Um Olhar Diferente**⒅

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(Aquieta minh'alma)

Ambos, terminavam os estudos, por assim dizer, de forma prematura, pois tinha em casa uma base sólida de aprendizagem, seus pais, ávidos por conhecimento e por serem autodidatas em muitas áreas de conhecimento, não mediam esforços para transmitir aos filhos todo tipo de conhecimento que podiam, de filosofia, humanas, exatas, artes, sexologia, um pouco de tudo lhes foi dado, bem como, as bases morais teológicas que muito regia, as suas vidas. E que tão bem absorveram o que lhes era passado, que se mantiveram sempre adiantados em seus anos de colégio. Isso, não só permitiu que terminassem o fundamental e o colegial antecipado, bem como lhes deu quase dois anos de descanso dos estudos, e tempo o bastante para amadurecer e escolher o que fariam, referente a dar continuidade aos estudos acadêmicos. Tiveram eles, por assim dizer, dois anos de férias, para respirar e aproveitar o auge de sua jovialidade.

Mas claro, liberdade requer responsabilidade. E isto, ambos tinham de sobra. Será?

Yiana e Yangel, filhos de ventres diferentes, ainda assim, irmãos de sangue. Criados sobre os mesmos preceitos, o mesmo amor.

Nunca foram tratados ou vistos de outra forma, seja pelos familiares, amigos e professores, que não irmãos, e tão grande era a harmonia entre eles, que era mais fácil dizê-los irmãos gêmeos, do que de criação tamanha a afinidade entre eles. Na escola bastava se entre olhares e já sabiam o que fazer, chegavam mesmo a sentir como os gêmeos os sintomas sinestésicos um do outro. Os primeiros passos, o primeiro dente, as cólicas noturnas, tudo quase sempre juntos ou iguais, apenas uma coisa os diferenciava na primeira infância, talvez o fator biológico, de ser Yangel um menino, Yiana foi quem disse a primeira palavra, não foi nem papai e nem mamãe, mas com o movimento das mãos como quem chama para si, chamou pelo nome do irmão.- "Yang, Yang, Yang..." mesmo que faltando as sílabas finais, foi sem dúvida um momento completo.

Yangel, também não tardou em soltar a primeira palavra, e mesmo que pareça excessivamente poético, sim, fora o nome de Yiana, dito pela primeira vez.

Como toda criança, juntos aprontavam das suas, sempre cúmplices, e também protetores, um do outro. Há cada ano que se passava tudo era uma descoberta, e a medida do necessário tudo era também desmistificado por seus pais. Papel este, muito mais exercido pela matriarca, sempre às voltas, com todo carinho e por vezes, certa dose de firmeza, os repreendendo e aconselhando.

"Yangel, Yiana, o que estão fazendo, crianças!?" - disse a mãe assombrada, vendo que Yangel olhava por baixo da saia de Yiana.

As crianças agora com seis anos, tinham sua curiosidade desperta para além do paladar.

"Mãeee! - replicou Yiana sem constrangimento - porque o Yangel tem uma torneirinha e eu não?"

"É mãe... - continuou Yangel o raciocínio pueril - vocês mandaram tirar a da Yiana?"

Para este assunto, que cedo ou tarde chega a hora e a hora havia chego, faltou palavras à matriarca, deu-lhes uma explicação no mínimo, pormenorizada, já enrubescida por ter sido pega de surpresa, não fez diferente de muitos pais. Respondeu com a maior profundidade que lhe foi possível.

"Hora, não digam bobagem, ela não tem torneirinha porque é menina, igual a mamãe, e você... você tem, porque é menino, igual ao papai... é isso. E não podem fazer isso... nunca mais!" - sentenciou a mãe, ainda sem jeito.

Sentença a qual as crianças não estavam dispostas a acatar sem mais nem menos, com toda a inocência que as compete, juntas ecoaram um sonoro e ainda mais curioso, "porque não", nos ouvidos de sua mãe.

Parece que a mãe, referente a todos os assuntos pertinentes a criação dos filhos, a única questão que demonstrou não estar à vontade ou preparada, seria a sexualidade, um pouco, talvez 10%, por ser mulher, e 90%, por suas convicções religiosas. Optou por deixar este assunto, por conta dos professores, e os agora chamados "tutores", nome bonito, para psicólogos infiltrados, ou mesmo para que as coisas se desmistificassem no convívio social, lugar menos adequado e mais comum que se resolva.

Limitou-se apenas ao fatídico, "porque sim, porque deus quis assim." - uma pequena confusão se formou em seus pensamentos, sabia que a criação dada aos seus filhos era a melhor, que eles eram bons, sentiu-se jocosa pelo discernimento que teve, deu o caso por encerrado e os mandou ir brincar, tomando de um copo d'água e sorvendo um longo gole, despojou-se pesadamente em uma poltrona, respirando fundo, resmungou... - "Crianças!"

O pai, nem mesmo teve tempo de tomar ciência do assunto, a vida apenas seguiu em frente.

Parece que sexologia/biologia, ainda não é a mesma coisa que sexo, tabu ainda é algo como palavrão, nome de doença que não pode ser dita, e enquanto existir uma palavra que justifique tudo, tudo bem.

No convívio social, seja na escola, nas ruas, entre os amigos, agora com idade ao peso dos hormônios, Yangel sempre tinha, como qualquer jovem, um leão, se não para domar, sacrificar, todos os dias.

Os colegas, "amigos" mais chegados não perdiam a oportunidade de colocá-lo contra a parede.

"E aí, Yangel, quando vai me apresentar a sua irmãzinha?"

"Ela não é minha irmãzinha, temos a mesma idade e além disso, você sabe, somos primos."

"Então você está preparando o bote para cima da priminha?" - insistiam os colegas.

"Não diga bobagens meu caro."

A resposta de Yangel era compreensiva, afinal sempre considerou sua prima como irmã, e até aquele presente momento nunca se permitira pensar algo assim sobre ela, o que deixava os amigos esperançosos, com a ajuda de Yangel, ter alguma chance com Yiana.

Yangel nunca fez questão de esconder sua condição familiar, aos mais chegados e os que por ventura o questionasse, falava sobre o assunto abertamente, sem qualquer problema.

"Então cara, se você não está afim ou não pode por respeito a ela, passa pra mim, afinal somos ou não amigos?"

Yangel levava tudo na brincadeira, não dando ouvidos às besteiras dos amigos.

Com Yiana, não era muito diferente, as "amigas" sem que percebessem a despertara pouco a pouco para o belo, e não mais para a consanguinidade existente entre eles.




Foto: @Donaceminha

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