já pariu.

T. com a beleza interna um brio, agora cuida de sua beleza externa.

E eu continuo, sentado na sacada, acendo um cigarro, pensando como, por tudo isso, no papel.

Um ateu, num domingo à toa.

Palavras Para Distrair a InsôniaOnde histórias criam vida. Descubra agora