25 - O acampamento (continuação)

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Quando Mackenzie estudou a figura diante se si, ela teve certeza de que se tratava de uma druida. Uma capa pesada emoldurava o seu pescoço delgado e descia pela pele dourada. Os cabelos grossos e escuros escondiam as orelhas e recaiam como cascatas pelos ombros, até a altura dos seios fartos. As sobrancelhas grossas, tão negras quanto os cabelos enquadravam os pares de olhos questionadores adornados por uma pintura preta que lhe rendia o ar felino. Uma armadura muito parecida com a de Edlyn envolvia seu invejável corpo e Mackenzie estudava cada detalhe, à medida que a Druida se aproximava.

— Sage! — Edlyn exclamou fadigado, enquanto ela avançava, aprumando-se melhor sobre as pernas.

— Oh. Meu Deus, Edlyn. Eu não acredito... Ela abriu um sorriso radiante de orgulho, exibindo os belíssimos dentes brancos, passando a mão no cabelo para levar uma mecha para trás da orelha e apressando-se em passar seu braço por debaixo do de Edlyn para ajudá-lo a se apoiar.

Nos braços de Sage, Edlyn olhou para o lado, fitando Mackenzie com seriedade, sentindo a necessidade de ordená-la a permanecer de bico fechado, mas não o fez, graças à Sage. Ele esperava que ela fosse capaz de compreender como isso era importante.

Edlyn não estava mais machucado do que Mackenzie, na verdade, os danos não eram estrondosos, mas mesmo assim, Mackenzie ergueu a mão por instinto, segurando o peito de Edlyn para ajudá-lo a se apoiar, enquanto Sage se ajustasse para sustentá-lo também, mas o sorriso espontâneo da druida morreu ali, quando seus corpos se inclinaram e os rostos das duas ficaram um de frente para o outro, muito próximos.

— Quem é ela? — Sage perguntou, não parecendo se importar em expor seu desprezo ao se referir a Mackenzie.

O nó na garganta de Mackenzie se apertou e ela sentiu o rosto aquecer, preocupando-se com o tom de repulsa de Sage e ela se encolheu, esperando que seu cheiro humano a que Edlyn se referia tivesse se tornado menos intenso à medida que o tempo passava.

— Tudo será explicado. Agora, me ajude a chegar ao abrigo. — Edlyn limitou-se a dizer e movimentou-se devagar com o auxílio de Sage.

Tempo depois, no acampamento, Mackenzie percebera que os outros druidas não a tratariam muito melhor do que Sege. Deixada em uma cabana de lona parda para abrigar-se da chuva intensa enquanto esperava que resolvessem seu destino, com seu otimismo murchando à medida que o tempo passava, e ela se sentia um "problema a ser resolvido".

Sentada de frente para a abertura da cabana, ela assistia a chuva cair dividida entre nostalgia e tristeza, enquanto lembrando-se dos dias que se sentava à beira de sua cama e observava a chuva cair da janela de seu aposento com olhar distante. Parecia que os dias tinham se transformado em anos e sua vida de princesa tinha se tornado um pesadelo que a devoraria em algum momento.

Muito ao longe de sua cabana, Mackenzie viu um vulto acastanhado passar pela abertura e levantou-se de imediato, avançando pela tenda a fim de adquirir nitidez em sua visão.

Mackenzie avançou e não se incomodou em voltar para o temporal incessante que a atingira novamente. Tomada pela água gelada, ela andou de cabeça baixa tentando não chamar atenção dos poucos druidas que corriam para se abrigar da chuva, e embora ela fosse bastante diferente dele, a começar pelos cabelos claros, a baixa estatura e pela pele fria, ela não precisou de muito esforço, já que todos estavam ocupados demais, fazendo com que toda a estrutura do acampamento funcionasse.

Ali, havia, uma infinidade de criaturas abrigadas, transitando de um lado para o outro. Incontáveis cabanas formavam um cordão, uma ao lado da outra, para que a noite todos pudessem dormir. Naquela sociedade, todos desempenhavam uma função, mas Mackenzie, estava perdida, suja e maltrapilha entre todos. Deslocada, ela não sabia qual era o seu papel ali ou se viria a ter um, mas a questão toda era: ela se permitiria a ter?

À medida que Mackenzie seguia o grifo, as tendas iam ficando para trás e ela foi relaxando os ombros quando se dera conta de que havia se livrado da agitação do aldeamento.

O grifo era levado por dois druidas. Um par de cordas reforçadas envolviam o pescoço da criatura enquanto ela arfava e grasnava, forçada a andar com a dor de uma das asas quebras. Eles estavam levando o grifo até uma grande caverna dentro do território e Mackenzie assistiu quando os dois druidas se encontraram com os demais na entrada da caverna e eles se juntaram suas forças para colocar o grifo na caverna e mesmo contra sua vontade, o animal ferido foi arrastado até lá.

Parada a uma distância segura, Mackenzie presenciara a toda a cena com os braços caídos ao lado do corpo, enquanto a sensação de revolta e impotência a fazia ficar mortificada embaixo da chuva, apenas observando. O olhar de um dos druidas recaiu sobre ela, petrificada ali no mesmo lugar. O rosto e as mãos ainda sujos, o cabelo a muito não penteado embaraçado e caído de qualquer jeito por sobre os ombros. Ela viu quando o druida parou o que estava fazendo e disse algo a outro druida e depois começou a andar de encontro a ela.

Naquele momento, Mackenzie foi tomada por uma sensação de desconfiança e ressentimento e começou a fazer o caminho de volta, correndo o quanto podia e em quanto o seu pulmão suportasse.

Druidas eram velozes, mas Mackenzie estava muito longe e se ela se esforçasse, não seria pega. Então, foi o que ela fez, correu a céu aberto pelo terreno lamacento e viu que a melhor alternativa era seguir em direção às tendas. Lá ela teria alguma chance de se esconder.

Quando chegou às tendas, ela passou por trás da tenta e parou, arfando e inclinando a cabeça para a frente, segurando-se em uma estaca de madeira fincada no chão, levando a mão livre ao peito, tentando acalmar sua respiração.

Embora o barulho da chuva na lona fosse alto, os ouvidos dela conseguiram capturar o barulho de passos se aproximando da tenda. Mackenzie olhou ao redor, mas mesmo exausta, seguiu em frente. Ela não sabia para onde estava correndo, mas não estava disposta a ignorar sua intuição. Nunca mais.

Ela correu a passos trôpegos e algumas cabanas depois, ouviu vozes se tornando cada vez mais claras à medida que avançava.

— Ela pode nos ajudar. — Mackenzie havia reconhecido aquela voz. Era de Edlyn e ele expressava muita convicção em sua resposta firme.

Antes de Mackenzie se aproximar da lona e escutar tudo o que estava sendo discutido, ela vasculhou ao redor e vendo que não havia ninguém, andou mais para o lado e pôs-se entre duas cabanas. Lá dentro, não houve tempo para que o silêncio fosse estabelecido, porque Sage contra argumentou com avidez.

— Não me parece que ela seja uma bruxa, quem dirá uma que possa vencer Europa e se ela realmente for uma bruxa, quem garante que ela não vai nos ferir?

— Pai, eu posso lhe garantir que ela não é humana, além do mais, ela é o mais próximo que temos de uma chance contra essa guerra e Sage, precisaremos correr o risco. — Edlyn preponderou. — Deixe-me provar, ela precisa de treinamento e se fizermos isso direito, com certeza daremos um fim a tudo isso.

Pelo que se pode ver, os druidas não eram assim tão incorruptíveis, pois Edlyn acabara de romper com um de seus valores mais estimados, e por mais que ela estivesse surpreendida por ver que enganar e ludibriar não eram apenas instintos humanos, como os druidas gostavam de apontar, seu coração se apertou em perceber que aquela era sua primeira lição sobre viver dentro de uma guerra: princípios são superestimados até que você precise romper com eles.

Naquela situação, Edlyn mentia para conseguir tempo a fim de treinar a garota e principalmente, mate-la em segurança, muito longe de Europa.

— Tio — Sage interpelou, interrompendo o silêncio — o senhor está prestes a cometer um grande erro. Lembre-se de Hanniel e da última que confiamos em uma bruxa.

— Não podemos correr o risco de deixá-la a solta. — Edlyn interviu — Se Europa a encontrar, podemos nos considerar arruinados. O melhor a fazer é manter a bruxa conosco, treiná-la e eu mesmo garantirei que ela saiba exatamente o seu lugar. O que aconteceu com Hanniel não se repetirá.

Depois de ouvir Edlyn argumentar, Mackenzie sentiu-se tão usada quanto a camisola maltrapilha que lhe envolvia o corpo. Ela não passava de um instrumento de batalha nas mãos de Edlyn, e ele não faria a menor questão de se omitir.

Daquele momento em diante, Mackenzie desejou que não ter fugido para a floresta, ou que sucumbisse a planta que quase lhe tirara a vida.


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