26 - Mau presságio

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O pai de Mackenzie recusou-se veemente a forjar uma aliança com Mikvar, porque sabia que quando isso acontecesse, ele entregaria seu reino e sua filha à destruição. Eles secariam sua água, liquidariam a plantação. A ganância e a gulodice levariam infertilidade ao solo, mas o que mais o preocupava era o fato de sujeitar sua filha a uma existência de escravidão e sofrimento. Galeith não sabia, mas esse não era o único caminho que poderia leva-la a uma vida de infelicidade e submissão. Mas tudo o que o pai de Mackenzie havia, de nada tinha adiantado. Só que toda essa situação não doía tanto quanto ouvir as palavras frias e inescrupulosas da boca de Edlyn.

Ela levou a mão ao peito, sentindo o coração e as pernas desvanecerem pouco a pouco, mas antes que ela cedesse, uma curiosa figura passou pelo caminho que Mackenzie percorrera, e franzido as sobrancelhas e desviando de seu caminho. Uma druida segurou o braço de Mackenzie e impediu que ela desmoronasse.

Antes que a druida a ajudasse a sair dali, ela ergueu a mão, levando um dos dedos aos lábios, pedindo para que Mackenzie fizesse silêncio. Mackenzie fitou-a, observando o rosto envolto pela sombra que a capa produzia. A druida gesticulou com a cabeça, conduzindo-a a sua cabana.

— Eu sinto muito que você tenha ouvido tudo... — A druida disse, avançando para dentro de uma tenda a fim de esconder-se da chuva, abaixando o capuz da capa.

Mackenzie recusou-se a entrar com um manear de cabeça, permanecendo na chuva. A druida gesticulou uma censura e abriu caminho para que ela passasse.

— Com essa chuva, se não entrar, ficará resfriada. — Ela argumentou com uma simpatia surpreendente.

Mackenzie hesitou, fitando-a enquanto sentia a insegurança lhe prender no lugar. A lona da tenda chacoalhou com o vento forte e foi então que seus dentes rangeram e ela encolheu-se de frio, motivando-a a dar o primeiro passo.

— Não saia daqui. — Ela pediu, removendo a capa de seus ombros. — Eu vou pegar algo para que você possa se secar.

Mackenzie não respondeu. Ela limitou-se a estudar o espaço, observando de relance a cama de palha coberta por um tecido pardo felpudo. O assento derivado de um pedaço de tronco de árvore mais ao canto. Os olhos de Mackenzie estavam fixados no grande baú de armazenamento que estava disposto ao pé da cama quando ela retornou, trazendo consigo uma lamparina acesa, deixando-a sobre um pequeno móvel que havia no canto mais estremo. Ela entregou um pano a Mackenzie, que não hesitou em começar a passa-lo pelos braços e pernas para se secar.

— Eu me chamo Eirin. — Ela disse, sentando-se no pedaço de tronco de árvore.

Mackenzie terminou de se secar e quando devolveu o pano a ela, fitando seu rosto iluminado pela lamparina, surpreendeu-se com a semelhança entre ela e Edlyn. O rosto bonito emoldurado pelos fios de cabelos pesados que eram de um preto intenso cortados à altura do queixo sinuoso. O formato dos olhos e o jeito como enviesavam a sobrancelha. A boca volumosa e arredondada, sem contar o maxilar anguloso que rendia ao conjunto harmonia e beleza.

— Eu me chamo... — ela hesitou, pensando no quanto estava farta de mentir, mas não poderia revelar seu nome. Edlyn havia lhe pedido para se manter em silêncio e foi o que ela disse quando completou. — Anne.

Ela forçou um sorriso amigável, sacodindo a cabeça.

— Espero que meu irmão não tenha sido tão grosseiro com você... — Eirin soltou e o constrangimento em seu tom de voz foi muito perceptível.

Não era para menos. Eirin conhecia o seu irmão, o temperamento hostil e arredio não era segredo para ninguém. A língua de Mackenzie coçou para dissertar sobre os mais diversos atos indigestos de Edlyn, mas ela sufocou suas palavras, erguendo um dos ombros e encolhendo-se entre os braços, deixando o comentário no ar, como se nada tivesse sido dito.

— Acho que você vai precisar de roupas secas... — ela comentou, inclinando-se sobre o baú. — Eu só não sei se vão ficar boas...

