Naquela noite, Edlyn caçara um texugo para comerem e embora Mackenzie não estivesse com fome, alimentou-se mesmo assim, pois não tinha tanta certeza assim de que aguentaria até o próximo jantar.
No lugar em que eles estavam não havia rio onde se banhar, tampouco um que Edlyn pudesse puxá-la pela canela para dentro da água. Então, Mackenzie dormiria com suas roupas sujas e maltrapilhas, mas secas e aquecidas.
A fogueira crepitava a pouca distância dela, que deitara de lado, a cabeça apoiada no grosso livro de magia, enquanto olhava fixamente para o fogo avermelhado que emanava da lenha, com os pensamentos longes demais para serem acompanhados. Edlyn deitara do outro lado da fogueira, a cabeça apoiada no braço e os olhos sem foco, olhando para lugar nenhum. Ele piscou uma vez e tudo a sua frente ganhou nitidez a tempo de flagrar Mackenzie observando-o através do fogo.
Os curiosos olhos azuis celestiais brilhavam numa cor intensa e a pele alva adquiria um brilho alaranjado graças a luz irradiada pela fogueira. As pálpebras se movimentavam em um movimento lento e quase decorado, enquanto os cílios claros abanavam sob as pequenas e claras sardas da bochecha. Era uma cena digna de ser memorizada, porque naquele momento, vê-la assim, tão centrada, tão silenciosamente interessada, olhando-o diretamente, fez com que ele engolisse em seco e perdesse momentaneamente o fôlego. Era uma sensação que subia pelo estômago e pressionava o coração, como se uma mão o comportasse e o apertasse suavemente. No entanto, mesmo diante de uma das criaturas mais bonitas e angelicais que ele veria em toda a sua vida, Edlyn permitiu que o estranho sentimento de atração e desejo fosse bruscamente substituído pela hostilidade.
Mesmo depois de tudo o que ele havia contado, mesmo depois de salvá-la várias vezes e matar a bruxa que poderia salvar a floresta, tudo pelo impulso de mantê-la segura, ainda assim, ela não queria estar ali. Não desejava salvar ninguém além dela mesma.
Como ela podia? Como se atrevia?
Não havia gratidão, nem honra. Somente orgulho.
Afinal, eles eram todos iguais. Edlyn concluiu, sentido aquele familiar ressentimento contra os humanos se aflorar com intensidade, mas ainda precisava dela e não se sentiu mais tão culpado, por usá-la para vencer a enchantix. Movido por essa raiva, antes de se virar e dar as costas a garota, ele disse com nítido rancor:
— Boa noite, princesa.
Os lábios de Mackenzie, que estavam colados um no outro, se afastaram suavemente quando ela também perdeu o fôlego ao confirmar que ele realmente tinha ouvido tudo o que havia sido dito ao oráculo, e ela também nunca tinha imaginado que alguém poderia pronunciar-se sobre seu título com tanta repulsa.
Mackenzie sentiu uma vontade transbordante de revidar, de se defender, porque ela estava tendo a sensação de que ele estava colocando o peso de todas as ações humanas contra as criaturas da floresta sobre o título e os ombros dela, mas decidiu se calar, porque tudo não passava de uma grande provocação e diante dos últimos fatos, ela tinha quase certeza de que ele sequer responderia. E foi assim, olhando para os ombros dele que ela dormiu.
A noite passada tinha sido um prelúdio de como seria o dia, Mackenzie tinha concluído ao ver a carranca de Edlyn enquanto ele preparava Minelal para seguir viagem.
— O acampamento fica a um dia daqui. — Edlyn disse com a voz muito sisuda. — Quando chegarmos, você não explicará nada a eles. Nada de Parga, nada de títulos. Só uma bruxa em treinamento.
Mackenzie se encolheu entre os ombros, cruzando os braços e soltou todo o ar de seus pulmões, perguntando-se até quando esse comportamento se estenderia.
Ele bufou antes de parar tudo o que estava fazendo com as rédeas de Minelal para olhá-la com severidade.
