Bianca

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Tem alguma coisa errada. Não alguma coisa, tudo.

Sendo bem sincera, não estou muito à vontade aqui. O que não faz o menor sentido. A garota sentada no meu colo é muito gostosa, e mesmo se não fosse ainda tem as outras espalhadas pela sala. Ela nem é das mais irritantes, ainda que não consiga me lembrar de nada que conversamos nem que minha vida dependa disso.

A cerveja está rolando solta, a música está boa… E eu não consigo curtir. Nem um pouco.

Mas estou menos preocupada comigo e com o fato de ter começado do nada a me sentir indiferente a uma coisa que me fazia tão bem e mais preocupada com Rafaella.

Sinto olhos me observando e, quando me viro, Gizelly está me encarando de um jeito estranho. Ela mostra o drinque que Rafaella deixou em sua mão e levanta as sobrancelhas em uma expressão interrogativa.

Balanço negativamente a cabeça. Sei lá.

Então o olhar dela se volta para Cora — a garota no meu colo —, e suas sobrancelhas se levantam de novo. Percebo tarde demais que ela está beijando meu pescoço…

Porra, eu nem tinha percebido. Não é um bom sinal.

Não existe uma forma fácil de fazer isso, então cerro os dentes e ponho as mãos na cintura de Cora, puxando a garota para a direita enquanto escorrego para a esquerda no assento.

Ela me lança um olhar de surpresa, mas só consigo abrir um sorrisinho de desculpas. O aviso de que volto logo está na ponta da língua, mas…

Não sei se vou voltar.

Não sei o que estou fazendo, só sei que preciso ver Rafaella. Descobrir por que está em casa e não com Brenda, Bárbara, ou sei lá o quê.

Paro ao lado de Gizelly antes de subir a escada. “Dá um jeito de se livrar do pessoal, mas com educação. Manda a bebida junto, pra amenizar o impacto.”

“Pode deixar”, ela diz, levantando.

Fico mal por colocar, tipo, dez pessoas pra fora de casa em uma noite de sexta. Ainda é cedo, mas porra… está quase todo mundo bêbado mesmo. Eles podem ir para a casa de Joe, que fica a três minutos daqui.

Subo os degraus dois de cada vez, e não fico surpresa ao constatar que a porta de Rafaella está fechada.

Só que também está trancada . Nem sabia que a porta tinha chave. Sinto um aperto no peito.

“Rafs?”

Bato de leve na porta. Nada.

Bato mais forte, dessa vez com a mão aberta, dizendo a mim mesma que talvez ela não tenha ouvido por causa da música alta.

Nada.

Bom… então tá.

Aprendi algumas coisas como irmã caçula. Sei muito bem como lidar com uma porta trancada.

Vou até meu quarto, arranco uma camisa do cabide, entorto o arame e volto para a porta dela.

Quando chego lá, a porta está destrancada.

Rafaella está de pé dentro do quarto, só de lingerie — e que lingerie! —, olhando para o cabide na minha mão.

“Sério mesmo?”, ela pergunta, cravando os olhos nos meus. Mas só consigo pensar “Graças a Deus”.

Não sei pelo que agradeço. Se pelo fato de não estar chorando, de ser tão linda ou por ter aberto a porta pra mim.

Não quero que nunca feche a porta para mim. “Você me trancou pra fora”, argumento.

Apenas amigas?Onde histórias criam vida. Descubra agora