Mais tarde, deixando a camisola maltrapilha de lado, Mackenzie experimentou a sensação de entrar em calças. Ela havia gostado da forma como a peça envolvia seu corpo e aderia a pele sem causar peso. Ela deslizou a mão pelo material grosso do corpete que se ajustava à cintura delgada e era sobreposto a uma blusa de lã que cobria seus braços e os mantinham devidamente aquecidos. Embora Mackenzie se vestisse como uma druida, os cabelos claros e a pele branca nunca a deixaria passar despercebida.

Mackenzie tentou engolir a pergunta que palpitava na ponta de se sua língua, mas ela não desceu e virou-se para Eirin.

— Quando estávamos chegando, fomos atacados por uma criatura metade falcão metade leão. O que vai acontecer com ela?

Eirin sentou-se à borda da cama.

— O grifo... — ela ponderou. — Ele será preso até erguermos acampamento.

— A asa dele parecia quebrada... — Mackenzie acrescentou.

— Nenhuma criatura será subjugada. O grifo receberá todo o cuidado de que necessitar.

Eirin encerrou o assunto e tentou tratar a convidada de seu irmão da melhor forma que podia. Cedeu-lhe a cabana e deixou que ela descansasse depois da longa e exaustiva viagem. Edlyn não havia lhe contado tudo o que passara ao longo da jornada, mas Eirin considerou com empatia o estado em que ela se encontrava.

À noite, quando a escuridão já havia se estabelecido em meio a chuva insistente, ela pegou a lamparina e saiu furtivamente da cabana, dirigindo-se a uma outra.

Embargada em sono profundo, Mackenzie se viu deitada em uma cama. Mesmo à meia luz, ela observou o dossel de renda negro sobre sua cabeça que se derramava ao redor da cabeceira. O lustre de bronze reluzia prezo ao teto. Ela sentiu seu coração disparar e suas entranhas queimaram, quando passos puderam ser ouvidos do lado de fora dos aposentos. Ela sentiu a necessidade de se mover, mas seus membros não a obedeciam e embora ela tentasse, suas mãos permaneceram inertes ao lado do corpo, mas para o seu apavoro, ela conseguiu girar minimamente a cabeça a tempo de ver a porta sendo aberta. Uma sombra se projetou sob o vão da porta e olhos brilhantes reluziram, fazendo com que ela tentasse inutilmente se debater.

Mackenzie resfolegou ruidosamente, como se seu pulmão estivesse completamente vazio e sentou-se na cama, muito aterrorizada. Em meio ao breu noturno que habitava a cabana, ela sentiu a mesma sensação de estar sendo observada do sonho e ergueu o olhar para a abertura da tenda, onde sobressaltou-se ao encontrar um vulto parado.

— Outra visão? — Edlyn perguntou, avançando em direção a cama.

Mackenzie abaixou o olhar, suspirando e esfregando os braços enquanto tentava espantar a estranha sensação de mau presságio.

— Eu não sei... — ela respondeu com franqueza, erguendo o olhar para fitar Edlyn que não passava de um vulto a sua frente.

Mas com muita esperança, ela esperava que não fosse.

Ela sentiu o peso de Edlyn afundar nas palhas, no momento em que ele se sentou à borda da cama. Muito desconfortável em tê-lo assim tão perto, depois de tudo o que ouvira de sua própria boca, ela se tornou inóspita e perguntou:

— O que você está fazendo aqui?

Ele suspirou.

— Certificando-me de que você não fará nenhuma idiotice. — Ele respondeu, mas dessa vez, não havia grosseria, na verdade, sua voz estava completamente tomada pelo cansaço. — Ninguém pode saber de nada. — Ele salientou.

Mackenzie jogou o corpo para trás, virando-se ao dar lhe as costas, puxando a coberta para cobrir-lhe complemente o corpo, até o pescoço. O silêncio prevaleceu em meia a escuridão, até que ela ouviu um suspirar seguido do ruido dele se remexendo na cama, virando-se mais de lado, enquanto ela fechava os olhos para ignorá-lo.

— Eu soube que você fugiu de um druida — ele acrescentou — por que você fez isso?

Ela hesitou, lembrando-se da fuga injustificada.

— Não sei... — ela balbuciou honestamente, sem sequer abrir os olhos.

Reino Perdido [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora