Bianca

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Três semanas depois.

“Tem certeza de que pra você tudo bem?”

“Pela última vez, sim”, respondo. Em seguida abro o sorriso mais simpático de que sou capaz pra disfarçar meu tom de voz irritado. Mas, falando sério, ela já perguntou umas vinte vezes, de um monte de jeitos diferentes. Se eu tiver que ouvir isso mais uma vez… E claro que por mim tudo bem.
Por que eu não ia querer sair para jantar com minha melhor amiga — ex-melhor amiga — e a namorada dela? Parece uma ótima ideia.

Abro a porta do restaurante italiano bacana de que Marcela vem falando sem parar a semana toda e deixo que entre primeiro.
Não sou muito fã de lugares lotados nem de toda a onda em torno dos restaurantes “da moda”, mas Marcela conhece alguém que conhece alguém, e está agindo como se conseguir uma reserva numa sexta à noite fosse digno de um prêmio ou coisa do tipo, então tento não estragar sua empolgação.
O lugar está cheio e barulhento, o que eu meio que detesto, mas o cheiro está ótimo, então tento me concentrar nisso.

Marcela diz (grita) seu nome para a hostess, que aponta para o fundo do salão. Ela faz um sinal com a cabeça me pedindo para segui-la. Respiro fundo e me espremo por entre as mesas pequenas e próximas demais umas das outras, tentando me preparar para o que vem a seguir.

E então a vejo.

Quando ponho os olhos em Rafaella, todas as intenções de olhar a coisa pelo lado positivo desaparecem. Acho que não consigo fazer isso. Mas, obviamente, tenho que fazer.

Marcela e eu já saímos várias vezes juntas, e fiquei oficialmente sem desculpas para me safar desse programa.

Rafaella e Bruna levantam ao nos ver. Ela dá um abraço em Marcela, enquanto Bruna me dá a mão daquele jeito estranho de duas garotas que não têm muita intimidade.

Se Bruna ou Marcela perceberam que Rafaella e eu não nos olhamos, muito menos nos cumprimentamos, preferem não falar nada.

“Este lugar é lindo”, Rafaella comenta quando nos sentamos à mesa pequena demais.

Ela e Marcela ficam de frente uma para a outra. Isso me deixa perto de Rafaella, o que me parece melhor que ter que ficar olhando para ela o tempo todo. Marcela não sabe da nossa briga. Pela expressão tranquila no rosto de Bruna, acho que ela também não, então basta fingir um pouco.

Rafaella está falando agora, e só tenho que parecer prestar atenção. Ela está usando uma regata decotada e um monte de colares. Nada muito especial. Seus cabelos estão presos em um rabo de cavalo e usa uma maquiagem leve. Está bonita, e isso me irrita. Não quero que seja infeliz — não muito —, mas também não precisava aparecer assim . Toda linda, radiante e… feliz.

“Que bom que a gente conseguiu vir aqui hoje”, Marcela diz. Meu Deus, ela ainda está falando do restaurante? “Dava pra ter conseguido um horário melhor na semana que vem, mas Bianca vai pro Michigan.”

Rafaella olha para mim, surpresa. “Vai pra casa dos seus pais?”

Então é a vez de Marcela e Bruna parecerem surpresas, porque normalmente — tipo, antes —, Rafaella sabe todos os detalhes do que vou fazer. Tomo um gole de água.

“As passagens ficam caras demais no feriado de Ação de Graças, então vou no fim de semana anterior. Assim posso agradar meus pais sem gastar toda a minha poupança numa viagem de avião.”

“Claro”, ela murmura.

Desconfio que, mais do que ninguém, saiba o quanto eu queria evitar essa viagem.
E, sim, sei que não é muito legal da minha parte pensar assim. Quase nunca vejo meus pais, e aparecer uma vez por ano num feriado não é pedir muito. É que sempre volto dessas viagens me sentindo péssima. Quatro dias seguidos de versões passivo-agressivas de “E então, quando é que você vai parar de viver só na farra?” fazem isso com a pessoa.

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