Epígrafe - À própria sorte

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Entregue à própria sorte, Mackenzie os viu dar as costas e irem embora. Eles subiram na carroça e o cavalo entrou em movimento, levando-os embora, sumindo na escuridão da mata selvagem tão rápido quanto tudo havia acontecido.

O que fazer de agora em diante? Ela se perguntava com o coração praticamente na mão ao olhar de um lado para o outro ao se deparar sozinha no meio da estrada.

De um lado seu regresso e na frente, a promessa de uma execução. Para voltar para a floresta, Mackenzie deveria estar pronta para se sacrificar por ele, mas sua garganta se apertava só em lembrar da forma como Edlyn tinha lhe deixado partir. Mas voltar para o castelo depois de tanto tempo e assumir o trono depois de descobrir que era bruxa? Depois de viver tanta coisa já não lhe parecia certo. Ela já não sentia mais que aquele trono lhe pertencia.

Tão perdida, tão cega pelo desespero e ele abandono, ela já não sabia mais se era isso o que queria, mas sentia que essa era a única opção que restara. Colocar-se em uma posição de risco, ter de guardar um segredo para manter-se a salva, sendo que ela nunca tinha sido boa em esconder coisas, mas o que lhe confortava era saber que dessa vez sua vida dependia disso.

Hesitante, seus olhos relancearam pelas folhas das árvores e ela foi atingida pela sensação repentina de estar sendo observada. Franzindo as sobrancelhas, ela observou uma farfalhar estranho e avançou alguns passos, mas parou quando Edlyn saiu da trás de uma árvore, roubando-lhe completamente o fôlego.

— Edlyn... — Ela disse com voz fraca e olhos arregalados, dando um pulo para trás. O coração traidor retumbando de ansiedade e alívio.

Ele estava ali! Ela repetia para si mesma como se ele fosse uma alucinação e ela quisesse muito se fazer acreditar que ele realmente estava diante dela.

— Mackenzie... — Ele disse com a voz estrangulada, enquanto andava em direção a ela. Seus braços envolvendo-a pela cintura num abraço quente e acolhedor.

Era ele. Era real. Ela constatou. Para quem se viu sem nada em um momento, era difícil de acreditar que sua sorte havia mudado e repentinamente.

— Eu não acredito... — Ela sibilou, refletindo a despeito de tudo. — Achei que nunca mais fosse ver você... — confessou num sussurro desacreditado.

— Eu não conseguiria te deixar partir... — Ele explicava com muita pressa, mas o barulho de trotar de cavalos e rodas de carruagem girando sobre a estrada de chão se tornaram mais intensos à medida que se aproximavam. — Agora estou aqui... — Os dois suspiraram como se somente aquilo importasse.

— O que vai acontecer agora? — Ela perguntou a ele na esperança de que ele lhe desse uma resposta tranquilizadora, mas isso não seria possível, pois não havia lugar para eles em Angora, tampouco em Parga.

— Eu não sei... — Ele respondeu simplesmente, antes de um barulho de carruagem surgir pela estrada de chão.

A carruagem foi ganhando a estrada, e eles se viraram. Edlyn olhou para Mackenzie a tempo de assisti-la engolir em seco ao deparar-se com o brasão que flanqueava a carruagem negra que seguia em sua direção e reduziu até parar. O silêncio se estabeleceu por um instante demorado e mais assustador do que nunca, fazendo o coração de Mackenzie estremecer e as entranhas se revirarem. Era o brasão de Mikvar, os dois leões dourados sobre as duas patas dianteiras sob as lanças cruzadas.

Dois pares de botas se fizeram ouvir descendo os estribos da carruagem e duas figuras curiosas se puseram diante deles. Os olhos dela passaram do homem mais velho para o rapaz cuja aparência era bastante jovem. Ele era bonito. O rosto anguloso e os lábios corados e cheios, arredondados como um coração no arco do cupido. As sobrancelhas cheias, os olhos enegrecidos. Tão bonito e sedutor quanto a noite que começava a se estabelecer no horizonte.

A sensação de conhece-lo surgiu como um choque repentino no momento em que ele ergueu suavemente uma das sobrancelhas, deixando um sorriso ladear um dos lábios quando pegou seu estudo descarado em flagrante. Todos os músculos de Mackenzie se tornaram tensos, quando um medo profundo se instalou nas entranhas dela quando tudo fez sentido em sua mente. Aqueles olhos cor de ônix, ela os conhecia de suas visões e isso não era uma coisa boa.

A escolta do Rei e do príncipe estava a posto, trajando armadura e elmo de penas pretas, equipada com espadas e lanças, eles foram completamente pegos de surpresa quando o Rei ordenou:

— A partir de agora, vocês são prisioneiros de Mikvar. Prendam-nos!

Não!

Mackenzie exclamou em sua mente, quando Edlyn passou o braço pela frente do corpo dela, a fim de protegê-la ao conduzi-la para trás de si, embora estivessem cercados.

Encarando o jovem príncipe novamente, Mackenzie sentiu como se uma agulha espetasse a ponta de sua língua e liberasse um veneno amargo em sua boca e ela teve a certeza de que aquele rapaz diante de si estava predestinado a ser sua ruina, e desse destino não havia escapatória.

Ela não conseguia escapar de nenhuma de suas visões e isso ia de encontro ao que o oráculo havia lhe dito, e embora ninguém pudesse fugir de seu destino, ainda assim, ela decidiu lutar ao tentar tragar uma onda de poder interior.

Humana, tola, fraca e teimosa. Ela ouvia a voz do oráculo proferir com escárnio em sua consciência. Nada podia ser feito. O que ela estava pensando? Que poderia vencer uma dezena de homens do exército com magia, quando mal conseguia fazer uma pena levitar?

Alheio ao que Mackenzie tentava fazer, Edlyn puxou a espada, desembainhando-a e Dorian fez o mesmo, como se fossem animais disputando para marcar um território.

Eles lutariam e Mackenzie não conseguiria fazer nada para ajudar. Mãos seguraram os braços dela por trás, impedindo-a de fugir e forçando-a a observar as fagulhas surgirem quando as lâminas das espadas se cruzavam.

— Isso está acabado. — Dorian rugiu.

— Ainda não! — Edlyn bramiu sobre ele, passando a espada rente a bochecha do príncipe e deixando uma fresta de carne por onde a lâmina havia passado.

Mãos seguraram Edlyn pelo braço, impedindo que ele pudesse atacar o príncipe outra vez.

— Já chega, Dorian. — O rei disse. — Levem-nos.

Reino Perdido [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora