24 - No acampamento

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A elevada temperatura daquela tarde podia ser claramente justificada pelas densas nuvens escuras que começavam a se formar no céu. Vendo isso, Edlyn apressou-se em seguir o mais rápido que podia para o acampamento, sentindo um leve arrependimento de ter protelado na parada, pelo simples capricho de ver a garota esperando-o à margem do rio, tão aborrecida, mas se contendo para não proferir uma palavra que fosse. Mas por mais que tentasse, Minelal era apenas um cavalo e estava com mais peso do que costumava carregar. Eles já haviam deixado de margear o rio e agora, precisavam avançar pela floresta densa, porque o acampamento druida ficava bem no centro de Angora.

Mais tarde, tempo havia se fechado completamente e do céu, raios e trovoadas faziam um espetáculo horripilante de luz e estrondo, que levavam preocupação para Edlyn e pânico à Mackenzie, que se encolhia e estremecia toda vez que o clarão de um relâmpago explodia no ar. Ao redor, a sensação era a de que a floresta havia trocado de humor. As folhas das árvores se tornavam mais escuras e o solo adquiria um aspecto lodoso e pantanoso. Era desconfortante andar a cavalo naquelas circunstâncias, porque parecia que algum animal os atacaria a qualquer momento.

— Estamos quase chegando... — Edlyn sentiu-se na obrigação de dizer a Mackenzie, por cima do ombro, ao sentir a primeira gota de chuva se desmanchar em seu couro cabeludo.

O tempo e a floresta não pareciam estar a favor deles, precisariam andar por mais algum tempo e o forte bater de asas sobre a cabeça deles foi ainda mais assustador, sucedendo de uma enorme sombra se projetou sobre eles em uma forma pontiaguda na dianteira.

Surpresos, Mackenzie e Edlyn olharam para cima, mas tudo o que viram foi as copas das árvores que formavam um dossel sobre suas cabeças. Minelal galopou com mais afinco, mas as asas sobre as folhas bateram mais forte e o que quer que fosse, estava-os acompanhando.

Os cabelos de Mackenzie chicoteavam do ar para suas costas, conforme o galopar e com os músculos contraídos, ela apertou ainda mais os braços ao redor da cintura de Edlyn antes de ousar perguntar:

— O que é isso?

Edlyn hesitou em responder:

— Você não vai querer saber...

E ela realmente não iria, porque a criatura que estava sobre suas cabeças era muito maior, mais forte e mais inteligente do que os Ursos Albendras. Fora o fato, de que era muito mais difícil escapar de criaturas aéreas do que terrestres, porque de lá de cima, elas possuíam um vantajoso campo de visão, e pelo grasnar poderoso e agudo, Edlyn confirmou que um grifo os perseguia.

— Oh meu Deus! Oh meu Deus... — Mackenzie gritou, a voz alterada pelo desespero.

"Nós vamos morrer..." Ela pensava repetidamente, apertando os olhos com força para mantê-los fechados.

De cima da copa das árvores, a grifo batia suas asas com intensidade e se deslocava conforme o galopar do cavalo abaixo. Repentinamente, a criatura fechou suas asas e embicou para baixo em alta velocidade, perfurando a camada de folhas para voar baixo, enquanto grasnava.

Edlyn não sabia o que faria. A chuva começava a cair com mais intensidade a cada minuto, o acampamento ficava logo a frente e o grifo os caçavam. Ele não sabia se era uma boa ideia atravessar a fronteira com o grifo, mas prolongar a viagem poderia ser ainda pior. Então, ele engoliu a seco, tomando a decisão e bateu as rédeas no lombo de Minelal que se deslocou ainda mais rápido.

A fronteira ficava a poucos metros, eles só precisavam atravessá-la, mas o grifo não estava disposto a facilitar sua jornada, já que ele arremeteu, batendo as asas com vigor e contraindo as patas falconiformes, preparando-se para capturar alguma presa.

O grifo sobrevoou por cima deles, e Mackenzie ergueu a cabeça, estremecendo e gritando ao se deparar com a surpreendente criatura metade falcão, predominante em toda a parte dianteira e metade leão, no rabo e nas patas traseiras. Ela se encolheu ainda mais, apertando o rosto contra as costas de Edlyn, desejando não ter visto como o animal realmente era.

Essa seria uma daquelas coisas que Mackenzie não conseguia esquecer. Metade uma coisa, metade outra. Como isso poderia acontecer? Ela se questionava em pânico.

Faltando pouco para vencer a distância até a fronteira, a chuva tinha engrossado e ensopando os cabelos dos dois e começando a molhar as penas da criatura que grasnava, articulando seu último ataque. No entanto, antes que as garras de ave capturassem Mackenzie, o chão sumiu sobre os cascos de Minelal. O solo plano se tornou decaído, e eles deslizaram na terra úmida e nas folhas molhadas. O que Mackenzie viu a seguir, foi uma bagunça turbulenta e embaçada. Ela apenas sentia que alguma coisa batia dolorosamente contra seu quadril e espremia seu corpo.

Segundos antes de capturar Mackenzie, o grifo colidiu com uma das asas em uma árvore muito curva e também encontrou o chão numa pancada forte, capotando pelo terreno tortuoso.

A declividade do solo foi reduzindo, e eles foram perdendo a velocidade até parar. Algum tempo depois, Mackenzie abriu os olhos, sentindo a dor irromper por todo o corpo, perdendo o fôlego ao erguer minimamente a cabeça e se deparar com o peito do grifo muito próximo dela.

Com dificuldade, Mackenzie tentava vencer a dor que irrompia de dentro, de seus órgãos, e se apoiara sobre os braços, sentando-se no chão. Passando a mão pelo rosto e deixando um traço de sujeita por onde a mão passara, ela fitou a criatura que aterrissara de qualquer jeito no chão e as asas estranhamente dobradas e uma delas quebras. Ela notou que estranhamente, parte da criatura, a parte traseira, não podia ser vista. Não havia lesão, nem sangue. Era como se estivesse invisível. O grifo contraiu as patas falconiformes, fazendo Mackenzie recuar com um pulinho dado o grasno fraco que se sucedera.

Pondo-se de pé, Mackenzie vasculhou ao redor em busca de Edlyn e engoliu a seco quando não o viu. Com receio, mas muito intrigada, ela se arrastou até o grifo, tentando manter uma distância segura, sentando-se de lado no chão, longe das patas traseiras. Ela ousou levar à mão até a penugem áspera, e a pele do animal tremulou sob sua palma. Mesmo hesitando, ela deslizou a mão furtivamente até a altura da parte que parecia não existir e chocou-se com o que acontecera.

— Mas o que... — Ela balbuciou estarrecida, e com os lábios levemente entreabertos, ela se deu conta de que parte de sua mão, assim como a do corpo do grifo, também havia sumido.

Embora ela não pudesse ver, ergueu a mão e movimentou os dedos várias vezes, afundando a mão no vazio até que pulso também desaparecesse.

Tentando conter o espanto, ela se levantou devagar e muito curiosa, afundou mais ainda o braço, até que todo o ombro não pudesse ser visto. Ela não hesitou em passar o rosto, ansiando pelo que poderia haver do outro lado e quando abriu seus olhos, ainda estava na floresta, cercada por árvores. A chuva ainda caia com bastante intensidade, mas dali onde estava, ela podia ver a parte traseira que faltava do grifo. Minelal aterrissara mais a frente, e ela soltou um suspiro aliviando quando encontrou Edlyn, tentando desajeitadamente se levantar do chão.

— General... — Uma voz feminina disse hesitante, pouco depois de alguém sair de uma das árvores.

Reino Perdido [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora