Bianca

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Na maior parte do tempo, ter Rafaella como melhor amiga é demais. Entre as vantagens estão:

1- Apesar de não me importar muito com combinação de cores, tenho certeza de que nunca vou sair na rua parecendo uma palhaça.

2- O filtro de água é reabastecido com regularidade.

3- Ela lava roupa por diversão , e só reclama em uns trinta por cento das vezes em que coloco as minhas com as dela.

4- Ah, e como a aventura desta manhã demonstrou, ela é um excelente pretexto para me livrar das garotas mais grudentas.

Mas tem também as partes não tão legais. Tipo quando ela passa trinta e cinco minutos escolhendo luminárias.

"Pega logo essa", digo, apontando para uma qualquer, com pedestal. A atmosfera barulhenta dominada por vozes infantis da IKEA começava a me sufocar.

Ela mal olha para a que sugeri. "Parece um útero."

"Você acha que sei como é um útero?"

"É como essa luminária. E, sinceramente, contando com o fato de você ser uma garota e com o tempo que você passa correndo atrás de outras garotas, já deveria estar mais familiarizada com nossas partes íntimas."

"O útero não é..." Eu me interrompo, procurando a palavra certa para tentar descrever as fracas lembranças que tenho da aula de educação sexual do oitavo ano.

Rafaella ergue as sobrancelhas. "Não é onde fica o bebê?"

Como qualquer pessoa desinteressada no meu lugar, faço uma careta. "Minha nossa. Por que eu precisaria saber disso?"

"Ainda bem que você não é capaz de fazer filhos naturalmente", ela diz, inclinando a cabeça para examinar a luminária verde-limão em suas mãos. "Você acha que combina com meu edredom?"

"Você sabe que sou praticamente daltônica. Não faço ideia da cor do seu edredom."

"Sério mesmo? Vai fingir que nunca viu? Você deitou anteontem na minha cama com roupa de ginástica. Precisei lavar duas vezes pra tirar o cheiro de suor dele."

Balanço negativamente a cabeça. "Coitada da Bruna. Deve ter que forrar a cama com um saco plástico antes de transar."

"Bruna não tem cheiro de suor."

Franzo a testa. "Espera aí. Todo mundo tem o mesmo cheiro."

"Não."

Abro a boca para argumentar, mas acabo dando de ombros. Essa é outra coisa que é preciso aprender quando se tem uma Rafaella como melhor amiga. É preciso escolher o tipo de discussão em que se vai entrar.

"Você tem dois minutos pra escolher a luminária", anuncio. "Estou morrendo de fome." Rafaella ajeita a alça da bolsa no ombro.

"Ah, eu só estava olhando. Não vou levar." Respiro fundo, prestes a soltar um "você é inacreditável", quando percebo seu sorriso.

"Ah, entendi", digo enquanto nos encaminhamos para os fundos da loja, onde vou pegar minha cômoda nova. "É uma vingancinha. Está brava porque inventei uma coleção de bonecas bizarra pra você."

"Na verdade, foi mais por ter jogado fora as regras da casa. Vou mandar plastificar da próxima vez."

"Ou então você pode criar uma versão on-line e jogar na nuvem, como fazem as pessoas normais nascidas depois de 1980."

Vejo uma lâmpada se acender acima da cabeça dela, e quase me arrependo de ter dado a ideia. Não que faça muita diferença. Nunca levei muito a sério as regras, mas na maior parte do tempo me esforço para não ser uma babaca. Tirando o problema com a toalha pela manhã, já que, como mencionei, Rafaella adora lavar roupa.

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