Rafaella

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“Ainda não acredito nisso”, Marcela comenta enquanto observa atenciosamente minhas sapatilhas de oncinha antes de encaixotá-las para a mudança. “É o fim de uma era.”

Engulo em seco. É mesmo. Esse pensamento passou pela minha cabeça um milhão de vezes. E um milhão de outros, basicamente indagando se eu tinha como sair dessa — se podia desistir de ir morar com Bruna. Por um instante, sinto vontade de contar tudo a Marcela. Gostaria de poder confessar a alguém que a verdadeira razão de aceitar morar com ela foi medo. Medo de que, se continuasse com Bianca, as coisas poderiam mudar. Só que elas estão mudando mesmo assim, e eu ainda estou tendo que lidar com a mudança sem minha melhor amiga. Mas conversar sobre isso com Marcela vai suscitar uma série de questionamentos que não estou pronta para responder. Sobre mim. E sobre Bianca. Sobre o que aconteceu na última noite em Cannon Beach. Então fico em silêncio, tentando me convencer de que ir morar com Bruna é a decisão certa. Que significa que estou seguindo em frente com minha vida.

Não levanto os olhos. Continuo embrulhando meus frascos de perfume em plástico bolha.

“Obrigada por me ajudar a embalar as coisas pra mudança.”

“Ah, imagina”, ela diz, dispensando meu comentário com a mão. “Essa é a parte mais fácil. Pelo menos você tem mais duas pessoas pra ajudar com as coisas pesadas amanhã.” Fico em silêncio. Ela continua: “Bianca vai ajudar, certo? Porque, por mais que eu adore você, não vou estragar as unhas carregando uma cômoda.”

“Na verdade, ainda não pedi”, respondo, me mantendo de costas para que não consiga ver a expressão no meu rosto. “Mas com certeza vai ajudar a pôr as coisas no caminhão, claro.”

Não tenho certeza nenhuma disso.
Não é que a gente não esteja mais conversando. Somos perfeitamente educadas uma com a outra. Precisamos fazer isso, porque até a hora do almoço de amanhã ainda moramos juntas. E ainda vamos juntas para o trabalho. Mas, nas duas semanas que se passaram desde que contei que vou morar com Bruna, nossa conexão se perdeu. Mental. Emocional. E acima de tudo física. Nenhum das duas admite que tem alguma coisa errada. Mas tem, e isso está me matando por dentro.

“Certo. Queria falar uma coisa com você”, Marcela comenta, colocando um par de chinelos velhos com todo o cuidado na caixa, como se fossem Louboutins, antes de sentar na minha cama.

“Claro”, respondo, grata pela mudança de assunto. Qualquer coisa que desvie meus pensamentos de Bianca.

“É sobre Bianca”, ela avisa. Hum.

“Certo”, digo.

Tenho uma súbita premonição de que é melhor estar sentada pra ouvir isso, então percebo que já estou de pernas cruzadas no chão. Droga. Talvez seja melhor arrumar alguma coisa em que me apoiar então.

“Vou pedir pra sair com ela. Com Bianca. Vou chamar Bianca pra sair”, ela conta.
Seu tom de voz é tranquilo, direto e muito, muito claro, mas mesmo assim preciso de um bom tempo para registrar as palavras.

“Ma…”

“Já sei o que você vai dizer”, ela interrompe. “Que ela é uma galinha e vai partir meu coração, porque nunca assume compromissos. Mas eu gosto dela, Rafaella. O suficiente pra querer arriscar.”

“Mas…”

O sorriso de Marcela é gentil, mas firme.

“Com todo o respeito, não é você quem tem que decidir isso. Vou convidar Bianca para jantar. Se ela quiser recusar, que seja, mas você não pode fazer isso por ela.”

Pisco algumas vezes, confusa. Ela tem razão, claro. Não tenho o direito de decidir com quem Bianca vai ou não sair, mas é que…
Marcela olha bem para mim.

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