— Você entendeu? — Ele perguntou sem a menor gentileza.
Ela resignou-se em acenar com a cabeça, concordando, e ele a encarou por um tempo tão longo que começou a incomodá-la, até simplesmente voltar ao que estava fazendo.
Ele a estava julgando da cabeça aos pés. Parecia que tudo nela o incomodava e até o fato de ouvi-la respirar o irritava, e essa situação, só servia para que Mackenzie se sentisse ainda mais desapontada consigo mesma.
A verdade machuca, mas as pessoas gostam de acreditar que a verdade é sempre melhor do que a mentira, mas naquela situação, Mackenzie tinha dito tudo o que precisava para voltar para casa e ser a rainha que todos esperavam que fosse.
Não fazia ideia de que sua mãe tinha sido uma bruxa, que a floresta estava em pleno colapso, que ela era parte bruxa ou que ela deveria ficar para salvar toda uma população. Isso era loucura, e quem poderia culpá-la por mentir dadas as circunstâncias? Isso não fazia dela uma pessoa ruim, mas a fazia se questionar sobre seu papel de governante, dado que, ela não tinha sido criada para sentir essa necessidade de autopreservação. "Mas não é errado se colocar em primeiro lugar" as palavras do oráculo reverberavam na cabeça dela. No entanto, reis e rainhas são ensinados a colocar seu Reino e seu legado na frente de tudo, até de si mesmo. Uma rainha precisava ser, acima de tudo, bondosa, corajosa e íntegra. Mas, mesmo depois de tudo isso, ela preferia que a mentira se sustentasse, que ele não tivesse simplesmente ouvido tudo, porque ela não precisaria lidar com tanto desprezo e julgamento. Agora, não mais pelo que ela era, porque ela não tinha culpa de ser humana, mas sim, por ter sido egoísta.
Mesmo assim, o que ela devia a ele? Por que ela se incomodava tanto com o que ele pensava? E ele? Talvez Edlyn não quisesse ser salvo por um dos indivíduos que levou tanta desgraça ao seu povo.
Mas o destino tinha muitas dessas ironias e Edlyn e Mackenzie eram suas vítimas.
Edlyn montou em Minelal com a distinção de um faisão e embicou para trás, fazendo-o trotar a fim de parar a poucos centímetros dela, para que ela também subisse. O rosto do druida voltado para a frente com o intuito de ignorá-la de forma mais dura possível, enquanto esperava que ela subisse.
A garganta de Mackenzie se contraiu, porque nunca tinha subido em um cavalo sozinha e nos últimos dias, contava com a mão do druida para auxilia-lo. Mas ela não estava disposta a dar esse gostinho a ele, então deu impulso no corpo, dando um passo para trás. No final, a cena foi bastante constrangedora. Braços e pernas se atrapalharam e ela se desesperou para não cair próximo à pata do cavalo e ainda levar um coice. Minelal também se agitou, relinchando e erguendo no ar as patas da frente, jogando por consequência o corpo de Edlyn para trás, que precisou segurar firme nas rédeas para não cair.
Edlyn estabilizou Minelal enquanto Mackenzie se recompunha. O druida encarou-a com desaprovação.
— Um desastre. — Foi a única coisa que ele disse antes de ceder, quando ergueu a mão para ajudá-la a montar.
***
Essa montagem foi feita a bastante tempo, quando o livro estava começando a ser pensado. Fiquei com pena de apagar e resolvi mantê-lo aqui!
1 - Nestor
2 - Mackenzie
3 - Anne
4 - Everilde
5 - Edlyn
Beijo meus amores! até o próximo capítulo. ♡
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Reino Perdido [Concluído]
FantasyMackenzie é a legítima Herdeira do Trono de Parga. Coroada desde o berço, cresceu ao lado de seu pai, um Rei extremamente controlador e amargurado, que sempre fez o possível para mantê-la distante dos perigos que sabia que rodeava o exterior do Cast...